Há pouco mais de um mês, o presidente Recep Erdogan – que internamente vive em plena crise política – participou num encontro com líderes do Reino Unido, Canadá, e autoridades da União Europeia sobre a segurança na Europa. Apesar da sua ambição e das promessas do bloco, a Turquia nunca foi membro pleno do clube exclusivo da União Europeia – mas o novo quadro estratégico europeu, que resulta do afastamento claro dos Estados Unidos, muda tudo, pelo menos na ótica de Ancara.
A Turquia, com o segundo maior exército da NATO e uma imensa costa no Mar Negro – que voltou à sua condição de estrategicamente imprescindível – tenta desempenhar um papel de relevo na segurança da Europa. Após duas rondas de negociações sobre a Ucrânia, Ancara foi rápida em alertar que as defesas europeias não podem ser garantidas sem o seu envolvimento, referem com insistência analistas turcos.
“É inconcebível estabelecer a segurança europeia sem a Turquia”, disse o presidente Recep Erdoğan após uma visita a Londres no último domingo – que gerou algumas manifestações de protesto. Sem a Turquia, “é cada vez mais impossível para a Europa continuar o seu papel como ator global”, acrescentou.
Ancara tem defendido a integridade territorial da Ucrânia desde o início do conflito Rússia-Ucrânia em 2022, fornecendo drones de combate e navios de guerra à Ucrânia. Mas também mantém laços com a Rússia e continua a ser o único membro da NATO que não aderiu às sanções contra Moscovo. É este quadro que tem permitido a Ancara ser um dos poucos vasos comunicantes entre todos os envolvidos e tem fundadas esperanças de vir a ter um papel de maior relevo nas negociações de paz.
Por outro lado, a Turquia desenvolveu nos últimos anos uma indústria de defesa cujas exportações cresceram 29% em 2024, atingindo 7,1 mil milhões de dólares em 2024 – o 11º lugar nas exportações globais de defesa. O que impulsiona este sucesso são os drones Bayraktar TB2, segundo avança a imprensa turca, vendidos para mais de 25 países, entre eles a Polónia e a Roménia. Mas esse não será com certeza o tipo de material que a Europa terá de procurar para aumentar o seu poder militar, disse ao JE um analista de assuntos internacionais. “A Europa não vai armar-se com drones”, mas com artilharia pesada, aviões de combate e tanques de guerra, disse.
Mas vale a pena não esquecer que as forças armadas, estrategicamente localizadas no flanco leste da Aliança Atlântica e ao sul do Mar Negro, controlam o acesso via Bósforo e contam com 373.200 soldados ativos e outros 378.700 reservistas. É para todos os efeitos uma posição estratégica que, aliás, foi sempre fortemente cobiçada pela Europa – uma vista ao Acordo Sykes-Picot, fechado em maio de 1916 entre a França, a Inglaterra e a Rússia e que previa a repartição do na altura ainda existente império otomano (e a atribuição a Moscovo da posse de Istambul) vale sempre a pena. Ironia da história: o acordo era secreto e só se tornou conhecido porque o império russo se desfez ainda antes do otomano e Vladimir Lenine (que, diz-se, o encontrou inadvertidamente numa gaveta, entendeu que o devia tornar público.
“A Turquia tem mantido uma atitude consistente, em conformidade com a Carta da ONU sobre a soberania e a integridade territorial” da Ucrânia, disse à Agência France-Presse (AFP) um analista do International Institute for Strategic Studies’ (IISS), Tom Waldyn. “Tem o segundo maior exército da NATO, mas também o mais eficaz, já que está em combate há décadas”, explicou. Mas a cooperação da UE com Ancara tem sido prejudicada pela disputa cipriota, “Por quanto tempo podemos nos dar ao luxo de manter essa postura?”
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