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Teresa Ferreira Rodrigues: “O SNS é apenas uma face da saúde em Portugal”

O envelhecimento é um desafio que se conjuga no presente e que implica mudar de uma lógica de quantidade de vida para uma lógica de qualidade de vida. Acima de tudo, é preciso planear e mudar de paradigma. É preciso educar para a saúde. Quem o diz é Teresa Ferreira Rodrigues, autora do ensaio “Envelhecimento e Políticas de Saúde”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
6 Abril 2019, 10h35

No séc. XXI continuamos a não saber viver o envelhecimento. Pode dar-nos duas a três ideias de políticas públicas que ajudem a inverter o problema?

Para além do envelhecimento físico (biológico) que afeta cada um de nós, a população portuguesa é triplamente envelhecida, porque existem cada vez menos jovens, cada vez mais idosos (e estes com idades cada vez mais avançadas) e a população adulta (e ativa) tem médias de idade cada vez mais altas, ou seja, também está a envelhecer. Neste contexto de transformação das estruturas etárias e por sexos há que saber viver com a mudança.

O envelhecimento demográfico é um dos maiores desafios da sociedade portuguesa. Tem consequências a nível económico e social que não têm necessariamente de ser negativas, mas que exigem planeamento e uma mudança de paradigma. A mudança traz consigo novas prioridades políticas na esfera de saúde, das infraestruturas educativas e de apoio social direcionado para os diferentes grupos etários e torna necessária uma reflexão sustentável e integrada sobre a programação e planeamento dos equipamentos públicos. É preciso educar para a saúde. E é preciso que a sociedade portuguesa encare a renovação em curso.

A responsabilidade da adaptação e mitigação não compete apenas aos decisores políticos, mas deve ser estendida aos diferentes atores com responsabilidade em termos económicos e sociais (empregadores, stakeholders, líderes de opinião e religiosos). E também aos cidadãos. Nenhuma mudança será possível sem que exista uma coincidência entre enquadramento legislativo e escolhas individuais. O discurso que predomina na sociedade portuguesa continua a ser o de delegar nos responsáveis políticos o futuro, mas esta aparente passividade deve ser substituída por atitudes proativas, numa perspetiva de complementaridade. Não se alteram comportamentos sem alterar mentalidades. Sugerem-se três tipos de medidas integradoras:

  • a emergência de uma política global da idade, que articule os critérios de análise às novas realidades da sociedade de risco;
  • a configuração de uma plataforma estratégica com vista a uma mudança de atitude face aos idosos;
  • o fim da Terceira Idade: repensar todos os grupos etários e as idades de reforma precoce, reforma tardia e velhice).

É possível implementar incentivos credíveis ao rejuvenescimento da sociedade? Quais?

É possível mudar o que parece inevitável. O envelhecimento das estruturas etárias é incontornável e tem efeitos nos modelos de fecundidade, reafirmando a urgência de medidas adequadas de apoio à família. Mas tem ainda outras consequências imediatas, provocando a alteração dos volumes de ativos, a necessidade de criação de serviços de apoio aos mais velhos, a reformulação do sistema de pensões e o repensar dos cuidados de saúde, direcionados para novos tipos de população, numa sociedade onde as famílias são reduzidas e instáveis e onde as redes familiares e comunitárias de solidariedade, que substituíam no passado recente os cuidados formais, deixaram de funcionar. Trata-se de mitigar o indesejado, aproveitar as oportunidades e remover obstáculos a três níveis distintos: políticas de imigração e acolhimento; políticas de natalidade e família, políticas de educação e emprego. Alguns exemplos:

  • como mitigar o indesejado: reduzir a pressão que os futuros idosos (atuais ativos) podem exercer sobre os jovens (futuros ativos) a nível contributivo; evitar a redução das receitas da Segurança Social; flexibilizar o aumento esperado das despesas com pensões e alguns cuidados de saúde;
  • como aproveitar as oportunidades: apostando em novos perfis de imigrantes, mais velhos e com maior rendimento; diminuir a emigração; reduzir a diferença entre o número de filhos reais e desejados pelas famílias portuguesas; permitir aos maiores de 66 anos continuarem a contribuir para a sociedade, mediante políticas de emprego mais flexíveis e em novas áreas;
  • como remover obstáculos: políticas migratórias e de acolhimento mais integradoras; novas dinâmicas familiares e políticas de família, nomeadamente na esfera da saúde e autonomia; formar e flexibilizar, adaptando regras de emprego aos distintos grupos etários e às diferentes formações.

Como vê a sustentabilidade do SNS no médio prazo?

O que um país gasta em saúde e a tendência de variação positiva ou negativa desses gastos refletem as opções estratégicas assumidas, bem como o esforço necessário para garantir o funcionamento do sistema, com vista à prossecução dos objetivos previamente delineados. Em Portugal, a saúde representa a segunda função com maior peso no Orçamento do Estado e em 2017 foram gastos com saúde 8,9% do PIB, o que coloca o nosso país numa posição superior à média de gastos comunitários (12º lugar).

Quando falamos de sistema de saúde falamos de uma realidade complexa, onde coexistem e se sobrepõem três sistemas, apenas um dos quais é o SNS, que coexiste com os subsistemas de saúde e os fundos de seguros de saúde. Este facto traz alguma segurança relativamente aos receios sobre o que pode acontecer caso o SNS não seja sustentável. Falamos do SNS de hoje, sem pensar que se trata de um sistema dinâmico, esquecemos que as famílias portuguesas estão a alterar as suas opções no acesso a cuidados de saúde e tende sobretudo a faltar uma visão estratégica prospetiva na forma de olhar a capacidade de mudar dos financiadores públicos e dos cidadãos.

O SNS é apenas uma face da saúde em Portugal, embora hoje inquestionavelmente a mais importante. No Portugal ideal todos teriam saúde e acesso a serviços de qualidade socialmente justos, tecnologicamente apropriados, sustentáveis e adequados às suas necessidades. No mundo real, em profunda mudança e onde o Estado-providência está fragilizado, o direito à saúde continua a ter de ser defendido e compete a todos fazê-lo, seja enquanto entidade financiadora, como prestador de serviços ou como cidadão. Quais as alterações que do lado do funcionamento do SNS e dos comportamentos dos utentes teriam como efeito uma vida mais saudável? Sugerem-se três linhas de atuação estratégica:

  • reorganizar o sistema de saúde (controlar fatores que geram a procura excessiva de cuidados de saúde ou a preços demasiado elevados);
  • alterar comportamentos de consumo (garantir que todos os cuidados prestados são necessários);
  • educar para a saúde (mudar comportamentos coletivos e individuais de risco).

 

 

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