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Tesouraria e ações: as pontas de um mundo de taxas baixas

O ambiente de taxas de juros em mínimos históricos obrigou a uma recomposição dos ativos, explica Rui Broega, diretor de gestão de ativos do BiG. O investidor português procura segurança, mas o momento acelerado das bolsas também é aliciante.
21 Julho 2017, 07h02

O ambiente de taxas de juros em mínimos históricos obrigou a uma recomposição dos ativos, explica Rui Broega, diretor de gestão de ativos do BiG – Banco de Investimento Global. O investidor português procura segurança, mas o momento acelerado das bolsas também é aliciante.

Como correu o primeiro semestre para os fundos?

A indústria como um todo usufrui do ânimo dos investidores e toda a gente foi tomadora de risco nestes últimos meses, muito impulsionado pelo que viam do lado das ações. Também pelo facto de haver um nível de taxas de juros muito reduzido, que potenciam um retorno esperado menor e que quase forçou a criação de alternativas para a alocação dos portfólios. Isto notou-se não só em Portugal, mas pelo mundo inteiro.

Chegamos a um momento em que os mercados de ações estão em máximos novamente, os níveis de taxas de juros estão em mínimos e há, na minha opinião, um estado de complacência significativo. O que se verifica pelos níveis de volatilidade muito baixos em quase todos os segmentos. Quando os níveis de volatilidade estão tão baixos como estão neste momento é indicador que o posicionamento está muito concentrado e que provavelmente as pessoas estão a comprar quase indiscretamente.

Onde é que os investidores nacionais estão a apostar?

Se formos analisar com mais finura os dados vemos que muitos dos volumes captados por fundos de investimentos foram em perfis muito conservadores, os fundos de Tesouraria. Tesouraria e ações são duas pontas do risco, completamente opostas. Um é super conservador e o outro, em teoria, o mais arriscado que existe.

No meio estão as obrigações, que de repente é o ativo que ninguém quer porque ficou caro com as taxas de juro em níveis baixos e houve quase uma deslocalização para as duas pontas. Parece-me que de repente toda a gente ficou com medo de não participar no rally das ações, mas é como nos navios: se de repente toda a gente for para o mesmo lado do navio, os pesos ficam descompensados e pode vir uma onda não tão grande e fazer virar o barco.

Até quando é que vai durar o rally das ações?

Isso é uma boa questão, mas a bola de cristal… Eu, pelo menos, não a tenho. Nem pretendo identificar o momento exato em que o mercado vai fazer topo ou bottom. O nosso estilo de gestão prende-se em identificar elementos que estejam depreciados face ao seu valor de equilíbrio e isso conjugado com todas as linhas de investimento que temos populadas nos portfólios há-de mostrar um vetor mais ou menos correlacionado que nos vai determinar um retorno.

Como estamos a todo o momento tão diversificados e a tocar em tantas pontas de risco, não me preocupa quando é que o vai rally vai acabar ou começar. O desafio para nós é, a todo o momento, deslocalizarmo-nos dessa dependência e estarmos, com alguma consistência, a participar nos momentos bons e a evitarmos os momentos maus. Monitoramos o mercado, mas se hoje for um topo e o mercado amanhã começar com uma venda fortíssima que se prolongue por um ano, ficaria tranquilo.

 

 

Quanto aos fatores internacionais, como é que as promessas de Donald Trump têm influenciado os fundos de investimento?

Os mercados tiveram um primeiro impacto, mas quem olhou para o dia após as eleições, não se apercebeu da volatilidade que ocorreu no intra-diário porque o mercado abriu com uma queda fortíssima e fechou com uma recuperação ligeira. Para quem comparar preços de fecho dos índices, não foi um evento. Mais importante foi o que se seguiu e o mercado posicionou-se em todos os segmentos para um programa governamental mais otimista que aquele que, passados oito meses, está a ser concretizado: o Obama Care deixou de ser uma questão, continua tudo igual; o programa fiscal já se percebeu que não vai ser nem metade daquilo que foi anunciado; e o programa de infraestruturas, a ser implementado na devida medida, é um projeto que nunca conseguirá sequer ser iniciado no próximo ano.

