Surpreendeu o mundo literário pela versatilidade e pelo ilusionismo da sua escrita, surpreendeu os seus pares por ter demorado tantos anos a ganhar o Nobel – que todos lhe sabiam destinado – surpreendeu os seus ‘compagnos de route’ quando recusou manter-se ao lado das revoluções sul-americanas na sequência do Caso Padilla (em Cuba), surpreendeu por não ter conseguido convencer a maioria dos seus conterrâneos a ‘oferecerem-lhe’ a presidência do Peru, surpreendeu as revistas de mexericos quando se ligou a uma ‘socialite’ que em princípio até sabia ler, surpreendeu por causa da tia, surpreendeu na despedida (a primeira morte) com ‘Dedico-lhe o meu silêncio’, a sua obra definitiva. Surpreende por, ao contrário de Garcia Marques e de Borges, não ter colecionado seguidores que o quisessem imitar, numa idolatria que todos dispensam e são quase sempre sinónimo de má literatura.
Num ambiente em que quem ‘mandava’ na literatura sul-americana era Gabriel Garcia Marques e os seus filhos literários – como Isabel Allende – e antes da chegada da tempestade que foi Roberto Bolaño, Vargas Llosa era o outro lado dessa literatura, aquela que se regia apenas – vigorosa e a seu modo libertária – pelos seus cânones pessoais. Valeu-lhe isso uma caminhada sinuosa para o Nobel, que venceu (para alguns) tarde demais, depois de ter ‘plantado’ atrás de si momentos inesquecíveis de densidade, originalidade e surpresa.
Romancista, ensaísta, articulista e professor universitário, Vargas Llosa despediu-se de todos em outubro de 2023 exatamente com ‘Dedico-lhe o meu silêncio’, que foi o mesmo que dizer que se calava: já tinha dito tudo o que era suposto dizer, já não havia como resistir. Chegou a hora de partir. Para trás fica uma obra onde se expôs a si próprio (‘Tia Júlia e o escrevedor’), onde gozou subtilmente com os caudilhos esclerosados da sua natal América do Sul (‘Pantaleão e as visitadoras’) e onde a elas regressou, às visitadoras, (‘Os cadernos de Dom Rigoberto’). A todos estes extraordinários livros regressaremos todos quando quisermos lembrar-nos daquilo que nos esquecemos.
.Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa, no Peru, a 28 de março de 1936. Em 1990, candidatou-se à presidência do Peru com o apoio de uma aliança de centro-direita, tendo como adversário Alberto Fujimori – e perdeu. Sabia que era um risco que corria. “A literatura latino-americana está impregnada de preocupações políticas, que, em muitos casos, são mais preocupações morais”, disse, como que reclamando, quando recebeu o Nobel, o seu direito a não querer saber de políticas para nada. Não era assim – e de algum modo os seus ‘compagnos de route’ nunca lhe perdoaram aquilo que disseram ser uma traição e que para Vargas Llosa parecia ser apenas uma preguiça: “Sou basicamente um escritor”.
A somar ao Nobel da Literatura, Mario Vargas Llosa recebeu distinções como o Prémio Rómulo Gallegos (1967), Princesa das Astúrias (1986), Planeta (1993), Miguel de Cervantes (1994), Jerusalém (1995), National Book Critics Circle Award (1997), PEN/Nabokov (2002) e Prémio Mundial Cino Del Duca (2008). Entrou em fevereiro de 2023 para a Academia Francesa, estava na Academia Peruana de Línguas desde 1977, na Real Academia Espanhola desde 1994, e a Academia Brasileira de Letras desde 2014.
Em 2021 Llosa viu o seu nome envolvido num esquema fraudulento que viria a ficar conhecido como o Pandora Papers: Llosa criou uma empresa, a Melek Investments, nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal, para colocar os royalties das suas obras.
A partir de 2016 o escritor manteve um relacionamento com Isabel Preysler, primeira mulher do cantor espanhol Julio Iglesias, de quem se separou no final de 2022. Depois de Iglesias, Isabel Preysler foi mulher de Carlos Falcó, marquês de Griñón, e de Miguel Boyer, ex-ministro da Economia. Vargas Llosa completou o seu panteão pessoal.
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