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Luís Filipe Lages:  “Os gestores precisam de novas ferramentas”

“Os gestores precisam de novas ferramentas para decidirem num mundo cada vez mais complexo” assevera Luís Filipe Lages. Em entrevista, o professor da Nova SBE explica a metodologia Value Creation Wheel.
1 Julho 2016, 01h07

Num mundo cada vez mais complexo e em mudança acelerada, os gestores enfrentam desafios cada vez maiores para poderem tomar decisões. A incerteza e a volatilidade fazem com que as estratégias, que antes assentavam em alguma previsibilidade, sejam hoje mais delicadas. O gestor vê-se, muitas vezes, encurralado no denominado “paradoxo” da escolha. Por isso, uma investigação portuguesa acaba de apresentar uma nova metodologia de gestão, denominada Value Creation Wheel (VWC). Luís Filipe Lages, professor da NOVA SBE, líder do projeto, explica o novo paradigma: “Os gestores precisam de ferramentas que os ajudem a decidir num mundo que deixou de ser linear”.

 

Criou uma ferramenta de gestão que identifica, analisa e soluciona problemas. O que é a VCW? É inteligência artificial aplicada à gestão?

Não. A VCW é uma ferramenta que ajuda os gestores ou os decisores públicos a tomar decisões. Qualquer que seja o problema que tenhamos no dia a dia há sempre muitas opções para o poder resolver. Porém, o que acontece é que, perante as várias opções, as pessoas, os gestores e os políticos, por norma, bloqueiam. Isto é como quando vai a um supermercado: se vir 150 marcas de iogurtes, bloqueia. Chamamos a isso o paradoxo da escolha. Ou seja, quanto maior o leque das escolhas mais as pessoas têm dificuldade em escolher. Agora, se houver uma ferramenta que ajude a dizer qual a decisão mais adequada perante uma escolha muito complexa, tudo muda.

 

Essa ferramenta é um algoritmo? É um modelo matemático?

Não. No fundo, é uma ferramenta de gestão que é utilizada para efeitos de consultoria, para efeitos de investigação e para efeitos de ensino. É uma ferramenta que os gestores podem utilizar. É uma metodologia. É um método de gestão.

 

Significa que as decisões não vão ser tomadas pela ferramenta, mas a ferramenta será uma ajuda. É isso?

Exatamente. A ferramenta é alimentada por soluções que provêm de todas as pessoas que interagem, por exemplo, com a empresa.

 

Expliquemos.

Agarrando num caso muito concreto. Imaginemos que uma empresa tem como objetivo melhorar a satisfação dos funcionários e, ao mesmo tempo, reduzir os custos. Para resolver este problema, um gestor tem duas opções: tenta resolver o problema sozinho e fechasse a sete chaves no seu gabinete e procura uma solução; ou pode utilizar a VCW, que lhe vai dar um caminho para que ele possa chegar ao fim pretendido. Esse fim terá uma decisão muito mais informada, com informação muito mais robusta. O que é que ele vai fazer, na prática? Na primeira fase, trata- -se de definir o problema – como motivar os funcionários reduzindo os custos. Na “fase 2 A”, que se segue, há um “brainstorming” de ideias, de soluções com vista à resolução do problema. Como se chega a essas soluções? Vai-se falar com as organizações que interagem com a empresa, com os seus parceiros internos e externos, com os seus funcionários. Pode-se fazer “open innovation”, fazer competições… há várias formas. O objetivo desta fase é arranjar um milhão de soluções para resolver o problema. Nesta fase, não há nem boas nem más ideias. Nesta fase, a “fase 2 A”, o único objetivo é gerar o maior número de soluções possíveis.

 

Nem boas nem más ideias?

Exatamente, porque o que, no momento, pode ser uma má ideia, passado um mês pode já ser uma excelente ideia. O contrário também pode acontecer. Esta é a fase em que, com o apoio de mil e um parceiros, se vai à procura de soluções. Continuando na explicação de como funciona a VCW. Na “fase 2 B”, a que chamo gera- ção de critérios ou filtros, vai haver um “brainstorming” para decidir quais são os critérios que se vão utilizar para escolher as melhores e as piores ideias ou as ideias que se devem manter e as ideias que se devem excluir. Qualquer pessoa pode dar ideias para critérios. Não há bons nem maus critérios.

 

O que são os critérios?

