Em ano de comemorações do quincentenário do nascimento de Camões, importa relembrar esta reflexão profunda do nosso grande poeta que se afirma inexoravelmente, por cima das referências subjetivas, mais ou menos ideológicas e preconceituosas, com que olhamos os acontecimentos que se passam à nossa volta.

Novas qualidades tomadas pelo mundo é algo com que nos deparamos ao longo de toda a nossa existência. Umas vão ao encontro das nossas expectativas, outras contrariam-nas abertamente. Por vezes de forma inesperada quando não violentamente.

Os resultados da última noite eleitoral constituem uma inequívoca confirmação desta verdade intemporal que muitos teimam em ignorar. Não foi uma simples mudança de ciclo político que aconteceu, mas a entrada numa nova dinâmica estrutural da vida política e institucional que pode significar, coincidindo com os 50 anos do 25 de Abril, a abertura de uma nova onda política de longo prazo, à semelhança do que ocorre na economia, com os ciclos longos de Kondratiev.

Uma das frases mais marcantes de Keynes, feita no prefácio à primeira edição da “Teoria Geral”, livro de rotura com o pensamento teórico dominante, que se revelava em contradição com o mundo em mudança da altura, afirmava que o difícil não era aderir às novas ideias, mas escapar das antigas. Esta conclusão aplica-se inteiramente ao comportamento e atuação daqueles que se propuseram lidar com a gestão da coisa pública, num contexto de mudanças estruturais profundas e de novas qualidades que o mundo já tomou, mas que recusam reconhecer.

Com poucas exceções, o debate eleitoral foi primário. Quer no plano económico interno, onde nenhuma proposta de relevância estrutural foi verdadeiramente discutida. Quer no plano europeu, onde as propostas de desenvolvimento da integração foram praticamente esquecidas. Quer, ainda, no plano da economia global, onde as ameaças de recessão e a crise geoeconómica e geopolítica em curso, foram generalizadamente ignoradas.

Exemplo paradigmático da incapacidade de escapar às ideias antigas está na indisponibilidade manifestada pelos líderes das duas, ainda maiores, forças políticas para se encontrarem com as Ordens Profissionais, para debaterem as propostas que apresentavam ao País.

Representantes de largas centenas de milhar de profissionais altamente qualificados, em particular de jovens e recém-licenciados, as Ordens dispõem de um potencial de inovação e de transformação económica e social que importa mobilizar. Mas que tem sido desperdiçado pelos poderes públicos, com consequências sociais e políticas que se têm manifestado de forma bem visível. E que não deixaram de se exprimir nos resultados eleitorais.

Nos tempos conturbados que se anunciam esperamos que o bom senso prevaleça e que o diálogo entre os diferentes agentes, económicos, sociais e políticos ganhe um novo impulso e se sobreponha ao confronto e à divisão. Portugal não pode continuar a ser um país adiado, particularmente num contexto internacional em que se exige responsabilidade, convergência interna e sentido de missão.

A coluna quinzenal Pensar a Economia é uma parceria JE | Ordem dos Economistas.