O que me parece que o mercado fez, especialmente o mercado de ações, foi absorver todas essas possíveis boas notícias de uma forma muito rápida e isso fez escalar o rally do S&P e de todos os índices, e que depois se alastrou à Europa e ao resto do mundo. Agora, o mercado está a digerir esse avanço que fez.

E quanto às subidas das taxas de juro pela Reserva Federal norte-americana?

Ao nível das taxas de juro, parece-me que aconteceu algo similar. Após esta última subida da Fed, parece-me que o mercado achou que a Fed foi um pouco rápida de mais. O programa de Trump não é tão fantástico como poderíamos pensar e provavelmente não vai consubstanciar mais inflação ou pelo menos um crescimento dos preços que assuste nos próximos semestres… Parece-me que os investidores estão a desacreditar na postura da Fed e achar que a Fed poderá ter cometido um erro nesta subida ou que, olhando para a frente, poderá não ser tão agressiva.

Ainda assim, o que está anunciado é que a Fed e o BCE vão reduzir o seu balanço. No momento em que o começarem a fazer, é claro que isso vai gerar um impacto. No momento em que começarem a desalavancar os seus balanços, o fluxo vendedor vai ter de encontrar um comprador. Se não encontrarem um comprador na devida medida, podemos enfrentar aqui um cenário de maior volatilidade no mercado de obrigações.

No entanto, não espero que isto aconteça porque não espero que nem a Fed nem o BCE sejam muito agressivos nos seus programas de desalavancagem até porque todos sabemos que as famílias continuam super endividadas. O que aconteceu foi uma redução do custo de dívida porque as taxas de juro foram caindo até ao momento do ponto zero. Mas efetivamente tanto o setor corporativo como as próprias famílias não desalavancaram tanto assim. Não é real e vemos isso, por exemplo, pelos defaults nos cartões de crédito nos EUA estão em máximos dos últimos dois anos. Imagine-se o que seria se a Fed retomasse o passo e ser um pouco mais agressiva na subida de taxas. O custo desta alavancagem iria delapidar novamente muitas famílias. Na Europa, igual.

Espera outra subida da taxa de juro de referência da Fed este ano?

O mais consensual é dizer que espero uma subida. Ainda assim, acredito que possa haver uma subida mais por uma questão de defesa, para ganhar algum lastro na eventualidade de ser necessário algum easing monetário novamente. Tudo vai depender do que Trump conseguir passar e aprovar. Se houver a implementação mais contida deste programa fiscal, o espoletar deste mecanismo de infraestruturas, a economia pode aguentar níveis de consumo, pode criar alguma pressão nos preços e o momentum vai dar alguns passos para mais subidas das taxas de juro.

Os mercados parecem estar à espera de um anúncio do tapering pelo BCE logo a seguir ao verão. É esta a sua expetativa?

É verdade que toda a gente está à espera, mas é preciso ter cuidado com o que se espera, especialmente porque economias como a nossa, a portuguesa, mas também a italiana ou até a própria espanhola, que passaram por um programa de austeridade efetivo, em que tomaram bastantes medidas e regularizaram bastantes situações e outras normalizaram continuam ainda muito sensíveis. Portanto, o escalar do custo da dívida neste momento pode hipotecar muito no bloco sul da Europa. Curiosamente, num país que não se fala tanto, mas que também está tremendamente endividado que é França. Se o BCE decidir ser agressivo nessa desalavancagem o custo da dívida vai ser um problema para um bloco como um todo e vamos ver depois que efeitos de alastramento vão depois acontecer.

Isso vai acontecer?

