1. Sou de uma geração marcada pela energia nuclear que acolhe em si uma triste e negra história e grandes campanhas contra, sobretudo no estrangeiro, nos anos de 1960/70.

Em Portugal, onde muito se falou de Ferrel, zona de Peniche, como potencial local de implantação de uma Central de energia nuclear, apenas aconteceram movimentações de pouca monta.

O Estado Novo adquiriu um pequeno reactor de Investigação nos finais de 1950 que instalou no LFEN em Sacavém, ligado à Junta de Energia Nuclear (JEN), criada em Março de 1954, que se foi “desfazendo”, no após 25 de Abril e, sem grandes defensores da continuidade. Os seus quadros técnicos em número significativo e especializados foram sendo dispersos por vários outros organismos do Ministério da Indústria, certamente não aproveitados da melhor forma.

Mas a respeito da história negra, quem não se recorda do acidente nuclear na Central de Chernobyl (ex-URSS, actual Ucrânia), ocorrido em 1986, até hoje considerado o mais grave de todos os tempos, ou ainda, o de Fukushima no Japão, em 2011, o segundo maior da história.

Mas há registos e conhecimento de outros pelo menos desde 1952 em centrais nucleares e países como Canadá, Japão, França, Rússia, EUA. De entre estes, talvez o de maior impacto tenha sido o da central Three Mile Island, em 1979, nos EUA.

A gravidade dum acidente afere-se pelo grau atingido na Escala de Acidentes Nucleares (INES- International Nuclear Event Scale), número de mortes e extensão territorial dos impactos. A título de exemplo, refira-se que Chernobyl atingiu o grau 7. Sobre Fukushima existe divergência sobre o nível do grau variando entre 5 e 7 consoante a fonte. Já o da central Three Mile Island, o registo é grau 5 e 25 000 mortes.

Contributo da energia nuclear no cômputo geral

2. A energia nuclear contribui com 10,3% da produção total da electricidade do Planeta (World Nuclear Association, June 2021). Na União Europeia, o contributo da nuclear é de 27%.

Os principais inconvenientes desta fileira de produção energética com a tecnologia actual (Fissão Nuclear) são a perigosidade dos resíduos radioactivos, até hoje ainda sem solução, mas com avanços tecnológicos em curso na redução do impacto (a Austrália do Sul vai acolher uma instalação avançada de gestão de resíduos radioactivos), a possibilidade de acidentes com maior ou menor gravidade nas próprias centrais e ainda o elevado investimento inicial.

Este tipo de energia como vantagens apresenta a não geração de gases com efeito de estufa, aumento de produção constante de electricidade (sem intermitências, ao contrário da eólica e solar) e custos de produção baixos, embora esta matéria suscite alguma polémica, como estamos a assistir em França na campanha presidencial para 2022.

Quando e se for dominada a produção de energia pela Fusão Nuclear o panorama da fileira muda radicalmente, pois este processo de produção, a concretizar-se, não gera resíduos radioactivos, nem riscos de explosão.

Em 1 de Janeiro de 2019, existiam 450 reactores nucleares operacionais a operar em 32 países, utilizando tecnologias diversas. Segundo previsões da Agência Internacional de Energia até 2040 serão investidos na energia nuclear 1,2 biliões de dólares. Certamente, este valor não contabiliza o elevado montante que o Presidente Macron avançou recentemente investir em França até 2030 em pequenos reactores (SMR), mil milhões de euros.

A exploração espacial

3. A NASA – agência espacial norte-americana, através do programa Artemis, tem por objectivo não só levar astronautas à Lua, mas criar as condições para a presença humana, permanente e estável, como trampolim de prosseguimento da exploração espacial.

É bem diferente pensar-se em ir à Lua recolher informações ou amostras e/ou criar condições de permanência.

A resolução do aprovisionamento energético constitui, sem dúvida, um passo determinante da permanência, a par de outros, como a água, a alimentação. …

A NASA equacionou hipóteses para a solução do problema energético: painéis solares, baterias, mas decidiu-se pela energia nuclear, considerando-a como a mais adequada na situação tecnológica comparativa.

Assim, a energia nuclear tornou-se para já fundamental no âmbito da missão de exploração espacial dos EUA.

Evidente que a NASA não se decidiu por esta via, de ânimo leve, pois trabalha desde 2015 em conjunto com o Ministério da Energia dos EUA em projectos de mini – centrais nucleares, o tipo aproximado de reactor a usar nesta fase da exploração espacial.

No mês passado, Novembro 2021, a NASA lançou convite a empresas privadas, com vista à apresentação de propostas de desenvolvimento de conceitos a partir da tecnologia mais conhecida e dominada, a fissão nuclear.

A NASA pretende concretizar esta missão no prazo máximo de 10 anos, mas a produção de energia nuclear deverá começar a ser ensaiada até 2027.

Essas propostas deverão ser apresentadas até 19 de Fevereiro de 2022.

A NASA e o Ministério da Energia seleccionarão as propostas mais promissoras e na base da informação recolhida desenvolverão conceitos mais avançados durante um período de 12 meses com vista à construção de um mini-reactor nuclear, qualificado para a exploração espacial tendo em vista o estabelecer na superfície lunar.

Até agora para a simples passagem pela Lua os painéis solares têm sido suficientes, mas numa óptica de povoamento lunar a energia dos painéis não basta e há, assim, que encontrar outras formas de produção de energia para sustentar a permanência de pessoas por um período prolongado.

Por outro lado, são apontadas como características do reactor para esta experiência a resiliência, solidez, fiabilidade e ainda a reduzida dimensão.

Não nos podemos esquecer que há o transporte do reactor do nosso Planeta até à Lua. Daí a dimensão constituir uma determinante importantíssima.

4. São entusiasmantes estes avanços. Sendo mais preciso, estas ideias promissoras. Mas não podemos deixar de expressar algumas dúvidas.

No confronto nuclear-renováveis para a exploração espacial, a energia de origem renovável foi preterida. Qual o alcance desta decisão? Uma limitação não ultrapassável, a intermitência?!De facto, não há sol nem vento a toda a hora.

Certamente, a investigação tem de continuar e se possível ser acelerada e unir os esforços dos cientistas. Mas esta questão tanto se coloca nas renováveis como na nuclear.

Daí, haver quem questione com algum fundamento, senão se está perante uma guerra de lobies: nuclear versus renováveis, na Europa muito personalizadas na França vs Alemanha.

Questões interessantes que melhor seriam, se dirimidas pela cooperação primeiro na junção e partilha do conhecimento e depois no investimento.

Estamos perante um problema crucial e de futuro do Planeta porque o mundo para se desenvolver sustentadamente e melhorar as condições de vida das suas populações necessita de aumentar o consumo de electricidade limpa.