Os Portugueses e, em grande medida, a Europa habituaram-se a olhar para a França como um farol que, por antecipação, iluminava o caminho da humanidade. E iluminava esse caminho no sentido certo.

Foi assim no século XVIII com os iluministas, com a inspiração da Independência Americana, com a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Foi assim, mais recentemente, com o Maio de 68 e a ruptura que representou, bem como no papel determinante na construção da União Europeia do pós-guerra e na consolidação das várias famílias políticas democráticas que construíram a Europa. E, diga-se, que nos ajudaram a ser a democracia que hoje somos.

Nas últimas décadas, a França invade-nos, com invulgar frequência, com a notícia de tumultos graves, de atentados, de manifestações de ódio e de xenofobia, a par da afirmação crescente de movimentos políticos radicais que, às claras ou na sombra, parecem comprazer-se com as dificuldades do país.

Se é demasiado redutor atribuir todo o mal à imigração ou às diferenças culturais e religiosas que dela decorrem, ignorar tais realidades será igualmente perigoso.

A sociedade francesa, como todas as sociedades europeias, ganhou complexidade, diversidade e assimetrias culturais, sociais e de rendimentos que até há pouco tempo se desconheciam. A pobreza, a marginalidade cultural, a guetização urbana, a ignorância cívica não são, nem nunca foram, boa companhia.

Ao país de acolhimento que todos nos habituámos a respeitar e louvar, terá sucedido um país de refúgio ou de abrigo que, para o que aqui se trata, não são exactamente sinónimos.

E se o homem mais rico do mundo é francês, isso não invalida que a população tenha, genericamente, empobrecido, que os bairros das grandes cidades sejam abrigos e não locais de acolhimento, que a classe média de ontem se veja empobrecer e que o nível de integração cultural tenha regredido.

Se a França ainda é um farol para a Europa, talvez seja o tempo de nós, portugueses, pensarmos na complexidade que a nossa sociedade também está a ganhar e a um ritmo que talvez a França nunca tenha conhecido.

Complexidade que nos impõe o especial dever de agir. Sobre a distribuição de rendimentos por TODOS quantos vivem e trabalham em Portugal. Sobre a escola, pública ou privada, formando para a igualdade. Sobre a formação cívica dos cidadãos.

Já pensaram em recuperar o Serviço Militar Obrigatório, universal e com uma duração razoável?

O dever de agir sobre situações complexas impõe respostas complexas e determinadas. E impõe, antes de mais, que não “façamos de conta”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.