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Trump: O que vem aí para a economia?

A vitória do polémico candidato republicano causou ondas de choque nos mercados financeiros de todo o mundo. Conheça as consequências para a economia global e para a Europa.
REUTERS / Carlo Allegri
11 Novembro 2016, 09h48

Os efeitos de quebra nos mercados podem até dissipar-se, conforme sucedeu depois do Brexit, mas a eleição de Donald Trump como herdeiro de Barack Obama para presidente dos Estados Unidos poderá conduzir “à subida da inflação, a uma guerra comercial e, no limite, até a uma recessão, dependendo de quão longe for nas medidas da sua administração”. A possibilidade foi admitida por analistas da Schroders durante uma conference call de âmbito internacional que analisou os efeitos da escolha do eleitorado norte-americano.
Keith Wade e Johanna Kyrklund, respetivamente, economista-chefe e gestora de ativos da referida firma, compararam alguns dos efeitos àqueles que o Brexit exerceu, mas implicando “um choque ainda maior”. Mesmo assim, Kyrklund considerou o movimento de descida nos mercados “consistente com o que se esperava face ao resultado”. E Wade, embora admitisse a hipótese de “maior especulação, deixou outra convicção: “Creio que as preocupações com o consumo não vão concretizar-se, uma vez que estamos a falar das mesmas pessoas que elegeram o próximo presidente. Aliás, penso que a economia deverá aguentar-se sem problemas até meados do próximo ano e só a partir daí, tendo em conta o impacto das diversas políticas aplicadas, poderá registar outros efeitos.”
Por entre a incerteza e as dúvidas quanto às medidas que Trump irá, de facto, aplicar, Wade apontou os campos do comércio, política orçamental e imigração como alguns dos que mais depressa podem suscitar análises.
No primeiro caso, o responsável apontou a “grande margem de liberdade” de que dispõe Trump para aplicar medidas protecionistas e barreiras. Isso poderá contribuir para “elevar o risco de uma guerra comercial, até porque a intenção de aplicar taxas agressivas irá gerar medidas de retaliação, a possível subida das taxas de juro e da inflação”.
Keith Wade falou depois sobre “os estímulos no capítulo orçamental com investimento nas infraestruturas” e, a propósito da imigração, referiu-se a um cenário de possível “deportação de 600 mil ou mesmo mais de um milhão de imigrantes”. Neste contexto, “os salários dos que ficarem serão mais elevados e esse facto reforçará os riscos de subida na inflação”.

A dimensão geopolítica
Os dois analistas responderam a questões a propósito de reflexos do resultado das eleições norte-americanas noutros mercados. Para Wade e Kyrklund, “a dimensão geopolítica, incluindo o relacionamento com México e China e um panorama de grande exigência para os mercados emergentes”, é outra questão a ter em conta.
As polémicas relativas às políticas económicas e às alegações de manipulação monetária estiveram na ordem do dia na campanha de Trump. Pequim recebeu acusações da prática de dumping e houve ameaça de imposição de taxas sobre os produtos vindos da China num valor até 45%. “Os chineses vão tentar, conforme fizeram até aqui, optar pela desvalorização da moeda face à fuga de capitais do país”, comentou Wade. “Num cenário de aplicação das referidas taxas, talvez o movimento de saída de capitais abrande e a moeda chinesa conheça alguma estabilização”, previu.
Se este tipo de guerra comercial não está no horizonte face à União Europeia, o aumento do risco político é algo que os analistas reconhecem como quase certo. “Vale a pena lembrar que está aí à porta o referendo em Itália e Renzi, tal como sucedeu a David Cameron num outro contexto, pode perdê-lo”, acentuou Wade. E acrescentou: “No próximo ano há eleições em França e na Alemanha, novos choques políticos são possíveis, porque aquilo que aconteceu nos Estados Unidos é passível de repetir-se noutras paragens.”
Entretanto, o Reino Unido negoceia as condições de saída da União Europeia e Londres é alvo de avaliação quanto ao seu futuro como centro financeiro. “Talvez possa haver um reforço das posições do Reino Unido nesse capítulo, mas, caso se verifique uma desaceleração do crescimento, isso terá óbvios efeitos negativos na situação de Londres”, reconheceram.

