Escrevi há cerca de um ano que a ascensão da China na hierarquia da “Ordem” causou profunda inquietação nas elites políticas, económicas e militares americanas, e que a incapacidade para a perceber se traduziu na ineficácia das respostas. Passado um ano essa análise continua válida. A anedótica proposta de Mike Pompeo, em julho de 2020, de promover uma mudança de regime em Beijing, ilustra o estado da arte sobre a matéria.

Depois do “pivot to Asia” de Obama ter falhado, Trump ensaiou outra abordagem que teve o mesmo resultado. O protecionismo e o nacionalismo económico materializados, por exemplo, na imposição de tarifas às exportações chinesas, não impediram o crescimento da economia chinesa. Nem a pandemia causada pela Covid-19. Em 2020, o PIB dos EUA caiu cerca de 3,6%, enquanto que a economia chinesa, apesar de ter inicialmente caído, terminou o ano com um crescimento de 2,3%.

Como se isto não bastasse, o investimento direto na China aumentou 4%. Ao assinar em 2020, uma Parceria Económica Abrangente Regional (RCEP), com Estados asiáticos, e um acordo de investimento direto com a União Europeia, Beijing aprofundou a sua inserção na economia global.

As políticas económicas de Biden relativamente à China parecem não se distanciar muito daquelas seguidas por Trump. Até ao momento, Biden não apresentou planos para acabar com a guerra comercial iniciada pelo seu antecessor. Biden hesita em continuar, acelerar ou alterar as políticas que herdou. Até agora, a sua única proposta consiste em criar uma frente de democracias para isolar Beijing tendo como pano de fundo a promoção dos Direitos Humanos.

A abordagem americana à China tem sido eivada de erros. O maior de todos foi criar “verdades” assentes em “diplomacia pública”, normalmente afastadas da realidade. Embora a entrada da China na OMC continue a ser apresentada como uma forma de provocar a sua liberalização política, através da integração na economia global, sabe-se que foi promovida pelo grande capital (quem mais tinha a ganhar com a globalização), e não teve a ver com a democratização do país. Seria ingénuo pensar o contrário, apesar da narrativa que ainda hoje prevalece.

A história volta a repetir-se. As elites americanas autoconvenceram-se de que a erosão da vantagem tecnológica dos EUA se deveu ao roubo e à espionagem promovida por Beijing. Repetem este argumento à exaustão até se tornar “verdade”, omitindo que a China é o país que mais patentes regista e mais papers científicos publica, bem à frente dos EUA, pesquisa a face oculta da lua, tem programas avançados de recolha de energia do sol através de satélites, e está 10 anos tecnologicamente avançada relativamente aos EUA no processamento das “terras raras”, etc.

O boicote à Huawei e às redes 5G chinesas promovido pelos EUA não tem a ver com espionagem, mas com a incapacidade de os EUA proporem produtos tecnologicamente mais avançados e mais baratos.

É engenhoso agitar o argumento da insegurança. Provoca medo e levanta inquietude na população. No longo prazo é inconsequente. Está na hora de Washington perceber que essa estratégia está condenada ao fracasso. Não parará a ascensão da China. Talvez fosse mais eficaz consumir energias na promoção da competitividade dos produtos americanos, do que tentar provocar a desaceleração do crescimento chinês.