Desde que as universidades se mudaram para o online que, de vários quadrantes, se têm ouvido vozes que alertam para o facto de esta transição digital acelerada dos últimos meses representar para as universidades um desafio enorme no médio prazo. Desafio ao qual só resistiriam as que, com maior capacidade de adaptação, tivessem a coragem de transformar de forma radical a sua relação com os alunos e de escalar a sua oferta formativa.

Sobreviveriam apenas as mais fortes e prestigiadas. Às demais aconteceria o mesmo que a muitos outros “negócios” ou “indústrias” que, embora florescentes no passado, não souberam adaptar-se ao surgimento de novas tecnologias.

A este vaticínio, juntou-se, entretanto, uma argumentação de natureza moral, que acusa as universidades de serem profundamente elitistas, por um lado, e servis diante dos poderes instituídos, por outro.

A acusação de elitismo dirige-se essencialmente às universidades privadas, as anglo-saxónicas e as que procuram mimetizar o respetivo modelo, cujo sistema de acesso não serve a democratização do conhecimento e que penalizam os seus alunos com propinas elevadas. Longe de constituírem um fator de mobilidade social – sustenta-se –, o topo do ranking universitário constitui antes um fator de perpetuação do statu quo.

Já o libelo de servilismo denuncia que as universidades e os próprios académicos, ao invés de zelarem pela sua independência, sempre tiveram uma propensão para se dar “demasiado bem” como os poderes que as rodeiam. Fosse ele o poder da Igreja ou do Estado, ou mais recentemente o poder económico ou o poder dos grupos de pressão. Em vez de guardiãs das liberdades de ensinar e investigar, na busca desinteressada do conhecimento, as universidades seriam afinal muito sensíveis ao vil metal que as sustenta e à glória efémera de “l’air du temps.

Por demérito próprio, portanto, tempos sombrios se avizinhariam para muitas universidades, incapazes de se transformar tecnologicamente, de se democratizarem e de libertarem dos interesses dos seus financiadores.

E, não obstante, nunca como agora as sociedades democráticas precisaram tanto das universidades, dos cidadãos que nelas se formam e da investigação que nelas se produz. São instituições humanas e, por isso, cheias de defeitos. Os académicos, não obstante a elevada conta em que se têm, são senhores de todos os defeitos dos outros homens. Porventura majorados pela vaidade, como já sublinhava Erasmo de Roterdão.

Mas o maior risco que as universidades correm não deriva da natureza humana – que é eterna –, nem tão pouco da revolução digital em curso.

O maior risco é mesmo o da renúncia à sua missão fundamental de proporcionar aos seus alunos uma verdadeira experiência académica, à semelhança daquela que a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles ofereciam aos seus membros na cidade de Atenas.

Mais do que um título académico, mais do que uma formação técnica, mais do que uma porta de entrada no mercado de trabalho, a missão da universidade é oferecer uma experiência intensa de vida na busca sempre inacabada do saber e da verdade. Uma aventura intelectual, vivida em comunidade com colegas e professores, numa área do conhecimento escolhida em liberdade.

Desde o berço das primeiras universidades medievais – de Bolonha a Oxford, de Paris a Salamanca, de Coimbra à Jagiellonian –, a Europa cristã reinventou esta instituição que não se esgota simplesmente em ensinar (a lectio), mas implica pensar crítica e dialogicamente (a disputatio), com perfeito domínio das regras da lógica, da gramática e da retórica.

Uma instituição movida pela curiosidade, na qual uma vida dedicada ao estudo não precisa de outra justificação e em que não há saberes inúteis ou menores, das humanidades à matemática, da filosofia à medicina.