No caso concreto do nosso exemplo, pode haver muitos, desde os custos em si, mas também a visão da empresa, a estratégia, os mercados, etc. O longo prazo pode ser outro critério. Naquele milhão, os critérios vão ajudar-me a selecionar as melhores ideias.

 

Na linha cronológica da metodologia, o que se segue?

A “fase 3” é aquela em que a direção analisa tudo o que vem de trás. Utilizamos uma metodologia, que é a metodologia POKER, em que a direção pode matar várias ideias e vários filtros, mantê-los como estão ou multiplicá-los. O “board” analisa as opções, as ideias saídas das várias fontes e vota-as. Opta por uma, duas, três, o que for, e decide pô-las em prática, implementá-las. As outras ficam na gaveta, até ver, pois, como disse antes, o que hoje é uma má solução, no futuro poderá revelar-se uma boa ideia.

 

A ferramenta aplica-se a que setores?

A todos. A VCW aplica-se a qualquer desafio que uma pessoa, uma empresa ou uma instituição, etc. queira resolver.

 

A solução compra-se?

Em termos de empresas, providencia-se consultoria. A nível individual, há formação. Nós também damos formação na NOVA SBE com esta ferramenta em vários cursos, nomeadamente a nível de cursos para executivos e cursos de mestrado. Por exemplo, em setembro, vamos arrancar com um curso novo, Unlocking Growth, dirigido a CEO.

O curso tem a duração de 12 semanas, todas as sextas à tarde, e utiliza como base a ‘VCW’. Todos os gestores que frequentarem o curso trarão um problema da sua empresa para resolver e que resolverão.

 

Quantas empresas já estão a usar esta metodologia?

Já devemos ter mais de 100 casos no total. Começámos fora de Portugal, curiosamente. No estrangeiro já foi aplicada em várias empresas, algumas das quais constam da Fortune 500, grandes empresas de eletricidade, de gás, de tecnologias, do setor aeroespacial, etc.

 

Da centena, quantas são em Portugal?

Entre 30 a 40. Mais bem próximo dos 40. A questão de Portugal vai depender muito da recetividade do mercado. Até agora, tem sido bastante boa. Estamos, neste momento, em conversações com várias empresas para continuar a implementação.

 

De que áreas principalmente?

É muito transversal, indo desde as maiores empresas portuguesas até startups. A Renova, por exemplo, utilizou a metodologia para descobrir o mercado com maior potencial a nível internacional. Temos trabalhado com várias empresas da StartUp Lisboa que têm utilizado esta ferramenta para descobrirem como resolver os seus problemas.

 

O processo é sempre idêntico?

Sim, é. Apesar da metodologia ser exactamente a mesma, o que acontece é que quando se começa a aplicar a cada empresa, o resultado final acaba por ser completamente diferente.

 

Está sozinho nisto?

Não. Sou eu e uma equipa, a que chamo a VCW team. Cada um tem uma função. Além de mim, somos um responsável pelo business plan, outro pela logística, outro pela comunicação.

 

Porque começou no estrangeiro?

Talvez porque os estrangeiros, provavelmente, estão mais recetivos a metodologias disruptivas. Essa, pelo menos, tem sido a minha perceção.

 

Estão a transformar conhecimento em riqueza?

Na prática, o que estamos a fazer é levar às empresas o resultado de um trabalho realizado na academia (…) Neste momento, já, existem várias faculdades que estão a utilizar esta metodologia para trazerem os produtos que desenvolvem no laboratório para o mercado. Dou-lhe um exemplo. Pense na impressora 3 D, que dá para um milhão de coisas. Quando, há uns anos, foi inventada, a questão era mesmo esta: Por onde começar? Se falarmos com qualquer cientista português ou estrangeiro que esteja a desenvolver algo em laboratório e lhe perguntar por onde vai começar, ele não saberá responder. Os cientistas, os engenheiros, os investigadores têm imensa dificuldade em trazer a ciência para o mercado. Esta ferramenta, por exemplo, será de grande utilidade para candidaturas ao Horizonte 2020.

 

Ao Horizonte 2020? A ideia geral é que é extremamente difícil ser bem sucedido com uma candidatura…

Por isso mesmo. A União Europeia já clarificou que se não houver, nas propostas da ciência, uma definição do mercado, definição da concorrência, etc, não haverá fundos. Estamos a falar de milhares de milhões de euros…

É um novo paradigma ao qual os nossos cientistas não estavam habituados. Sim, a VCW é uma ferramenta muito poderosa para todos os cientistas portugueses que se estão a candidatar ao Horizonte 2020 e que precisam de justificar perante a Comissão Europeia qual o mercado que querem atingir com a sua ciência, a sua tecnologia, o que seja.

