Muita procura, pouca oferta e preços em constante subida são três dos vários fatores que continuam a marcar a agenda nacional sobre o problema da habitação. Com o preço das casas a crescer 4,3% em janeiro e Lisboa a ter o m² fixado nos 5.453 euros, muitos olham para este valor como pertencendo ao imobiliário luxo. No entanto, e em entrevista ao Jornal Económico (JE), David Carreira, Country Manager da promotora belga Thomas & Piron em Portugal, considera ser errado que se coloque o problema do acesso à habitação neste segmento do mercado.
Para o responsável, a habitação acessível e de luxo sempre “coexistiram” e assim continuarão, seja em Portugal ou em qualquer parte do mundo. No entender de David Carreira, a solução do mercado imobiliário no país passa pelo diálogo entre promotores e Governo, a quem reconhece medidas positivas neste setor, “mas curtas”.
O que podemos esperar do mercado imobiliário em 2025?
Eu sou uma pessoa normalmente otimista, mas não antevejo grandes mudanças para o mercado neste ano de 2025. Continuaremos a ter uma enorme procura por habitação nova e uma oferta baixa, logo a pressão sobre os preços irá manter-se. E a baixa oferta não está do lado dos promotores ou investidores; esses têm vontade de fazer “obra”, mas a morosidade nos processos de licenciamento mantém-se e o que tem sido feito para a contrariar não tem resolvido o problema; pelo contrário, nalguns casos até agravou.
Que tendências vão marcar o setor este ano?
Em minha opinião, a tendência para este ano será, do ponto de vista dos promotores e investidores, uma vez mais, de “esperar para ver”. Esperar para ver como fica a nova lei dos solos, esperar para ver como ficam as prometidas alterações ao ‘Mais Habitação’ e ao Simplex, esperar para ver se teremos coragem política, e não só do lado do Governo, mas de todos os quadrantes políticos. Para tal, podemos começar por “copiar” o que de bom se faz lá fora nesta matéria e até melhorar algumas práticas.
E o problema não está só no preço final da habitação. A questão principal reside no facto de não haver habitação nova em número suficiente para fazer face à procura.
O mercado de luxo poderá cada vez mais sobrepor-se ao mercado mais acessível? Como se encontra um ponto de equilíbrio?
Tentar colocar o problema do acesso à habitação no mercado dito de luxo é errado. Os dois nichos de mercado sempre coexistiram e continuarão a fazê-lo, em Portugal como em qualquer parte do mundo. E não entendo que tenha de ser encontrado um ponto de equilíbrio.
É normal que a habitação nos centros das cidades seja mais cara do que na periferia; sempre foi assim e continuará a sê-lo. Por exemplo, sempre foi mais caro comprar casa em Cascais do que na margem sul de Lisboa. Tal não significa que não possamos ter os dois nichos em Cascais, ou os dois nichos na margem sul, como aliás temos atualmente, e bem.
Note-se que, entre o luxo e o acessível, as únicas variáveis de custo que têm um impacto diferente são os terrenos (em alguns casos), os materiais (e estes só mesmo ao nível dos acabamentos) e o nível de comodidades que é oferecido em ambos os casos.
Por outro lado, quando a dita classe média se contrai, como aconteceu nos últimos tempos por via da subida das taxas de juro, é normal que os promotores se tenham concentrado nos clientes que lhes garantiam a continuação da sua atividade. Resolvido que parece estar o problema das taxas de juros altas, os promotores voltaram a dedicar-se a este nicho de mercado.
Qual ou quais os tipos de habitação nova mais procurados?
Nos empreendimentos que temos hoje em comercialização, eu diria que as tipologias T1 e T2 são as mais procuradas. No caso da Thomas & Piron, prevemos lançar, nos próximos 2/3 anos, habitação destinada à classe média. Serão cerca de mais 100 apartamentos no GAIA HILLS em Vila Nova de Gaia e cerca de 700 no CLARISSAS em Loures.
Convirá, contudo, esclarecer o que é, em nosso entender, habitação destinada à classe média. Dizer-se que apartamentos que são hoje vendidos entre 4.500 e 5.000 euros/m² pertencem ao mercado de luxo é errado. Era verdade há 10/15 anos; hoje não o é.
Os preços de hoje refletem, o que é normal, aquilo que são hoje os custos dos terrenos, os custos com honorários de projetistas, os custos com materiais de construção, os custos de mão de obra (que é cada vez mais escassa e que terá, portanto, tendência a aumentar), os custos da mediação imobiliária e os custos da “sustentabilidade”.
Somos todos a favor da sustentabilidade, da ecologia, da poupança energética, sem dúvida, mas temos, a dada altura, de ser realistas e aceitar que, para que todos os regulamentos e demais legislação a este nível sejam cumpridos, as habitações “sofrem” no seu custo final. Uma das formas de baixar o preço da habitação é aceitar a criação de “patamares”, de níveis diferentes de obrigação de cumprimento que corresponderiam a custos mais reduzidos e logo a preços finais mais acessíveis.
Que impacto podem ter os impostos na compra e construção de casa?
