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“Uma Justiça para ricos e outra para pobres”. Juristas criticam palavras do diretor nacional da PJ na Operação Mais-Valia

No dia em que a PJ lançou buscas na FPF, Luís Neves prestou declarações lado a lado com Fernando Gomes, em que deixou a garantia de que o antigo presidente da FPF “não é visado nesta investigação”. Ora, as palavras caíram mal a muitos profissionais do setor, com apontamentos de que falta “cobertura” às palavras do responsável máximo da PJ, pelo que acarreta “riscos”, já que a investigação continua em curso.
Luis Neves e Fernando Gomes, à chegada ao CCB
27 Março 2025, 07h00

Vários juristas contactados pelo Jornal Económico contestam a atuação do diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) no âmbito da Operação Mais-Valia. As críticas tocam no fator de os cidadãos serem “todos iguais à luz da lei” e lembra-se que as declarações do próprio não têm “qualquer cobertura, nem sequer ética” e acarretam “riscos”, pelo facto de a investigação continuar em curso.

Na origem estão as palavras de Luís Neves, responsável máximo na PJ, na terça-feira, à margem da tomada de posse de Fernando Gomes como presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP). De recordar que o mesmo Fernando Gomes cumpria, à data dos factos, o segundo e último mandato como presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

No mesmo dia, horas antes, a PJ iniciou buscas naquele organismo, em função de suspeitas relacionadas com a venda do edifício que funcionava como antiga sede daquele organismo desportivo. O diretor nacional da PJ prestou então esclarecimentos aos jornalistas, nas quais fez saber que estão em causa “suspeitas dos crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem e fraude fiscal”, disse.

Ora, Luís Neves chegou ao Centro Cultural de Belém acompanhado pelo próprio Fernando Gomes, mas só o primeiro teceu considerações sobre o caso, ao passo que o novo presidente do COP se limitou a fugir aos microfones. O diretor nacional da PJ sublinhou que Fernando Gomes, a par de Tiago Craveiro (à data diretor-geral da FPF), “não é visado nesta investigação”.

Ao Jornal Económico (JE), o advogado João Massano diz que “devia haver outro tipo de atitude” da parte de Luís Neves, na medida em que “somos todos iguais à luz da lei”, reitera.

“Esta situação alimenta a ideia de que há uma justiça para ricos e uma justiça para pobres, que me parece não dever ser alimentada pela PJ”, aponta. O próprio salienta que a atuação do diretor nacional da Polícia Judiciária levanta dúvidas relativamente à “forma como as instituições se comportam perante os ricos e poderosos e perante o cidadão comum”, alerta.

“Será que vamos ter sempre”, questiona João Massano, “o diretor nacional da Polícia Judiciária a falar para dizer que alguém não é visado numa investigação? Será que qualquer pessoa que possa ser ligada a uma determinada situação que esteja a ser investigada vai ter direito ao diretor nacional da PJ ao seu lado a dizer que não é visada? Duvido”, atira.

Outro advogado ouvido pelo JE, Paulo Saragoça da Matta, tem uma visão similar e garante que os “princípios de igualdade, isenção e transparência não autorizam que alguém em funções de diretor nacional da PJ faça comentários e teça considerações daquela natureza”, diz.

Ao mesmo tempo, “não cabe ao diretor nacional da PJ tecer comentários ou fazer previsões sobre o que vai ser a decisão do titular do inquérito”, que é, neste caso, o Ministério Público (MP). Deste modo, as palavras proferidas por Luís Neves são censuráveis, de acordo com Paulo Saragoça da Matta.

“Mesmo que não seja disciplinarmente ilícito, é pelo menos algo que não tem qualquer cobertura, nem sequer ética”, assinala.

Por seu turno, Fernando Negrão diz ao JE que se tratou de “uma atitude inusitada”, já que consistiu num “esforço de clarificação que pode correr alguns riscos” no futuro, caso “as autoridades judiciárias entenderem de modo diferente”, que venha a colidir com as palavras do responsável máximo da Polícia Judiciária.

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