Não me parece que o BCE seja agressivo provavelmente como toda a gente se posiciona neste momento. Acho que faz sentido essa desalavancagem, todavia existem alguns vetores técnicos que ainda conferem nessa desalavancagem algum suporte dentro de alguns limites para estas economias do sul. O pior é se for efetivamente mais agressivo. Isso vai reduzir a compra de ativos de uma forma significativa e obviamente que as taxas de juro podem subir para níveis mais desconfortáveis.

Nós enquanto país não conseguimos operar acima dos 4%. Isso é uma métrica que todos têm na cabeça neste país e lá fora. E é uma linha bem esticada. Tem de estar tudo a correr muito bem para ser uma linha preocupante, mas não dramática. É muito difícil nós operarmos nessa linha de custo. O mesmo com Itália. Com todo o problema que o setor financeiro tem atravessado, continua a ser preocupante.

A função principal do banco central é, não só manter a estabilidade dos preços que é o mandato formal, mas também garantir a estabilidade do bloco como um todo. Isto se quisermos caminhar para aquilo que deveríamos ter sido desde o início que é uma união de estados que partilham responsabilidades entre si e a federalização teria evitado muitos destes stresses. Isso assusta essencialmente países que sempre foram rigorosos na gestão das suas contas, e aí têm todo o mérito, mas que também foram muito favorecidos por pertenceram a uma moeda única. Neste momento, existem demasiadas velocidades dentro do bloco.

Qual vai ser o impacto de uma mudança de política monetária pelo BCE para os fundos?

Essencialmente nos retornos que podem esperar e nos posicionamentos que podem ter nos blocos de obrigações. Vai ser preciso navegar muito bem toda esta fase. Obviamente que gestores com maior flexibilidade e que tenham dinâmicas maiores na sua gestão terão oportunidade de percorrer toda esta flutuação de uma outra forma, mas investidores mais tradicionalistas na sua abordagem com posicionamentos exclusivamente longos poderão ter mais dificuldades. E irão tê-las certamente.

 

Além dos bancos centrais, há outros eventos a acontecerem. O Brexit continua a ser uma questão?

Ainda não foi muito visível, essa é a verdade. Os momentos que se seguiram ao Brexit não foram alarmantes. Acho que ainda nem os próprios ingleses perceberam a dimensão real daquela decisão, que já agora pode ser revertida novamente. Ainda não percebemos em termos políticos exactamente qual é a dinâmica, mas a realidade é que existe ali uma fação que ainda pode atrasar todo este processo.

A reversão acho que não será possível. Todavia, temos que ver os próximos episódios e esperar para ver quem e como vai ficar no comando da economia. O Brexit foi um evento que ainda não conseguimos devidamente perceber quais as reais consequências.

E nas economias emergentes, como a China?

China era outro evento que preocupava o mercado, se bem que os dados desta semana mostram que a economia continua a crescer num nível bastante satisfatório. Eu continuo a acreditar que pode haver alguma mexida na constituição para que o mandato seja prolongado porque teoricamente este seria o último mandato, mas eu acho que há uma probabilidade de fazerem uma alteração na constituição para permitir pelo menos mais quatro anos e ganhar esta sustentabilidade e estes níveis de maturação da economia. Penso que o mundo inteiro está menos preocupado com China do que arrancou este ano.

Mas depois geopoliticamente, continuamos com os suspeitos do costume, adicionando agora um vetor que é o presidente dos EUA poder dizer um disparate a qualquer momento e ofender alguém. E isso pode consubstanciar algo que ninguém sabe bem o quê, mas que é algo que tem de estar em cima da mesa e tem de ser considerado.

 

Qual é o perfil do investidor nacional?

O perfil do investidor nacional é comprovadamente conservador, tanto assim é que em todas as estatísticas que possamos consultar a nível nacional vemos facilmente que cerca de 60% do aforro está concentrado em equivalentes a depósitos a prazo, o que deixa uma fatia menor para investimento com risco. Provavelmente é menos informado e por isso também mais conservador, o que gera um desafio enorme que tem de começar por uma educação.

