A transformação digital deixou de ser uma opção e passou a ser um imperativo estratégico para a sobrevivência e crescimento das organizações. Contudo, este processo não é apenas tecnológico – e é aqui que muitos programas falham. Sem uma aposta decisiva na capacitação das pessoas, qualquer iniciativa de transformação digital corre o sério risco de se tornar um investimento falhado ou, na melhor das hipóteses, subaproveitado.
A digitalização eficaz de uma organização assenta em três pilares fundamentais: tecnologia, processos e pessoas. A tecnologia fornece as ferramentas, os processos garantem a eficiência, mas são as pessoas que conferem inteligência e sentido estratégico a tudo o resto. São elas que utilizam, adaptam e fazem evoluir a tecnologia, integrando-a nos fluxos de trabalho diários e garantindo que as mudanças conduzem a resultados tangíveis.
Num contexto em que a inteligência artificial (IA) começa a infiltrar-se no core business de cada vez mais empresas, a pressão para ajustar e modernizar competências é mais urgente do que nunca. Um estudo recente do Fórum Económico Mundial estima que 44% das competências dos trabalhadores vão sofrer alterações até 2028, impulsionadas sobretudo pela automação e pela adoção de IA. Paralelamente, um relatório da McKinsey revela que mais de 50% das empresas já utilizam IA em pelo menos uma função do seu negócio, prevendo-se uma aceleração generalizada.
Este cenário coloca um desafio crítico: o que pode e deve ser automatizado, e o que deve continuar a ser feito por pessoas? Esta é uma decisão estratégica, que exige visão, liderança e, acima de tudo, talento qualificado.
Por isso, as estratégias de transformação digital não podem ignorar a necessidade urgente de reskill (requalificação) e upskill (atualização) dos trabalhadores. E não falamos apenas de competências técnicas. A própria OCDE identifica como prioritárias para o futuro competências como pensamento crítico, criatividade e capacidade de resolução de problemas. Estas soft skills tornam-se ainda mais valiosas num ambiente em que a tecnologia automatiza tarefas repetitivas, mas onde a decisão, a inovação e a capacidade de pensar “fora da caixa” permanecem atributos exclusivamente humanos.
A formação em competências digitais e tecnológicas (como IA generativa, análise de dados ou cibersegurança) tem de caminhar a par de uma aposta contínua no desenvolvimento destas capacidades humanas. As empresas que negligenciarem esta componente não só terão dificuldade em captar e reter talento como estarão a comprometer o seu próprio potencial de inovação.
Além disso, a revisão de processos torna-se uma etapa inevitável. Automatizar processos obsoletos ou ineficientes é desperdiçar recursos. É necessário primeiro repensar os processos, perceber como podem ser otimizados e só depois automatizar. Caso contrário, como se costuma dizer na indústria, estaremos apenas “a automatizar o caos”.
A boa notícia é que os ganhos podem ser extraordinários. De acordo com um estudo da Accenture, as empresas que combinam tecnologia avançada com uma força de trabalho altamente qualificada conseguem alcançar até 2,2 vezes mais crescimento em receitas do que aquelas que apostam apenas em tecnologia.
Portugal enfrenta aqui um desafio estrutural. O Índice de Competitividade Digital da Comissão Europeia (DESI 2023) ainda coloca o país abaixo da média europeia em competências digitais da força de trabalho. Se queremos estar à altura da transformação digital e, sobretudo, se queremos que ela sirva para criar valor sustentável na economia, temos de inverter esta trajetória rapidamente.
Em suma, não há transformação digital sem transformação humana. A tecnologia sem pessoas preparadas é ineficaz; pessoas sem tecnologia ficam aquém do seu potencial. A verdadeira inovação nasce da interseção entre talento, processos inteligentes e ferramentas avançadas. Investir na capacitação é, por isso, não um custo, mas a condição básica para que o digital funcione – e produza resultados.