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Teresa Damásio: “A lusofonia é o património imaterial da comunidade da CPLP”

A administradora do Grupo Ensinus, que integra o Grupo Lusófona, presente na maior parte dos países de língua oficial portuguesa, defende a cooperação entre Portugal e África em vários campos, sobretudo na educação, o sector que lhe é mais caro. “Sem educação não há uma sociedade democrática livre e pluralista”, afirma a professora, antiga deputada e autora de “O Estado das Coisas”, em entrevista ao JE.
22 Maio 2025, 15h46

Teresa Damásio, administradora do Grupo Ensinus, que integra o maior grupo de ensino de língua portuguesa no mundo, o Grupo Lusófona, antiga deputada e presidente das Mulheres Socialistas da FAUL do PS, reflete sobre a educação, a igualdade e o estado do país em geral em “O Estado das Coisas”. A também presidente do Conselho de Administração da Universidade Lusófona da Guiné-Bissau e membro do Conselho de Administração do ISUPE Ekuikui II, em Angola dá-nos a sua perspetiva sobre a lusofonia e o papel da educação na cooperação entre Portugal e África. Com chancela da Oficina do Livro, “O Estado das Coisas” está à venda nas livrarias de norte a sul do país.

Descreva-nos “O Estado das Coisas” em algumas palavras e uma imagem

A capa do livro foi pensada com aqueles tons e com aqueles desenhos porque significa o mar, a água, que nos liga a nós! A Lusofonia é um património imaterial dos povos lusófonos, dos povos que falam e que se entendem na língua portuguesa, língua essa que é diversa e que é falada com vocábulos díspares em diferentes continentes e, portanto, o mar leva-nos para todos esses portos, onde vamos de barco. E, por isso, há vários barcos e com o mar temos sempre o céu.

Este livro transporta energia, transporta querer, transporta saber, transporta resiliência e determinação.

 O que a levou a escrever este livro? Que importância lhe atribui?

Escrevi crónicas ao longo de vários anos, papers e discursos sempre à volta da educação, da lusofonia, do empreendedorismo e da igualdade de género e de oportunidades. Considerei que era importante ter um livro e publicá-lo com todas estas crónicas organizadas, naturalmente de forma temática, para terem uma ordem e para, em termos metodológicos, conseguir mostrar, transportar e expressar aquilo que para mim é fundamental. À volta de todo o livro e de todas estas crónicas está sempre a Política como um eixo estratégico e uma trave mestra para todos estes temas que fazem parte da obra. Aquilo que eu espero para o leitor é que encontre uma bússola para a sua vida. E nós, na nossa vida, devemos ter sempre, em primeiro lugar, um plano, em segundo, propor objetivos e, por último, traçar metas para os alcançar. Vivemos em sociedades, somos seres gregários e, portanto, a política é aquilo que nos organiza e nos orienta.

Sem educação não há uma sociedade democrática livre e pluralista. Sem igualdade de género e de oportunidades não alcançamos a equidade, a justiça social e a fraternidade. A Lusofonia é o espaço imaterial em que os portugueses se encontram com todos os povos que falam a língua portuguesa. Aquilo que eu aconselho é que todas as pessoas escrevam, passem para o papel os seus pensamentos, aquilo que gostariam de ser e que gostariam que o mundo fosse e qual o seu papel neste mundo. É isso, que para mim, representa o “Estado das Coisas”.

O que nos diz “O Estado das Coisas” sobre o estado da educação em Portugal?

Quando falamos sobre o estado da educação temos que falar de um ponto de vista holístico, ou seja, abarcando todo o sistema educativo. E esse sistema educativo no nosso país, como em todos os países das Nações Unidas e da OCDE, é um sistema educativo diverso, que implica vários stakeholders, que implica vários níveis e subsistemas. Portanto, falar sobre o estado da educação em Portugal é algo bastante complexo, porque teremos que falar sobre o ensino superior e, neste caso, no ensino politécnico e universitário. No ensino não superior teremos que falar no ensino científico-humanístico e no ensino profissional. Quando falamos no ensino científico-humanístico teremos naturalmente que falar desde a creche ao pré-escolar, no primeiro, segundo e terceiro ciclo do ensino básico e no ensino secundário.

Eu diria que a grande revolução do ensino não superior já começou a ser feita com a introdução, há uns anos atrás, da autonomia e flexibilidade curricular e com todas as alterações que foram sendo feitas à aquisição de aprendizagens. Creio, que obrigatoriamente, a escolaridade obrigatória terá que passar para os 5 anos e, desejavelmente, para os quatro anos. Portanto, está cientificamente comprovado que um país só é desenvolvido, justo, competitivo e rico quanto mais qualificada for a sua população. E a escolarização, a literacia, seja ela financeira, digital, da nossa população tem que começar o mais cedo possível. Grande parte dos países da OCDE já têm a sua escolaridade obrigatória nos 5 e nos 4 anos e essa terá que ser, efetivamente, uma meta a muito curto prazo. Caso contrário, todos os esforços que têm sido feitos no ensino não superior cairão, efetivamente, em “saco roto” e terão reformas que, na prática, não terão qualquer efeito.

