O Tribunal de Contas Europeu (TCE) tem dúvidas sobre as metas comunitárias para o hidrogénio verde até 2030. “Há “objetivos demasiado ambiciosos” para a procura e produção.
Mais. “É uma pescada de rabo na boca: a oferta e a procura dependem uma da outra”.
Na sua análise, o TCE conclui que a União Europeia (UE) “não deverá cumprir os objetivos que fixou para a produção e importação de hidrogénio renovável até 2030”.
Logo à partida, a instituição sediada no Luxemburgo destaca que as metas são “demasiado ambiciosas”, em referência à produção de 10 milhões de toneladas de hidrogénio renovável e importar outros 10 milhões de toneladas, até 2030.
Estas metas “não resultam de uma análise rigorosa, mas sim da vontade política. Depois, o arranque foi difícil. Primeiro, porque cada país da UE tem ambições diferentes e nem todos concordam com as estas. Segundo, porque a Comissão não conseguiu que os países e o sector industrial remassem na mesma direção”.
Apesar de reconhecer que a Comissão foi célere em implementar o quadro jurídico que “está quase completo” e dá a “segurança essencial para a criação de um novo mercado”, o TCE considera que “demorou-se a chegar a acordo sobre o que se entende por hidrogénio renovável e muitas decisões de investimento foram adiadas”, com os promotores de projetos a adiarem as “decisões de investimento, dado que a oferta e a procura dependem uma da outra”.
Nas suas contas, a criação de uma indústria de hidrogénio da UE exige um “enorme investimento público e privado, mas a Comissão não tem uma visão completa das necessidades ou dos fundos públicos disponíveis”.
A UE tem apoiado as iniciativas com muito dinheiro: quase 19 mil milhões de euros entre 2021 e 2027, segundo a estimativa do TCE, espalhado por vários programas, “pelo que as empresas têm dificuldade em saber que tipo de fundo é mais adequado para os seus projeto”.
A maioria destes apoios têm ido para países com indústris onde é difícil reduzir as emissões de gases com efeito estufa, e que contam com mais projetos, como a Alemanha, Espanha, França e Países Baixos.
“Contudo, ainda não há certezas de se poderem aproveitar na totalidade as possibilidades de produção de hidrogénio na União, nem de que os fundos públicos permitam que, na UE, se transporte hidrogénio verde dos países com um bom potencial de produção para os países com forte procura industrial”, segundo o TCE.
O Tribunal de Contas Europeu deixa um alerta à Comissão Europeia, defendendo que deve atualizar a sua estratégia para o hidrogénio, com três áreas em foco: “como adaptar os incentivos de mercado à produção e utilização de hidrogénio renovável; como definir prioridades para atribuir o reduzido financiamento da União e decidir em que partes do setor do hidrogénio se deve focar; e quais as indústrias que a UE pretende manter e a que preço, dadas as implicações geopolíticas da produção na União em comparação com as importações do resto do mundo”.
Portugal tem a ambição de instalar entre 1,5 – 2,5 gigawatts de potência eletrolítica até 2030, conforme as metas estabelecidas no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), que se encontra em revisão pelo Governo.
O estudo também sublinha que Portugal encontra-se entre os sete países com projetos com potência superior a 100 MW.
Já os projetos em fase avançada/em fase de estudos de viabilidade estão concentrados em 11 países (97% da potência previstas, entre os quais encontra-se Portugal.
Espanha é o país com mais potência em estudo: mais de 12 gigas, seguida dos Países Baixos com 8,5 gigas e da Alemanha com 5 gigas.
Até 15 de fevereiro deste ano, encontravam-se aprovados auxílios estatais para vários projetos que abrangiam Portugal, incluindo os pacotes Hy2Tech, Hy2Use ou Hy2Infra.
Em outubro de 2023, encontravam-se apenas 80 MW de potência eletrolítica em funcionamento na UE: 20 MW na Noruega, 80 MW na Alemanha e 40 MW em Espanha.
Dos 90 milhões inicialmente previstos, Portugal vai afetar um total de 175 milhões de euros, incluindo fundos do RepowerEU. Em toda a UE, os países prometeram adjudicar mais de 13,6 mil milhões de euros para o hidrogénio verde, com Espanha a liderar (3,1 mil milhões), seguida de Itália (3 mil milhões) e França (2,4 mil milhões).
“Entre os que têm bom ou elevado potencial de produção de energias renováveis, apenas Portugal tinha projetos em fase avançada ou que já tinham um estudo de viabilidade (em outubro de 2023)”, pode-se ler no documento.
Um dos envelopes europeus previstos é via Fundo de Modernização (para os 13 estados-membros com menores rendimentos), mas até à data, apenas dois países (Chéquia e Eslováquia) recorreram a estes fundos.
O Governo anunciou, na semana passada que está à procura de interessados para desenvolver um projeto de hidrogénio verde em Sines. Depois do cancelamento do projeto H2SinesRDAM, ficaram disponíveis estes apoios para quem quiser pegar no projeto. Mas com uma condição: o projeto terá de ser reformulado.
“Temos essa autorização, se encontrarmos promotores ou os mesmos [consórcio anterior], se reformularem ligeiramente o projeto, ou outros interessados no objetivo geral, mas reformulando o projeto. Como estava, tecnicamente, é quase impossível o transporte, os 400 MW de hidrogénio. É impossível de implementar neste momento”, disse a ministra do Ambiente e da Energia na semana passada aos jornalistas à margem da sua audição no Parlamento.
