Ao descer a Avenida da Liberdade no meio de uma multidão de gente, deparei-me com o colectivo da Vida Justa e, consequentemente, alguns rostos dos meus amigos. Não havia mais dúvidas de que seria no seio desse colectivo que iria percorrer a Avenida até ao fim da marcha. Marcava, assim, o meu retorno à marcha alusiva ao 25 de Abril, depois de tantos anos de ausência por estar a residir em Angola. Era, para mim, imperativo estar presente nos 50 anos do 25 de Abril.

A Vida Justa acaba por ser uma formulação ou proposta de uma nova forma de realizar a política em Portugal, através de um impulso de uma comunidade participativa e activa e não hierarquizada, onde as próprias comunidades debatem os seus problemas e procuram os seus caminhos para os solucionar, sem uma orientação superior. É um movimento inserido numa perspectiva ideológica de esquerda comunitária, abrangendo pessoas de várias correntes de esquerda.

É, efectivamenete, um movimento cívico orgânico e consciente das suas lutas que nos remete historicamente para os movimentos nacionalistas africanos que ficaram, igualmente, marcados pelo envolvimento das respectivas comunidades. Conseguindo, deste modo, trazer maior consciência política e cívica aos sujeitos africanos excluídos da condição de cidadãos. Deste modo, a Vida Justa não deixa de ser uma homenagem justa aos movimentos nacionalistas que provocaram a erosão do regime com o impasse da guerra, sem os quais não haveria o 25 de Abril, certamente.

A Vida Justa significa, na sua prática efectiva, ampliar o campo de participação cívica e, deste modo, acaba por prestar um serviço ao 25 de Abril. Porque com o 25 de Abril nasceu o PREC (Período Revolucionário em Curso), que gerou uma efervescência política e cívica que transformou, radicalmente, a sociedade portuguesa, que era, antes do 25 de Abril, bastante fechada e controlada.

Com a institucionalização do regime democrático, os partidos deixaram de estimular a participação popular espontânea e fora do controlo partidário para cristalizar uma democracia parlamentar (de base partidária) e não social. Por isso, homenagear essa data passa, necessariamente, por trazer mais rostos, corpos, vozes e sujeitos diferentes à Avenida da Liberdade, como fez a Vida Justa.

A Vida Justa ressignifica os termos da revolução de Abril, ampliando, com efeito, o campo imaginário dessa revolução através da emergência de vozes escuras e periféricas, com as suas reivindicações sociais, que são as reivindicações de uma juventude portuguesa que antes não participava na marcha do 25 de Abril.

25 de Abril, sempre!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.