E o ensino superior?

Em relação ao ensino superior, eu diria que está quase tudo por fazer! Neste momento, em termos europeus, aquilo que a Comissão Europeia preconiza para os Estados é a criação de universidades europeias. No entanto, ainda não há muitas universidades com esta génese em Portugal, bem como universidades portuguesas que lideram consórcios de universidades europeias. Os sucessivos governos não têm estado muito atentos ao ensino superior, têm se preocupado muito em regular através da A3ES, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, responsável pela regulação, que não tem sido feita da melhor forma, nem tem sido feita, creio eu, desejando o melhor para Portugal.

Em relação às políticas de investigação, sabemos que a Fundação para a Ciência e Tecnologia – a FCT – também não tem estado a funcionar bem e, portanto, eu diria novamente e correndo o risco de me repetir que no ensino superior está quase tudo para fazer.

Que papel desempenha a educação na cooperação entre Portugal e África?

A lusofonia é o património imaterial da comunidade da CPLP e, por isso, desempenha um papel absolutamente essencial na cooperação entre Portugal e África. Foram dados passos importantes com a Declaração de Fortaleza, que já ocorreu há muitos anos, depois disso tem havido acordos que visam a mobilidade, programas que potenciam a investigação e, portanto, a cooperação científica, mas é preciso fazer mais, é preciso fazer muito mais! É preciso mudar o enquadramento institucional, é preciso mudar o enquadramento legal e, naturalmente, é preciso que os Estados apoiem e criem determinação para a cooperação no âmbito da educação, a cooperação no âmbito da investigação, no âmbito da ciência, no âmbito da produção de conhecimentos é extremamente importante.

Nós olhamos para a cooperação na saúde, nós olhamos para a cooperação em matéria ambiental e de clima, nós olhamos para a cooperação militar…. Tudo é importante, mas a educação está na base. Se nós não dermos incentivos aos Estados, às universidades dos Estados, às escolas dos Estados para cooperarem, eu diria que tudo o resto cai por água abaixo. Os Estados têm que estar absolutamente determinados e fazer na CPLP aquilo que a União Europeia fez com o programa Erasmus+. Eu diria que falta muita coisa. De facto, a Declaração de Fortaleza foi excecional, mas teve desenvolvimentos muito parcos. E podíamos neste momento estar muitíssimo além do que estamos. Eu tenho a convicção de que a curto e a médio prazo haverá alterações significativas neste domínio.

A Universidade Lusófona detém várias instituições de Ensino no mundo Lusófono. Quantas ao todo, neste momento?

A Universidade Lusófona detém instituições em Angola, no Brasil, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em Moçambique e, naturalmente, em Portugal. Em Moçambique detemos instituições de ensino superior e um Instituto Médio, em Cabo-Verde detemos a Universidade Lusófona de Cabo-Verde, no Mindelo e na Cidade da Praia. Na Guiné-Bissau detemos a Universidade Lusófona da Guiné-Bissau e o Instituto Superior de Gestão da Guiné-Bissau. Em Angola detemos o Instituto Superior Politécnico de Humanidades e Tecnologias EKUIKUI II (ISUPE). No Brasil temos as Faculdades Lusófonas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador da Bahia. Temos ainda o Colégio Paraíso, no Rio de Janeiro e o Colégio Mário Schembert, em São Paulo.

Em que medida estão a contribuir para o desenvolvimento nos países onde operam?

O desenvolvimento tem sido notório, só para lhe dar uma nota, em São Tomé, onde não temos nenhuma Instituição, formámos já dezenas, mais de 100 quadros, o que para um país com a dimensão de São Tomé é absolutamente notável. Em Timor-Leste temos programas na área, principalmente dos Doutoramentos e dos Mestrados. Em todos os outros países formamos Licenciados, Mestres e Doutores, já formámos milhares de cidadãos lusófonos, o que comprova o nosso comprometimento com a Educação. Em Portugal neste momento somos o maior grupo privado, temos instituições de ensino superior de natureza universitária, politécnico, escolas profissionais, ensino científico-humanístico, pelo que estamos extraordinariamente satisfeitos com o nosso papel. Aquilo que gostaríamos era que os Estados nos apoiassem, a nós e a todos os outros que queiram contribuir para a educação. Neste momento estamos focados no nosso projeto, na nossa missão e contamos continuar a desenvolver a educação e o conhecimento, pois estamos cientes de que sem educação não há Estados!

Algum projeto de expansão em perspetiva?

Depois do Covid-19, com todas as problemáticas que trouxe, estamos preocupados em exclusivo em consolidar o nosso projeto educativo.

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