Em Portugal, e um pouco por todo o Sul da Europa, até há bem pouco tempo atrás empreender significava aventura e risco elevado. Os indivíduos que, imbuídos desse espírito irreverente, ousassem arriscar e fracassassem, eram, na generalidade dos casos, literalmente liquidados na praça pública, levando alguns – os que não tiveram a resiliência suficiente para enfrentarem a crise – a optar por se suicidarem, tal a gravidade da situação.
De facto, não fossem suficientes os, eventuais, problemas com credores e a justiça, os empreendedores que se arriscavam a criar valor e riqueza e por diferentes razões falhavam, tinham, ainda, que levar em cima com os chicos-espertos.
Trata-se de uma espécie de analistas sociais, que se reúnem, habitualmente, com os seus pares nos cafés locais e circulam para lá e para cá nas ruas mais movimentadas. São indivíduos capazes de chegar a grandes conclusões, sem precisar, sequer, de conhecer o contexto da situação. Método que, de resto, usam para generalizar e resolver qualquer problema à face da Terra. O maior orgulho dos chicos-espertos é gabarem-se das suas conquistas. Entre as suas principais glórias, contam-se: i) levar vantagem de alguém mais ingénuo ou desprevenido; ii) conseguir empregos sem as competências e currículo adequados; iii) relatar as conquistas amorosas, entre outras inconfidências.
Os chicos-espertos alimentam-se de destruir a reputação de pessoas honestas, inventando rumores ou falando os mais diversos disparates sobre determinadas pessoas que mal conhecem – mas que em tudo julgam – e que por várias razões não se alinham com os seus estratagemas, divertindo-se a si mesmos.
Todavia, este comportamento com o qual os chicos-espertos se divertem é provocado por um ato subconsciente da análise deles mesmos. Assim, aproveitam a observação de alguma coisa deformada noutras pessoas, para se compararem e aplaudirem aos próprios. Isto acontece, frequentemente, com aqueles que têm consciência de uma menor capacidade em si mesmos, e vêem-se forçados a reparar nas imperfeições dos outros para poderem continuar sendo a favor deles mesmos, com quem, de resto, estão condenados a passar o resto da vida. Desconhecem, no entanto, que um excesso de satisfação perante os problemas dos outros é sinal de pusilanimidade. Acresce que os grandes homens, aos quais os chicos-espertos se querem comparar, evidenciam comportamentos totalmente opostos, estando, em geral, sempre prontos a ajudar os outros de maneira a evitar o escárnio, comparando-se, apenas, com os mais capazes.
Em Portugal, a atuação típica dos chicos-espertos, de se satisfazerem com o mal dos outros, agravado quando se dispõem voluntariamente a prejudicar, causando entraves e levantando obstáculos, chama-se inveja.
Neste contexto, compreende-se que as pessoas por prudência se confrontem com o dilema de realizar, correndo o risco de fracassar e arcar com as consequências; ou, por outro lado, para evitar problemas se limitem a imaginar como seria se realizassem. Com frequência, as pessoas terminam por conformar-se e nada fazerem, vivendo com medo e frustradas.
Felizmente a evolução e a civilização têm conduzido a uma mudança comportamental da sociedade perante o fracasso dos empreendedores e das pessoas que querem realmente trabalhar e contribuir para a sociedade, desacreditando gradualmente os chicos-espertos, levando-os a dispersarem-se. Daí resulta que as pessoas empreendedoras, que até há relativamente pouco tempo em Portugal, estavam numa situação pior que a dos touros, pois não tinham quem as representassem, nem defendessem, começam, agora, gradualmente a serem apreciadas e valorizadas.
Presentemente os empreendedores têm eventos dedicados, como o Web Summit, condições propícias para apresentarem e desenvolverem as suas ideias de negócio nas centenas de Startups e Incubadoras distribuídas pelo país, investidores que os reconhecem e confiam nas suas competências, entre outras vantagens. Melhor ainda, nos E.U.A, há fundos específicos de apoio aos empreendedores que já fracassaram e resistiram à crise. Os analistas consideram que estas pessoas demonstram mais capacidades de resiliência às contrariedades e apresentam vantagens comparativas no que se refere às economias de experiência. No conjunto, dão mais garantias de sucesso, num mundo de negócios de concorrência global, altamente complexo e competitivo. Neste novo paradigma, quanto mais dramático for o fracasso, mais forte emergirá o sobrevivente. Assim, estes aspetos, à partida menos positivos, passaram a ser vistos como currículo, em vez do tradicional cadastro.
Neste cenário, o futuro depende cada vez mais dos empreendedores, especialmente dos alegadamente mais fracassados, pois segundo Winston Churchill: “Sucesso é passar de fracasso para fracasso sem perder o entusiasmo.”
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