Encerraram este domingo 29 de outubro uma semana de celebrações do centenário da República da Turquia, cem anos depois de o fundador Mustafa Kemal Ataturk ter declarado o seu início em 1923. O presidente Erdogan – que não é considerado um ‘purista’ do legado de Ataturk – prestou-lhe homenagem e prometeu protegê-lo. Os eventos das comemorações foram realizados em 81 províncias.
Na madrugada de domingo, uma delegação governamental e líderes partidários, generais e juízes de topo visitou Anıtkabir, o mausoléu de Mustafa Kemal Atatürk, relata a imprensa turca. Recep Erdogan liderou a delegação.
Em seguida, Erdogan recebeu embaixadores e altos funcionários no Complexo Presidencial. Representantes de missões estrangeiras, chefes de órgãos públicos, ministros e líderes partidários participaram na receção, juntamente com um grupo de jovens, atletas, famílias de veteranos e parentes de Mustafa Kemal Ataturk.
Erdogan escreveu no livro memorial do mausoléu: “Neste momento de viragem da nossa história, mais uma vez lembramo-nos de Vossa Excelência (…). Durante os nossos 21 anos de governo passados servindo o país, a nação, tentámos preservar o que nos confiou. Como um governo que fez os maiores investimentos da história da Turquia, estamos determinados a coroar o segundo século da república como o ‘Século da Turquia’ juntamente com os nossos aliados”.
O ‘século da Turquia’ é um conjunto de grandes planos de ação para os próximos anos em todos os campos, da economia aos direitos humanos. “A nossa república está nas mãos mais seguras e habilidosas”, concluiu Erdoğan no livro memorial, segundo a imprensa do país.
Ao longo da tarde, em frente às duas partes de Istambul, a antiga capital que se situa em parte na Europa, em parte na Ásia, 100 navios militares passearam pelo Bósforo (que divide essas duas partes). Manobras de caças, drones deram às celebrações o tom militar que Erdogan não dispensou.
A república, que substituiu o colapso do Império Otomano ocorrido no quadro da I Grande Guerra (1914-18), foi declarada poucos meses depois de um tratado internacional reconhecer a independência do novo Estado, e a declaração de Ancara como sua capital. Ataturk, um veterano oficial otomano que lançou a luta pela independência em 1919, foi o primeiro líder do novo país.
Ataturk e Ismet Inonu, que sucedeu a Ataturk como presidente, redigiu um projeto de lei que mudava a Constituição de 1921 em que uma emenda fundo a república. A nova república introduziu uma democracia mais ampla. Nas décadas seguintes, a democracia nascida da república foi rompida por múltiplas tentativas de golpe. A primeira foi em 1960, cerca de uma década depois de as primeiras eleições verdadeiramente multipartidárias terem levado o Partido Democrata ao poder. A última foi em 2016, quando o Grupo Güleni (FETO), agora considerado terrorista (apesar de antes ser um dos apoiantes de Erdogan) tentou derrubar o governo do atual presidente.
Uma das decisões mais impactantes de Ataturk foi a criação de uma república laica e o afastamento cada vez mais vincado da influência do Islão no governo do novo país. Uma evidência dessa postura e sua ‘marca de água’ foi a transformação de Agia Sofia num museu, tendo deixado de ser uma mesquita. Mas, com Erdogan, os turcos assistiram a um regresso da influência religiosa para as cercanias do poder – e Agia Sofia passou a ser novamente, em julho de 2020, uma mesquita.
Ao longo de várias décadas destes 100 anos, foi prioridade da Turquia aderir à União Europeia, apesar de a parte europeia do país ser muito pequena. A Turquia inscreveu-se pela primeira vez como solicitando a qualidade de membro da Comunidade Económica Europeia em 1959 e, em 12 de setembro de 1963, assinou o acordo que criou uma associação entre a República da Turquia e a Comunidade Económica Europeia”, também conhecido como Acordo de Ancara. De então para cá, e apesar de ao longo das duas primeiras décadas do novo milénio Erdogan ter feito praticamente tudo o que a União exigiu como antecipação à sua entrada, nada aconteceu. Para isso muito contribuiu a oposição da Grécia (e mais tarde de Chipre), mas também (e talvez principalmente) a recusa do então presidente francês Nicolas Sarkozy (2007-12) em aceitar um país islâmico no interior da União. Logo na altura, a questão do Islão pareceu uma ‘desculpa’: a verdade é que a entrada na União de um país com 85 milhões de pessoas (um pouco mais que a Alemanha) e uma forte posição na agricultura (um sector muito caro aos franceses) iria mudar substancialmente o equilíbrio de forças – e colocar em perigo o ‘famoso’ eixo Paris-Berlim.
Erdogan acabou por abandonar o ‘namoro’ com a União – ou pelo menos assim parece – apesar de, a quando da sua mais recente reeleição, em maio passado, ter nomeado o assunto.
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