Yellen: in ou out?
No plano interno, Kyrklund lembrou questões relativas ao “impacto no défice” acerca das medidas da próxima Administração, falando sobre a necessidade de “digerir alguma incerteza e perceber como irá reagir o Congresso”.
Segundo Wade, “num ambiente inflacionário importa ver como age o Congresso”. E aponta ainda numa outra direção: “Por entre a grande incerteza nesta situação, talvez a própria Janet Yellen seja substituída na liderança do Fed. Depois das críticas durante a campanha por alegado imobilismo e perda de tempo nas políticas monetárias, é possível que Trump pretenda escolher um líder muito diferente para a entidade”.
Caso Yellen se mantenha à frente da Reserva Federal, Wade antecipa: “Pode nem subir a taxa de referência em dezembro, tendo em conta os receios de descida na atividade económica. Depois disso, é possível que se verifiquem outras subidas, mas só no fim de 2017.” n

  • TENDÊNCIAS QUE SE DESENHAM

Saúde
O cancelamento do Obamacare foi uma das bandeiras agitadas pelo recém-eleito chefe de Estado norte-americano. Enquanto Hillary admitiu introduzir algumas alterações ao programa de saúde definido por Obama, o republicano mostrou-se contundente e chamou-lhe “um desastre total”, prevendo que “implodirá por si próprio” em 2017. Considerou-o “demasiado caro”, “incapaz de resultar” e com implicações que não beneficiavam os cidadãos dos Estados Unidos. No entanto, apesar de apontar para o cancelamento do plano de saúde de Barack Obama, em nenhum momento o discurso de Trump apontou planos de alternativa. Como noutros setores, o republicano limitou-se a distribuir críticas à formulação e colocação em prática daquele plano. Quer cancelar, mas sem outra hipótese.

Rússia
Durante a campanha, Donald Trump deixou sinais de admiração pelo presidente russo, Vladimir Putin, chegando a considerá-lo “mais líder” do que Barack Obama. Ao longo do duelo de palavras com Hillary Clinton, o milionário foi sempre muito criticado em função dessa atitude de aproximação ao máximo responsável russo num contexto de claro desacordo entre os dois países e ainda por entre acusações de alegada interferência no andamento das eleições por via de piratas informáticos. Trump desvalorizou sempre as acusações e, nas primeiras horas após ser conhecido o desfecho do ato eleitoral, uma das mensagens de felicitações que recebeu teve origem no Kremlin – falava de diálogo e de retirar a relação entre os dois países do atual estado crítico.

Médio Oriente e Daesh
Contrário à entrada de muçulmanos em território norte-americano, tendo mesmo manifestado a vontade de decretar uma proibição, Donald Trump também não quer que os Estados Unidos sirvam como espaço de acolhimento a refugiados sírios e prometeu intensificar os bombardeamentos contra posições do Daesh. Neste caso concordou com a existência da coligação internacional. Na Síria, a sua opinião foi que deveria caber à Rússia manter-se no combate. Por outro lado, chegou a apontar para a renegociação do acordo nuclear com o Irão. E, em relação à situação de Israel e Palestina, depois de ter apoiado a ideia da neutralidade em negociações de paz, acabou por falar de uma solução com dois estados desde que “a Palestina deixe de ensinar os seus filhos a serem terroristas”.

China e Coreia do Norte
Nas propostas que foi apresentando, os dois países asiáticos foram tratados de forma diferente. De facto, enquanto os chineses surgiam entre os alvos da hostilidade manifestada por Trump, sobretudo no campo comercial, uma vez que o próximo presidente quer impor taxas elevadas na entrada de produtos chineses, a Coreia do Norte teve direito a uma possibilidade de encontro com Kim Jong-un. “É um político sábio”, comentaram as autoridades de Pyongyang. Quanto aos vizinhos sul-coreanos, além de ter sido convocada de emergência uma reunião governamental para analisar os resultados das eleições nos EUA, foi manifestada a ideia, por parte do ministro dos Negócios Estrangeiros, de que não haverá alterações de política neste quadrante.

Imigração
Entre tudo aquilo que disse até agora, algumas das sugestões mais chocantes vieram desta área. Dos insultos aos mexicanos e latinos depressa o republicano passou a convicção de que irá construir um muro ao longo da fronteira no sul dos Estados Unidos. “O México ainda não sabe, mas vai pagar esse muro a 100%”, chegou a afirmar, tendo sido logo contrariado pelo líder mexicano, Enrique Peña Nieto. O propósito é impedir a entrada daqueles a quem chamou “criminosos, assassinos e violadores”, numa cruzada que inclui expulsões e deportações.
O endurecimento no setor da imigração foi um dos temas-chave da sua campanha, reiterando a intenção de não conceder qualquer tipo de amnistia. Há perto de 11 milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos.

Comércio e NATO
Muito crítico do acordo NAFTA, rubricado nos anos 90 com o Canadá e o México, Donald Trump foi dizendo antes das eleições que também não queria o TPP, parceria com países do Pacífico, considerando que não defende os interesses económicos dos Estados Unidos. Em simultâneo, a China era colocada na lista negra sob acusações de violação à regulamentação da Organização Mundial do Comércio.
No âmbito da segurança, a União Europeia cuidou, logo nas primeiras horas após ser conhecida a vitória de Trump, de enviar uma mensagem no sentido de lembrar tradicionais compromissos. O da NATO é um desses casos, mas Trump avisou na campanha que só estava disposto a manter esse apoio se os países da aliança pagassem…

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