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Tragédia romântica de uma Europa (quase) em desespero

A proliferação de conferências de imprensa, à escala local, regional, nacional e internacional para anunciar aquilo que irá ser anúncio ou repetir o que já foi anunciado antes, garante um palco mediático à esfera política, como nunca vimos antes. Este novo púlpito, parece assim servir apenas, para validar as lideranças em cadência, sem apontar esperança e as reais soluções que queremos.
29 Abril 2020, 07h15

Vimos o nosso espaço doméstico ser tornado público, mas não fomos capazes de percorrer a essência da nossa existência. Antes preferimos a alegoria do noticiado, da síntese imperfeita e carregada de floreados e dos números carregados de medo e ódio, pelos confinados e pelos contagiados. Vimos a Cultura reduzida à sombra daquilo que foi. Num exercício mutua ilusão, a Liberdade era posta em causa, sem nos apercebermos, do falso voluntarismo do nosso confinamento, corroborado pelo medo, em vez da esperança. Um excesso informativo, que temo já não contribuir para a prevenção, mas para o entronizar de comentadores, novos protagonistas e elites de futuro sistema.

A proliferação de conferências de imprensa, à escala local, regional, nacional e internacional para anunciar aquilo que irá ser anúncio ou repetir o que já foi anunciado antes, garante um palco mediático à esfera política, como nunca vimos antes. Este novo púlpito, parece assim servir apenas, para validar as lideranças em cadência, sem apontar esperança e as reais soluções que queremos. Porque nas palavras de Camus: «A opinião pública é sagrada: nada de pânico. Sobretudo, nada de pânico.»

Chegaremos ao tempo, da necessidade veemente de reler estas e outras palavras inteligíveis de Albert Camus, no seu livro “A Peste”, que aqui transcrevo: «A imprensa, tão indiscreta (…) já não mencionava nada. É que os ratos morrem na rua e os homens, em casa. E os jornais só se ocupam da rua (…). Bastou que alguém pensasse em fazer a soma, e a soma era alarmante.»

José Saramago, no seu “Ensaio sobre a Cegueira”, dizia-nos que, «assim está o mundo feito, que tem a verdade muitas vezes de disfarçar-se de mentira para chegar aos seus fins.»

As epidemias dos séculos XVIII e XIX são afinal, uma visão aproximada dos nossos dias, sobre a instrumentalização do medo como instrumento de sobrevivência política.

O Papa Francisco, neste tempo Pascal, propôs-nos a reflexão sobre isso mesmo, que pandemia poderá ser uma “resposta da natureza” à humanidade e uma “chamada de atenção contra a hipocrisia” de alguns líderes políticos. E que “a solução para os pobres” não passará por “políticas assistencialistas”. Alertando-nos por isso, para os perigos dos populismos: «Hoje, aqui na Europa, quando se começa a ouvir discursos populistas ou decisões políticas desse tipo seletivo não é difícil recordar os discursos de Hitler em 1933, que eram mais ou menos o mesmo que os discursos de algum político europeu de hoje.»

O Santo Padre, inequivocamente apontou um caminho de coragem para a Humanidade: o perdão da dívida dos países mais pobres, o levantamento das sanções económicas e um cessar fogo global. Este é o grande desafio essencial para a Humanidade, para que sejamos todos capazes de olhar o outro ser humano, pela Igualdade e não na pela diferença. Esta pandemia dá-nos a oportunidade de provocarmos no outro a mudança e partilharmos a nossa igualdade, na finitude, pois somos todos vizinhos e hóspedes neste mesmo orbe.

Também o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, alertava para o facto da pandemia não poder servir de pretexto para a imposição de medidas repressivas e para a emergência de novos totalitarismos. Pois, foram estes totalitarismos capazes de destruir sociedades e a nossa civilização, fazendo com que o ser humano perdesse o Amor, perante tanto ódio, racismo e xenofobia.

Segundo a ONU mais 260 milhões de pessoas poderão estar em risco de morrer de fome, por causa dos determinismos à liberdade e o agravar das desigualdades sociais devido à pandemia. No entanto, persistimos ainda, na falta de solidariedade e justificamos despedimentos e distribuição de dividendos ou fugas de capitais. Sujeitamo-nos à venda ao “desbarato”, de empresas, com a justificação do mercado ser livre e concorrencial.

Talvez, um pouco por tudo mundo, os “reis” do neoliberalismo económico e financeiro caminham nus e deixámo-nos convencer do contrário, sem que nos tenhamos apercebido, que com isso, envolvemos a Europa e o mundo ocidental num novo feudalismo e na sua antítese instituímos perigosamente, os totalitarismos, outra vez.

A unidade do projeto Europeu é posta em causa pela falta de solidariedade das potências económicas do centro e norte europeu, envoltas, na ainda persistente “Ética protestante e o espírito do capitalismo”, no conceito de Max Weber. Definitivamente esta pandemia veio demonstrar o fracasso das políticas neoliberais levadas ao extremo e demonstrar o progressivo esvaziamento das funções sociais do estado e a suborçamentação dos sistemas de Saúde e Segurança Social. Por essa razão, não podemos arriscar a vinda futura de uma qualquer austeridade, porque não se trata apenas de salvarmos a economia, trata-se de salvarmos a vida de seres humanos, pessoas, como nós!

O encanto sedutor da Europa, talvez se tenha eclipsado na “Origem da Tragédia” niilista e Wagneriana, de Nietzsche. Esperemos que a ópera termine bem.

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