Vejamos as coisas assim: continuamos a ter o Estado, no sentido lato do termo, como o nosso “principal acionista”, com uma grande diferença em relação aos seus demais “colegas acionistas”. Se a operação correr mal, o acionista Estado recebe sempre a sua fatia. E que fatia estamos a falar? De uma média de 40% do preço final de toda e qualquer habitação nova. 40%! Ou seja, por cada 100 mil euros de custo de uma habitação nova, 40 mil euros vão para o Estado. E quanto é que o Estado investiu? Qual foi o risco que o Estado correu na operação? Quanto tempo é que o Estado teve de esperar para receber a sua parte? Zero. Zero euros investidos, zero risco e zero tempo de espera.
Em contrapartida, o promotor, para reaver qualquer imposto, como por exemplo o IMT pago aquando da aquisição de um terreno, porque tem esse direito em alguns casos, chega a ter de esperar dois, três e mais anos. É insustentável. E esta insustentabilidade traduz-se em custos acrescidos para os promotores que, quer se queira quer não, terão de ser suportados por alguém. E esse alguém é o cliente final.
Como olha para as medidas do Governo sobre a habitação?
As medidas são positivas, mas curtas. Deveríamos ser capazes, enquanto sociedade, de ir mais longe. Não precisamos de mais estudos e análises aprofundadas sobre o “porquê” e o “como” de termos chegado a este ponto. Enquanto nos continuarmos a preocupar com o “porquê”, não resolvemos o “como”, e vice-versa.
Chegou a altura de o poder político ter em conta a opinião de quem sabe fazer promoção imobiliária e construir habitação. Chegou a altura de quem legisla ouvir, e sobretudo saber ouvir, quem com essa legislação vai trabalhar posteriormente.
Chegou a altura de sermos capazes de, e perdoem-me a frase feita, nos “sentarmos todos à volta de uma mesa” e, sem estarmos, ou estarem, preocupados com o resultado das próximas eleições, sem olhar a ideologias, sem olhar aos erros do passado, mas ficando atentos para estes não se repitam, termos a coragem de fazer e implementar as reformas que este importante setor necessita.
Era importante a descida do IVA de 23% para 6%?
Para baixar o preço final da habitação, era fundamental que assim se fizesse. Eu diria mesmo imprescindível. Este foi, aliás, um dos temas falados e prometidos nas últimas eleições legislativas. Como resultado, tivemos muitos investimentos a serem adiados até que se esclarecesse se o IVA baixava ou não, o que veio, uma vez mais, agravar o problema da falta de habitação, pois, atrasando-se o início, atrasa-se a disponibilização de novas habitações.
Considero, pois, que é fundamental que se baixe o IVA da construção. Acho é que não o podemos fazer isoladamente; temos, ao mesmo tempo, de criar mecanismos que nos permitam identificar claramente quem compra com o intuito de aí habitar e quem compra com o intuito de revender no curto prazo. E isso, no nosso entender, é fácil. Haja vontade e coragem (política, entenda-se) para o fazer.
Que efeitos podem ter os processos burocráticos?
O mais imediato é o aumento dos custos. Quanto mais demorados forem, mais caros ficam para toda a gente. Quanto mais tempo passa entre o momento em que se investe na aquisição de um terreno e o licenciamento da operação (e a conclusão dessa mesma operação), mais juros terão de ser pagos a quem financiou a aquisição, quer sejam fundos próprios ou não. Dinheiro custa dinheiro. Há uma frase que passa na televisão e rádio belgas que diz: “Atenção, pedir dinheiro emprestado também custa dinheiro”. É uma frase que surge após cada anúncio para emprestar dinheiro e que pode, sem dúvida, ser associada também à nossa atividade: “quanto mais tempo leva a obter uma licença, mais caro fica”, a todos, à sociedade.
Era importante que as entidades licenciadoras em Portugal tivessem a noção de que, quanto mais tempo têm os processos do seu lado para decisão, mais cara fica a operação, qualquer que ela seja, e que esse custo também contribui para o preço final a que é vendida a habitação. E atenção, este não é só um problema de Portugal; também existe lá fora.
O novo Simplex veio melhorar este cenário?
Não. O novo Simplex veio, numa primeira fase, criar o caos nas operações urbanísticas em curso, com Câmaras a não saberem o que fazer aos processos que já se encontravam em andamento. Chegámos ao ponto de ter situações em que, “o que entrou na Câmara antes do Simplex é tratado de uma maneira e o que entrou depois é tratado de outra”, contrariando o que diz a própria lei, que revogava todas as leis anteriores a partir daquele momento.
As alterações que o atual governo tem vindo a introduzir, aqui e ali, têm minimizado o impacto inicial negativo do diploma e ajudado a clarificar algumas situações. Agora seria muito importante que se voltasse atrás, procurando, obviamente, melhorar as práticas anteriores, em dois pontos fundamentais: o Licenciamento – leia-se a Licença de Construção – e a Utilização – leia-se Licença de Utilização. Estes dois instrumentos devolveriam a fundamental e necessária segurança jurídica indispensável para todos os intervenientes, incluindo compradores.
Mais uma vez, sem essa segurança, os financiamentos, pelo facto de as operações comportarem mais risco, serão mais dispendiosos – leia-se taxas de juro mais altas – e, como consequência, a habitação é mais cara também. Tudo se resume ao mesmo; isto é, no fim, quem paga é o cliente final.
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