 

Não há nenhuma ferramenta do género?

Não. Esta metodologia demorou 20 anos a desenvolver e o que há mais próximo é uma coisa que se chama “Ideia Generation”, gera- ção de ideias, em português, e que trabalha mais na área do “design thinking”.

 

Qual é a grande diferença entre a ‘VCW’ e “design thinking”?

O “design thinking” não apresenta filtros. Gera apenas ideias. Só que a dificuldade vem a seguir… Imagine que está a fazer uma proposta para a União Europeia. Tem um milhão de ideias, mas como é que as seleciona? Como é que afere a que, neste momento, tem mais potencial?

 

De onde lhe veio a ideia desta investigação?

Em 1995/1996, estava a fazer o mestrado na área dos exportadores do vinho do Porto. Uma questão que se me colocou e à qual tentava responder era a de qual o mercado internacional com maior potencial para uma empresa de vinho do Porto. Se quisesse começar a exportar, como descobriria qual é o mercado certo para o fazer.

Tipicamente, o que os gestores faziam e, continuam a fazer, é meter-se num avião, ir a uma feira, falar com pessoas, integrar as missões da AICEP. Mas, se lhes perguntar qual é a estratégia e o racional por detrás desta, não lhe sabem responder. Nesta altura questionei-me se este seria apenas um problema das empresas de vinho do Porto.

Mais tarde, durante o meu doutoramento, comecei a estudar empresas portuguesas de vinho e descobri que este era um problema comum a todas. Durante dois anos, investiguei e voltei a questionar-me se este seria um problema comum a todas as exportadoras. No final do meu doutoramento, em 2001, já me perguntava se este seria um problema a nível mundial.

Quando fui fazer um pós doutoramento no MIT, descobri que os cientistas de topo do MIT tinham todos um problema que era: “fazemos todas estas tecnologias que vão mudar o mundo, mas não sabemos como trazê-las para o mercado”.

 

A aplicação da metodologia ao conjunto das nossas empresas resolveria o problema da inovação em Portugal?

Sem dúvida alguma. Da inovação e da criação de valor: quando falamos em inovação, podemos estar a falar de inovação de produto, inovação de mercado, inovação de processo, inovação nos modelos de negócio, inovação na área dos Recursos Humanos. Já trabalhei todas essas áreas. Tenho exemplos para todas elas.

 

Também resolveria o desemprego?

Tenho trabalhado essa área por iniciativa própria, porque o considero um dos grandes problemas das nossas sociedades. Com a ajuda de alguns alunos, comecei a trabalhar no problema. Agora, a questão é… a implementação. Para isso, tem de haver um decisor político, tem de haver alguém que tenha o poder para a implementar.

Se houver alguém responsável pela área que queira implementar esta metodologia, claramente há aqui muitas aplicações. Esta metodologia passa pelo envolvimento dos gestores e dos decisores públicos.

Por exemplo, se forem medidas na área da saúde, ou na área da economia ou das finanças, como é óbvio, os decisores têm de estar sempre lá.

 

O IEFP pode bater-lhe à porta?

Sim, claramente.

 

Mas se é tão fácil, como diz, porque não se aplica?

A Ciência já tem a solução para muitos problemas, incluindo este. O grande desafio é como é que se chega ao mercado com essas solu- ções. Eu, como investigador, tenho a solução, agora o que é preciso é que quem a possa implementar no mercado, saiba que ela existe, a tenha e tenha vontade para o fazer. A metodologia implica o envolvimento dos decisores ao longo de todas as fases, no início, no meio e no fim.

Eu até posso fazer isto com os meus alunos em sala de aula. Já fizemos aqui na NOVA vários projectos que foram implementados. E porquê? porque estavam lá os decisores. Eu posso estar a tentar resolver um problema, mas se o decisor não estiver envolvido, como é óbvio, é apenas uma ideia que fica no ar, uma entre milhares de ideias.

 

Como analisa a forma como as empresas portuguesas estão a enfrentar desafios da inovação?

