Não sei quem se lembrou de chamar “revolução” às iniciativas legislativas que o Governo quer aprovar em matéria de ensino superior. Não sei se foram os inefáveis assessores de comunicação do Governo, se terá sido o lídimo representante de uma corporação cujas aspirações são finalmente reconhecidas, ou se porventura foi um jornalista com tendência para a hipérbole.

Seja como for, quem depois lê as notícias correspondentes a tão tonitruante anúncio não pode evitar a conclusão de que, contas feitas, a montanha pariu um rato.

Doutoramentos nos politécnicos? Limitação dos mestrados integrados? Mestrados profissionais de mais curta duração?

Não está tanto em causa o mérito das medidas propostas ‒ ainda que algumas delas sejam, no mínimo, discutíveis. Nem sequer o facto de tais medidas terem sido apresentadas como resposta a um relatório da OCDE divulgado poucos dias antes ‒ ainda que seja suspeita tão inusitada eficiência das autoridades nacionais. Está sim em causa a peregrina ideia de que estas três propostas juntas, mesmo que bem embrulhadas num conjunto de promessas políticas sobre investigação científica e afins, podem alguma vez produzir uma revolução no sistema português de ensino superior.

Não fico, porém, dececionado. Bem pelo contrário. O Governo também dizia ter feito a maior revolução no domínio da floresta desde os tempos de D. Dinis e metade do país acabou queimado poucos meses depois, numa tragédia humana que tão cedo não esqueceremos.

Ao menos, desta vez, ninguém se lembrou de convocar D. Dinis e o seu papel fundador da Universidade portuguesa. Isto porque não vem aí nenhuma revolução no ensino superior. Aliás, nem revolução nem tão pouco reforma. Apenas mais umas pequenas alterações nos diplomas legais, já tantas vezes revistos e aditados, que espartilham a vida das instituições nacionais de ensino superior.

Revolução, nesta matéria, seria cumprir finalmente a Constituição. Ou seja, devolver às universidades a autonomia que elas vêm perdendo progressivamente há largos anos, sob pretextos vários, a cada pacote legislativo que os sucessivos governos têm aprovado.

Segundo reza o artigo 76º da Constituição, as universidades gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira. Tão forte e ampla é a garantia institucional desta autonomia que a Constituição sentiu a necessidade de autorizar expressamente o legislador a disciplinar a “avaliação da qualidade do ensino”.

Numa palavra, constitucionalmente, apenas a garantia da qualidade do ensino justifica que se restrinja a autonomia universitária, sujeitando as respetivas instituições a um sistema de avaliação.

Quem conhece de perto a realidade do ensino superior em Portugal ‒ seja ele público ou privado ‒ sabe que esta visão robusta da autonomia universitária é simplesmente uma miragem. Tudo está regulado na lei até ao mais ínfimo pormenor. Mesmo no coração da academia ‒ as liberdades pedagógica e de investigação ‒ abundam os ratios, as métricas, os inquéritos, os deveres de informação, as acreditações prévias, as avaliações a posteriori, as comissões internas e externas, numa infernal teia burocrática que consome tempo e recursos e que, paradoxalmente, extermina os valores que a universidade deveria cultivar: inovação pedagógica, criatividade cultural, rigor científico, profundidade reflexiva.

Uma revolução do ensino superior feita pela mão dirigente deste ou de qualquer outro governo? Não, obrigado! A única revolução possível no ensino superior há-de ser feita pelas próprias universidades. Se os governos deixarem…