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Venda de carros elétricos acelera em plena pandemia

O impacto da pandemia de covid-19 será transversal em todas as tipologias de veículos comercializados em Portugal, mas a recuperação do mercado pode passar pela eletrificação das frotas.
19 Abril 2020, 21h00

Para uma mobilidade mais eficiente, impõe-se apostar num meio de transporte que permita uma mobilidade mais suave, ecológica e amiga do ambiente. Como o transporte ligeiro e de mercadorias representa cerca de 25% das emissões de dióxido de carbono, a melhor aposta para um futuro com maior eficiência energética passa pelos veículos elétricos em detrimento do motor de combustão interna.

No passado, vários estudos afirmaram que os veículos movidos a eletricidade permitem uma maior poupança, em termos monetários e ambientais, tanto que as vendas destes veículos apresentaram um aumento ao longo do ano passado e um ligeiro aumento de vendas em plena pandemia de Covid-19. O Jornal Económico foi tentar perceber junto das marcas que produzem veículos elétricos e da Associação Portuguesa do Veículo Elétrico (APVE), se as vendas poderão ser afetadas pelo surto do novo coronavírus, tendo como ponto de comparação a quebra acentuada de 56% nas vendas de todos os veículos, e se a queda do preço do petróleo poderá impactar as perspetivas de vendas dos automóveis movidos a eletricidade.

Segundo os dados da Associação do Comércio Automóvel de Portugal consultados pelo JE, o impacto foi bastante negativo nos carros de combustão, enquanto os veículos elétricos registaram um ligeiro aumento nas vendas em março, comparando com o mês anterior. De acordo com estes dados foram vendidos 993 veículos desta tipologia em março, face aos 829 vendidos em fevereiro.

As fabricantes automóveis, nomeadamente BMW, Nissan e Audi, defendem que a quebra de vendas se observou na geralidade e não apenas nos veículos a combustão. A Nissan Portugal assume que a pandemia tem “impactado todas as áreas do negócio e, consequentemente, todas as motorizações, sem distinção”, e Massimo Senatore, diretor-geral da BMW Portugal, garante que o impacto será “transversal em toda a tipologia de viaturas”, e que os planos de recuperação do mercado poderão passar pela eletrificação da frota.

O diretor-geral da BMW em Portugal refere que apesar da crise que está a afetar a indústria automóvel, devido ao encerramento laboral ainda no mês de março, “as vendas dos veículos elétricos atingiram um recorde, obtendo uma subida de 4,2%, o valor mensal mais elevado de sempre”, sendo que do total de vendas do primeiro trimestre do ano, “14% correspondem à gama elétrica”.

A Mercedes-Benz Portugal defende que ainda “é cedo para perceber se esta pandemia poderá ter algum impacto no mix de vendas”, e acrescenta que “não há razão para esta pandemia fazer vender mais veículos elétricos”, embora o mercado continue a “caminhar para a eletrificação por questões ambientais” e para cumprir as normas de redução de CO2. Por sua vez, a Volkswagen prefere aguardar pela retoma da atividade comercial para avaliar o crescimento das vendas, ainda que reconheça que antes da covid-19 surgir em Portugal as vendas de veículos elétricos estavam a crescer a um ritmo elevado.

Devido à paralisação na indústria e a uma futura contração económica, é possível que os mercados automóveis enfrentem mais desafios. Após vários investimentos na eletrificação de frotas, as grandes marcas internacionais têm duas opções: parar a inovação ou adaptar-se à nova realidade e crise mundial. A General Motors mostrou eficiência logo no início do ‘jogo’, optando por criar uma plataforma única e por adaptar a carroçaria, evitando ainda gastos desnecessários.

