[weglot_switcher]

Umaro Sissoco Embaló: “A Guiné-Bissau deixou de ser um manicómio”

O general Sissoco Embaló foi eleito a 29 de dezembro, numa votação ainda contestada pelo candidato derrotado, e promete fazer extensas reformas com dinheiro saudita e acabar com as crises políticas.
9 Fevereiro 2020, 17h40

Entrevistado pelo “África Capital” durante uma visita a Lisboa, o vencedor da segunda volta das eleições presidenciais da Guiné-Bissau garantiu que irá normalizar a situação do país lusófono.

Qual é o balanço da sua visita a Portugal? Que mensagem quis deixar às autoridades e que mensagem leva daqui?
O balanço é muito positivo, o que me deixa otimista relativamente ao futuro das relações entre a Guiné-Bissau e Portugal. Após a minha tomada de posse, iremos recomeçar, iremos refundar o Estado e as suas instituições após 46 anos perdidos. Por isso, também as relações externas terão de ser reavaliadas, para a restauração da nossa dignidade e para que deixemos de ser meros pedintes. É no âmbito dessa nova visão da Segunda República que vamos começar um novo modelo de relacionamento com Portugal, numa parceria estratégica que beneficie ambos os países, aportando maior prosperidade aos nossos povos irmãos. Nisto consiste o essencial da mensagem que dirigi às autoridades portuguesas, de forma genuína, espontânea e sincera, como é meu timbre.

Que papel tem Portugal entre os parceiros da Guiné-Bissau?
O papel de Portugal é único e insubstituível. Portugal é a antiga potência colonial, deixou na Guiné-Bissau uma língua, o aparelho legislativo, o modelo de administração, a herança cultural, a mestiçagem e os laços de proximidade que não temos com nenhum outro país do ocidente. O papel de Portugal é o de um país irmão com ligações únicas e históricas. Ao longo de 46 anos, uns e outros não soubemos realizar o potencial de colaboração e parceria que resultam da nossa história comum. Tenho dito que Portugal será a nossa porta de entrada na União Europeia e queremos ser a porta de entrada de Portugal na CEDEAO, um mercado de 380 milhões de consumidores, que muito se ajusta às características da pequena e média indústria portuguesa. Por isso, queremos estabelecer uma parceria estratégica com Portugal, fazendo da Guiné-Bissau uma plataforma para as exportações portuguesas nos países da CEDEAO e um parceiro para a produção em linha, em complementaridade, que permita o florescimento da indústria na Guiné-Bissau, aproveitando os nossos recursos naturais, gerando empregos, qualificando os jovens profissionais e melhorando as condições de vida da nossa população.

Quais serão as suas primeiras medidas para o mandato? O que é mais urgente fazer?
Na Guiné-Bissau tudo é urgente, mas temos de estabelecer prioridades. Temos de começar pelos alicerces. Iremos começar por construir o Estado, que colapsou. Vamos unir os guineenses e refundar as instituições, como as da justiça, colocando-as ao serviço do cidadão, da promoção da igualdade e da dignidade. Depois iremos reformar, a começar pela administração. E criar as condições para o desenvolvimento económico, apostando num vasto programa de infraestruturas económicas, estradas, portos, escolas, hospitais, equipamentos. Fui militar, tenho um pensamento sistemático e sequencial. Gosto de pensar rápido e de dar passos seguros. Só assim, criando riqueza sobre o património que é de todos, poderemos pensar em fazer redistribuição justa e fazer justiça social.

E a nível económico, como irá usar os poderes presidenciais para dinamizar o país?
O Presidente da República exerce uma magistratura de influência. Porém, ao longo dos últimos cinco anos, houve, deliberadamente, uma distorção da informação relativa aos reais poderes presidenciais na Constituição da Guiné-Bissau, que diz expressamente que o “Presidente da República preside ao Conselho de Ministros quando entender”. Eu pretendo exercer essa prerrogativa para influenciar positivamente o desenvolvimento do país e promover a mudança que o povo escolheu ao eleger-me para iniciar um novo ciclo de estabilidade, justiça e desenvolvimento.

Durante a campanha falou de um investidor árabe com biliões para investir no país. De que investidor se trata e onde será aplicado o investimento?
Trata-se do príncipe Al Waleed Bin Talal bin Abdul Aziz Al Saud, um empresário saudita, membro da família real daquele país, que manifestou interesse em acompanhar-nos nesta nova epopeia do povo da Guiné-Bissau, uma saga que nos conduzirá àquele estágio que Amílcar Cabral sonhou como “libertação integral do Homem guineense”. A Guiné-Bissau necessita de investimento de grandes empresas, capaz de impulsionar o desenvolvimento dos recursos naturais, colocando-os ao serviço do bem-estar dos nossos cidadãos. O investimento do príncipe Al Waleed Talal Al Saud será discutido em detalhe com o executivo. Porém, o foco estará nas infraestruturas, como estradas, portos, energia, hospitais, escolas, água potável, e infraestruturas para produção agropecuária, parques industriais, transformação de castanha de caju e indústria alimentar.

Um presidente e um governo de diferentes cores políticas não são receita para mais anos de instabilidade?
Asseguro-lhe: com Umaro Sissoco Embaló não haverá mais instabilidade política. Venho da sociedade castrense, sou objetivo e claro. Os diferendos são normais, mas serão resolvidos no quadro das instituições e das leis da República, com disciplina, rapidez, sem delongas, sem dar tempo para se convertam em crises. As crises políticas acabaram. As competências de cada órgão estão definidas, há separação de poderes e somos todos guineenses, temos o dever de trabalhar para a melhoria contínua das condições do nosso povo. Enquanto Presidente da República, não excluirei ninguém e irei assegurar condições de equilíbrio. A partir da escolha do povo no dia 29 de dezembro, considero que a Guiné-Bissau deixou de ser um manicómio a céu aberto. Acabou a desordem e acabaram-se as crises. A Guiné-Bissau vai deixar de ser uma República das bananas.

Que outro país irá visitar nas próximas semanas?
Vou a França, ocupar-me de assuntos pessoais e visitar o presidente Dénis Sassou Nguesso [da República do Congo], que também estará em Paris, a fim de lhe apresentar condolências pela perda recente da sobrinha, a que ele tratava como filha. Portanto, uma grande perda, que compartilho, porque o presidente Sassou também me trata como filho e nutro por ele uma grande e velha amizade. Em África, na nossa cultura, os momentos de luto e as amizades são muito importantes.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.