Em termos globais, o que eu acho que acontece, e de certa forma percebe-se, é que as empresas vivem a pressão do curto prazo. E como têm pressão para o curto prazo, não têm tempo para pensar estrategicamente e, como não têm tempo para pensar estrategicamente, trabalham numa forma muito reativa. É do género, duas, três pessoas à volta da mesa, sentam-se e tomam a decisão que vai ter um impacto na empresa nos 10, 15, 20 anos seguintes. O futuro é decidido por duas três pessoas, que não tiveram tempo de pensar, que estão sob pressão, que têm que apresentar resultados para ontem. Não há tempo para pensar estrategicamente.

 

O que as diferencia das congéneres estrangeiras?

A principal diferença é que essas empresas dedicam tempo para pensar estrategicamente. Têm um problema e param para pensar: “Como é que o vamos resolver este problema?”. Estão dispostas a alocar quatro, cinco, seis meses para pensar sobre esse assunto porque sabem que é estratégico.

 

O pensamento é a diferença?

Eu diria que nós passamos do problema à ação, no meio não há nada. Passamos da fase do problema diretamente à solução. Não há geração de ideias, não há filtros, o meeting do board é uma coisa feita no corredor e a implementação tem de ser para ontem. Acho que ajuda claramente encontrar um equilíbrio entre o curto, o médio e o longo prazo. As nossas empresas estão mais orientadas para o curto prazo, para os resultados de curto prazo. Por isso, não temos tendência a pensar estrategicamente. Penso que tem que ver com a nossa cultura. Esta ferramenta ajuda a resolver paradoxos. Por exemplo, como motivar os funcionários cortando os custos. Não é um problema que à volta de uma mesa, em cinco minutos de conversa, se consiga solucionar.

 

Em três palavras, como descreve a VCW?

Filtro, envolvimento dos parceiros e solução.


Myfarm – Estratégia de internacionalização

O Myfarm foi desenvolvido pela empresa portuguesa Deimos em parceria com o Centro de Ambiente e Tecnologia Marinha (MARETEC) com fundos da Agência Espacial Europeia.

O projeto visou o desenvolvimento de um sistema de apoio à decisão para os produtores de milho em matéria de gestão de irrigação, recorrendo a imagens de satélite para fornecer informações semanais sobre a quantidade de água a ser aplicada por pivot ou aspersão, permitindo a monitorização do crescimento da vegetação e rastreamento de doenças.

Numa primeira fase, o MyFARM foi fornecido gratuitamente para a associação de irrigação no Vale do Sorraia e respetivos agricultores, mas o projeto terminou em dezembro de 2015 sem que os utilizadores mostrassem qualquer interesse em permanecer com o serviço.

A Deimos decidiu, assim, recorrer à metodologia VCW para perceber como resolver o problema e, ao mesmo tempo, responder a uma questão fundamental: descobrir qual o mercado internacional com mais potencial para este serviço.

Cumprindo as cinco fases da metodologia VCW, foram gerados uma série de filtros, recorrendo aos diversos stakeholders. Esses filtros permitiram, desde logo, identificar um mercado global e local com potencial para o MyFARM, tendo os late adopters e laggards (grupos mais resistentes à inovação) desempenhado um papel relevante. Consequentemente, Stevens County, em Kansas (EUA), foi revelado como o mercado local com o maior potencial para o MyFARM, tendo, a partir daí, a empresa sido capaz de segmentar e atingir o seu mercado alvo de modo mais adequado.

Além disso, a VCW ajudou a superar o paradoxo da escolha dentro do processo de tomada de decisão, evitando conflitos afetivos, tendo sido amplamente reconhecido que sem a VCW a orientação para o mercado nunca teria sido tomada em consideração e, consequentemente, a empresa continuaria a ter uma abordagem enviesada ao mercado sem hipótese de consolidar o potencial de valor gerado.


Imprensa Nacional Casa da Moeda – A disseminação de uma cultura de inovação

O objeto deste projeto foi criar um ecossistema de inovação, disseminando uma cultura de inovação e descobrir como cortar custos na organização, criando valor e visando melhorias internas associadas à eficiência organizacional, com impacto ao nível da eficácia.

A INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda é uma empresa secular com um passado conhecido e sempre marcado pela inovação.

A aplicação da VCW, permitiu gerar ideias complementares e um conjunto de filtros, bem como de critérios de análise, deste modo alinhados com as orientações específicas visadas, tendo levado à concretização de quatro novos projetos.

Assumindo-se como um primeiro desiderato, a INCM estabeleceu complementarmente novos desafios, numa perspetiva de consolidação de uma cultura de inovação transversal a toda a sua realidade organizacional.

Por Almerinda Romeira/OJE

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