Os primeiros dias desta legislatura foram férteis em episódios que relembram o ambiente de “casos e casinhos” que vivemos em boa parte do período anterior, com situações que parecem verdadeiros “déjà-vu”.

Poderíamos perguntar se não teria sido possível evitar estes “casos” com base na experiência que, entretanto, se adquiriu (ou pelo menos se devia ter adquirido). Mas, na realidade, se pensarmos bem, os acontecimentos reflectem situações diferentes.

O episódio da falhada eleição do Presidente da Assembleia da República resultou de uma manobra política deliberada por parte do Chega. Em primeiro lugar, anunciou a existência de um “acordo” com o PSD, quando este comunicou a sua disposição de facilitar a eleição de representantes de todos os principais quatro Grupos Parlamentares para a mesa da Assembleia.

Para o Chega era importante descrever essa comunicação como um “Acordo”, porque significaria a negação do “não, é não”, e abriria porta a defender acordos mais vastos – e até a insistir na participação no Governo, que garantiria a estabilidade ao longo de toda a legislatura.

Quando a AD esclareceu que tinha feito uma comunicação unilateral e incondicional e não um acordo, o Chega viu a oportunidade para um episódio de vitimização. Afinal, não era possível confiar nas declarações do PSD. E o acordo entre o PSD e o PS que resolveu o impasse através de uma Presidência assumida rotativamente, deu-lhe mais um argumento: “o Chega é a única e verdadeira oposição, já que o PSD escolheu governar com o PS”. Apesar disso, não resistiu a mais uma tentação de aproximação à AD, votando contra as moções de rejeição do Programa de Governo.

Depois, temos a discussão sobre o valor da redução do IRS, e qual a sua origem. Um episódio em que o Governo agiu de forma desastrada e deu o flanco a críticas vindas de todos os lados, de que a mais suave é que poderia pelo menos ter sido mais claro, e a mais forte, que se trata de “um embuste”.

Finalmente, o (re)surgimento de investigações judiciais sobre membros do actual Governo, a que podemos acrescentar a decisão do Ministério Público de fazer baixar do Supremo a investigação em curso sobre o anterior primeiro-ministro, contrariando precedentes anteriores sem que tenha havido qualquer justificação (já para não falar do facto de, aparentemente, nada se ter progredido em mais de cinco meses numa investigação considerada “urgente” e que esteve na base do derrube de um Governo). Isto a somar à evolução da investigação na Madeira, recolocando sobre a mesa o tema da reforma da Justiça.

Ora, a actual composição da Assembleia da República cria uma oportunidade, dificilmente repetível, para que se criem consensos relativamente às reformas verdadeiramente estruturantes de que o país necessita (e que devem começar, exactamente, por uma reflexão séria sobre que sociedade e Estado queremos).

Reformas dessa natureza exigem não decisões maioritárias monocolores, mas sim consensos tão amplos quanto possíveis. Ora, é a oportunidade de gerar esse tipo de consensos que a actual composição da Assembleia nos proporciona.

Se é preciso respeitar os cerca de 18% do eleitorado que votou no Chega, e reconhecer que este Partido tem uma representação parlamentar superior a 20% do número total de Deputados, também é necessário respeitar os mais de 80% de eleitores que não votaram no Chega, nem os Deputados que os representam, que estão dispersos pelos restantes Grupos Parlamentares. Veremos se os dirigentes políticos e os Deputados quererão aproveitar a oportunidade.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.