Hidrogénio para ser produzido localmente? “Sim, em principio”, afirmou a ministra, não adiantando o valor do apoio especificamente.
O projeto previa uma capacidade de produção de 400 MW em Sines. O objetivo era começar a exportar hidrogénio verde via navio para o porto de Roterdão.
Mas o consórcio franco-neerlandês constituído pela Engie e Shell cancelou, este ano, o seu projeto.
“Dada a falta de regulamentos claros e considerando a atual maturidade do mercado-alvo, assim como a ausência de infraestruturas suficientes, os diferentes parceiros do parceiro tomaram a decisão de terminar o projeto em Portugal em outubro”, disse fonte oficial da Engie, ao JE, a 9 de abril.
“A Engie ainda está convencida de que o hidrogénio permanece um factor fundamental dentro da transição energética, pois a vontade e a necessidade existem”, afirmou.
O projeto H2SinesRDAM estava orçamentado em “vários mil milhões de euros” para “toda a cadeia de valor, das renováveis a todas as infraestruturas”, disse, em abril de 2023, ao JE, o vice-presidente europeu da elétrica Engie para o hidrogénio verde Nils Grobet, adiantando que o objetivo era que o projeto entrasse em vigor em 2028/2029.
Em 2023, o responsável da Engie salientava que o projeto aguardava pela resposta da Comissão Europeia à candidatura aos fundos europeus do IPCEI (Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu).
Nils Grobet dizia então que o projeto iria contar com um “gigawatt de fontes renováveis e 400 megawatts de eletrolisadores. E também unidades de liquefação (conhecidas por trains), com a capacidade de exportação de mais de 100 toneladas por dia no terminal de Sines, através de um navio dedicado ao transporte, rumo ao terminal de importação no porto de Roterdão”. O objetivo seria vender este hidrogénio líquido para clientes no norte da Europa, que é mais caro que a versão normal de H2.
Além da Engie e da Shell, o projeto também contava com a participação de Anthony Veder, especialista no transporte marítimo de gás natural liquefeito e da empresa neerlandesa Vopak, operador de terminais de armazenamento, que iria ficar responsável pela construção e operação dos terminais.
Numa análise ao mercado global de hidrogénio verde, a consultora Wood Mackenzie alertou, este ano, que os custos estão a pressionar os projetos de hidrogénio. “O hidrogénio tem sido um tópico quente na transição energética. Mas os promotores, tomadores e decisores políticos lutam por andarem ao ritmo planeado – com os custos a serem a principal barreira”.
A consultora especializada em energia acredita que os projetos vão continuar a surgir, mas que o foco vai estar nos que conseguirem atingir a decisão final de investimento (FID). “Este vai ser um ano crítico para em estabelecer o ritmo a que os mercados de hidrogénio e derivativos pode crescer”, segundo Murray Douglas, vice-presidente da área de research de hidrogénio e amónia.
O analista aponta que os “custos de desenvolvimento para projetos de hidrogénio e energias renováveis aumentaram significativamente durante 2023, e, no topo disto, os promotores lutaram para garantir financiamento. Estas novas, e ainda por provar, tecnologias, muitas vezes tendo como alvo novos clientes, são consideradas arriscadas. Com o financiamento dificil de obter, custos a aumentar e as decisões regulatórias ainda no ar, o atraso de projetos e cancelamentos têm sido generalizados – um padrão que deverá continuar”.
A Wood Mackenzie destaca que os “projetos de exportação estão a debater-se para garantir FID, mas a Europa e a China continuam a ter a maior capacidade sob construção. Apenas 2% da capacidade total anunciada a nível global está sob construção ou operacional”.
Os projetos focados na exportação – correspondem a 44% da capacidade anunciada, mas entrarem em operação vai depender “do aumento da procura nos seus mercados de importação. Com cerca de metade dos anúncios de capacidade global a serem especulativos, e os anúncios a ultrapassarem os desenvolvimentos, é claro porque é que estes projetos são considerados de alto risco”.
No último trimestre de 2023, foi atingido um recorde em termos de capacidade anunciada: 12,7 milhões de tpa anunciados, atingindo um total global de mais de 120 milhões de tpa. “Os anúncios de capacidade em todo o mundo têm sido dominados por centros de produção e megaprojetos, e novos projetos foram principalmente em mercados focados para a exportação, particularmente no Norte de África”, segundo a Wood Mackenzie.
A consultora destaca que grandes anúncios em mercados menos desenvolvidos devem ser tratados com cautela: “mercados focados em exportação albergam um pequeno número de grandes projetos, inflacionando a capacidade total por região. Mas na verdade, a maioria destes projetos (…) vão lutar para progredir devido a assuntos relacionados com financiamento, falta de políticas de apoio, desafios em garantir compradores e infraestrutura de apoio por desenvolver”.
Analisando a produção de eletrolisadores, cruciais para produzir hidrogénio e com a tecnologia para produzir eletrolisadores maiores e em larga escala a precisar de ser afinada, a China surge como uma das potências na sua produção, sendo capaz de “escalar a capacidade de produção mais rapidamente do que a Europa e a América do Norte, possivelmente capturando uma porção assinalável do mercado”.
Mas existem “dúvidas sobre a performance e confiabilidade”, com a WM a dar o exemplo do projeto Kuqa da Sinopec que encontrou “problemas técnicos e está a operar atualmente a menos de um terço da capacidade instalada”.
Entretanto, novos e ambiciosos atores estão a “prometer escalar” apesar de os “alarmes” estarem a soar devido ao risco de excesso de oferta de eletrolisadores no curto a médio prazo.
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