É tão mais importante que essa educação seja feita e absorvida rapidamente porque os sistemas de segurança social não vivem os seus melhores momentos. As gerações que agora são classe trabalhadora e que pagam imensos impostos provavelmente vão ter grandes dificuldades de ter um nível de rendimento suficiente para sobrevivência. Já nem digo para manter o nível de vida atual. Isto se se mantiver a situação como está, como é óbvio.

A falta de informação está a limitar o retorno?

Dizemos facilmente que o depósito a prazo é seguro, mas em termos reais perde valor. Se há um aforro é para uma necessidade futura. Quanto maior for o espaço temporal, menor valor terá um euro hoje em dia. Há coisas que o investidor português não entende. Isto é quase um vetor comportamental. O que o nosso cérebro interpreta é a segurança e segurança é um depósito a prazo, mas este vetor comportamental tem um impacto financeiro tremendo no património.

Tenho a certeza absoluta que a maioria das poupanças dos portugueses não está a ser devidamente cuidada por culpa dos próprios clientes, que estão habituados a esta ilusão que o melhor e mais seguro é ter um depósito a prazo. Mas estes depósitos pagam zero, enquanto a inflação continua a ser superior a 1%, o que retira poder de compra e valor no consumo futuro, a cada ano que passa. Este posicionamento do investidor português cria um bloqueio muito difícil transpor. Vamos ver qual será a preocupação que os millennials, uma população mais jovem e mais informada, têm com o consumo futuro.

E quanto ao investimento internacional em Portugal?

Poucos investidores internacionais investem em Portugal porque temos pouca dimensão para o investidor institucional estrangeiro. Se falarmos ao nível das ações, diria que três ou quatro títulos podem ser elegíveis, com algumas restrições pelo vetor da liquidez.

Se falarmos em obrigações, há pouquíssimos ativos. A dívida soberana assegura alguma liquidez, se bem que uma das suas principais funções e impactos dos bancos centrais neste momento, tem sido estancar liquidez no mercado. É muito mais difícil e custoso transacionar obrigações hoje em dia e também temos de atribuir isso à dinâmica e ao posicionamento que os bancos centrais têm tido.

Portugal não é, infelizmente, um país que tenha liquidez suficiente para uma dimensão de investimento internacional significativa porque simplesmente qualquer bloco que queira ser construído num título português tem de ser escrutinado muito bem e com muito critério. Se houver um ticket muito grande a vir para o mercado, obviamente que vai influenciar o preço. É difícil com este enquadramento de mercado o ativo português ser muito procurado pelo investidor internacional.

 

Qual é a expetativa de evolução para os próximos meses?

A minha expetativa é que o mercado retome volatilidade. Sem grandes eventos geopolíticos ou que gerem clivagens ou choques repentinos no sentimento dos investidores, acho que vai haver um balizamento de algumas valorizações. Existem pontas muito desequilibradas quer entre ações e obrigações, mas mesmo dentro das ações, entre geografias. Dentro das obrigações, entre geografias e segmentos, de rating, de moderação… O mercado procurará aqui encontrar efeitos compensatórios e isso, na minha opinião, vai trazer um pouco mais de volatilidade.

Depois é preciso perceber efetivamente qual o posicionamento dos bancos centrais, do BCE e da Fed. Os bancos centrais detêm dois terços das emissões de dívida do mundo inteiro e isso é muito dinheiro. Dependendo a velocidade a que queira desalavancar o seu balanço, vai gerar o seu impacto no mercado e no sentimento dos investidores.

Portanto, é um momento em que não tenho grandes convicções. É um tempo de posicionarmos e descorrelacionarmos factores de risco para ter algum lastro e alguma proteção na eventualidade de haver uma correção destes níveis de volatilidade, que estão em mínimos tão significativas que é uma razão para desconfiar. Num vi um período tão prolongado com tanta complacência. Existe valor no mercado e muita gente a comprar, mas vamos ver os fluxos nos próximos tempos, que vão ditar o que vão ser os próximos dois anos.

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