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Carlos Cortes: “[TIC] são ferramenta incontornável, mas nunca poderão substituir relação presencial”

A evolução tecnológica tem sido um grande auxílio para o exercício da medicina, mas não substitui a relação entre médico e paciente. Falta de investimento da Saúde nas TIC.
6 Novembro 2021, 17h00

A tecnologia tem feito crescer a capacidade da medicina, não nas ferramentas de comunicação, mas também nos meios complementares de diagnóstico e na intervenção. Em entrevista ao Jornal Económico (JE), Carlos Cortes, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos sublinha o desenvolvimento tecnológico e a aceleração motivada pela pandemia, mas alerta para a necessidade de preservação da relação próxima entre médico e paciente.

 

Qual a importância do desenvolvimento tecnológico para a saúde?
A medicina, através do desenvolvimento científico, tem tido uma enorme capacidade de incorporar os avanços tecnológicos na sua atividade. Os médicos perceberam muito cedo a importância, para os seus doentes, de integrarem as modernas tecnologias na prevenção das doenças, nos diagnósticos, nos tratamentos, na monitorização e na comunicação com os seus utentes. Apesar de existirem aspetos éticos e de ligação aos doentes que é essencial ter em conta, as novas tecnologias são uma mais-valia indispensável para a melhoria da qualidade na prestação dos cuidados de saúde.
A tecnologia não só permite um conhecimento mais aprofundado, como permite tratar mais doentes. Neste sentido, as modernas tecnologias são um fator de melhoria do acesso aos cuidados de saúde e de aumento da sua qualidade.

 

A pandemia de Covid-19 contribuiu para acelerar o desenvolvimento tecnológico na saúde?
A pandemia contribuiu muito para o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação ligadas à saúde. São uma ferramenta incontornável nos dias de hoje, útil em muitos casos, mas que nunca poderá substituir uma relação presencial e próxima com os doentes. É preciso não esquecermos isso. Mas todos percebemos que, durante os períodos mais críticos da pandemia Covid-19, as novas tecnologias foram essenciais para continuar a tratar os doentes e estabelecer uma comunicação com eles.

Em que áreas da saúde é notada uma maior preponderância
da tecnologia?
As modernas tecnologias são transversais a toda a medicina, nas várias especialidades médicas e durante o percurso da doença. E têm também preponderância antes da doença no que concerne aos cuidados na área da prevenção da doença.
O desenvolvimento dos meios complementares de diagnóstico e de seguimento dos doentes tem tido um avanço excecional nestes últimos anos. As possibilidades de tratamento ligadas às novas tecnologias também têm permitido à medicina dar saltos ‘de gigante’ no seu desenvolvimento e na resposta em cuidados de saúde. Na área da comunicação não presencial, na medicina à distância, para citar alguns exemplos. Atualmente, a comunicação, em casos bem definidos, pode ser feita entre um profissional e o seu doente através de meios digitais e da internet. Podemos evitar deslocações desnecessárias aos doentes às unidades de saúde que, frequentemente, têm de dedicar quase um dia para ter uma consulta. A monitorização dos doentes, para o seu conforto, também pode ser feita à distância. Mas, para tudo isto, é preciso definir regras específicas para que as tecnologias sejam limitadas ao estritamente necessário e podermos privilegiar o contacto humano. A desumanização preocupa-me. Não só a aquela desumanização que em grande parte que nos trouxe esta mais recente pandemia, mas a que se reporta à perda da importância do valor da Pessoa, que tem acontecido nas nossas sociedades dos últimos anos, por força da modernidade, da imposição tecnológica que nos ajuda no nosso dia-a-dia. Este é um grande desafio.

 

As instituições da área da saúde em Portugal têm respondido ao desenvolvimento tecnológico? Que avaliação faz?
Não posso fazer uma avaliação positiva. Posso afirmar que existiram esforços importantes nestes últimos anos, isso é inegável. Mas o ‘estado da arte’ nesta matéria ainda está longe de ser adequado. Não sentimos uma vontade de investimento e desenvolvimento por parte do Ministério da Saúde. Um exemplo típico é a falta de integração entre programas informáticos dentro do SNS [Serviço Nacional de Saúde] que seria de uma ajuda crucial para ligar, por exemplo, os cuidados de saúde primários aos cuidados hospitalares e cuidados continuados. Mas mesmo em cada um deles existem dezenas de programas informáticos a funcionar autonomamente sem ligação entre si.
Quanto ao SNS, uma das suas características prende-se com o facto de estarmos perante um parque tecnológico obsoleto com equipamentos em fim de vida e, por vezes, sem apoio de manutenção. É natural que possa existir um significativo custo financeiro, mas o investimento no SNS também é uma prioridade pela qual o Ministério da Saúde pode optar ou decidir. A meu ver, será sempre uma má opção quando a tutela secundariza o investimento em saúde.

 

Que desafios coloca o desenvolvimento tecnológico aos profissionais de saúde? Éticos, de formação?
O principal desafio é ético e deontológico. A medicina é, fundamentalmente, baseada numa relação estreita entre um médico e o seu doente. Sem essa relação, poderemos ter algo que não será, propriamente, medicina. É preciso nunca perder de vista este conceito humanista e solidário que é intrínseco à medicina. O encantamento das novas tecnologias não pode permitir que estas ocupem este espaço primordial na relação médico-doente.
As novas tecnologias são muito importantes, indispensáveis para o desenvolvimento e melhoria do sistema de saúde, mas têm um lugar próprio de auxílio ao trabalho médico e não de substituição. Para isso são necessárias regras claras de atuação, orientações específicas que permitam, com as novas tecnologias, valorizar ainda melhor a relação presencial humana do médico com o seu doente. Este, para mim, é o caminho que deve ser reservado à tecnologia na saúde.

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