A queda do preço do petróleo para mínimos de 18 anos está a fazer com que as bombas de combustíveis em Portugal também verifiquem descidas acentuadas nos preços aos consumidores. Questionados sobre se este aspeto pode ser um atrativo para os consumidores escolherem os veículos a diesel e gasolina em detrimento dos elétricos, o que baixa a fasquia da eficiência, as marcas com mais vendas em Portugal foram unânimes e afirmaram que os preços dos combustíveis têm pouco impacto na compra dos veículos elétricos, na medida em que os clientes valorizam antes outros aspetos.

A Nissan em Portugal refere que a evolução destes preços em “nada demonstra que a tendência seja para se manterem nos níveis atuais”, sublinhando que deve acontecer precisamente o “contrário”. Um aspeto reforçado por Massimo Senatore da BMW, que sustenta que “a história diz-nos que a recuperação económica obriga a níveis de consumo de combustíveis extraordinários, aumentando assim a sua procura com o consequente aumento dos preços”.

A Mercedes-Benz Portugal é mais assertiva e garante que “o caminho está definido” e que “as marcas vão reduzir a oferta a combustão e caminhar para as soluções plug-in”, que figuram entre as mais apreciadas pelo público, devido à facilidade em alternar entre a rapidez da combustão e a eficiência e poupança da eletrificação. Enquanto a Renault Portugal assume que a escolha de um elétrico não depende apenas do valor do barril de petróleo, a Volkswagen sublinha que o “futuro próximo do automóvel passará pelos elétricos” e que essa certeza é “indiscutível”. A Audi vai mais longe e, embora admita que a venda de elétricos tenha aumentado, a maior diferença face a esta quebra foi a venda de mais gasolina do que gasóleo, uma vez que a diferença passou de 0,12 cêntimos para sete cêntimos.

Devido às vantagens dos elétricos e à importância destes para o cumprimento das metas de emissões de gases com efeito de estufa, as grandes marcas realçam que estes veículos não se encontram ameaçados pela diminuição dos preços dos combustíveis. “Cada vez são mais importantes [em termos ambientais], mas também em termos fiscais quando falamos de aquisições via empresas”, sustenta a Audi, ao passo que para a Renault – que vendeu 478 elétricos no primeiro trimestre do ano – os elétricos não estão ameaçados porque “a indústria continua a desenvolver soluções cada vez mais adaptadas às necessidades e exigências” dos consumidores, e porque as autoridades estão empenhadas no crescimento deste mesmo mercado devido às “imposições de limites máximos de emissões”.

A Mercedes-Benz Portugal segue a mesma opinião, mas aponta que caso aconteça um desinvestimento, o mesmo se deve à “necessidade das marcas atrasarem esta evolução, devido aos grandes investimentos necessários para a eletrificação”. No entanto, o preço do combustível não está diretamente ligado à opção dos clientes por esta tipologia de veículos.

Massimo Senatore refere que os portugueses vão ficar muito mais consciencializados depois da crise, uma vez que a paragem mostrou o “efeito positivo de uma redução dramática dos níveis de emissões”, com a Avenida da Liberdade a assumir a menor taxa de poluição do século. “Novas mentalidades, promoção de um estilo de vida mais sustentável e trabalho multidisciplinar em equipa serão propostas de uma sociedade que olha para o futuro”.

 

Certeza elétrica sem morte da combustão
Os motores de combustão nunca poderiam acabar de um dia para o outro, mas a eletrificação já provou que está para ficar com o aumento das vendas e a sua crescente adoção por parte de empresas e indivíduos. Basta pensar nos incentivos dados, pelo Estado português, para a compra destas viaturas, que esgotam quando são colocados à disposição dos portugueses.

A China tem um dos maiores mercados de veículos elétricos do mundo mas, antes de ser assim, o país teve de duplicar o número de subsídios distribuídos em 2018 para incentivar a compra. Desde que adotou essa estratégia, a China viu a aquisição de viaturas elétricos crescer em dois dígitos, depois de no ano passado terem sido vendidos 1,2 milhões destes veículos.

Agora, devido à covid-19, uma empresa de consultadoria aponta um corte nas previsões de venda, de 1,5 milhões para 1,35 milhões de viaturas no final do presente ano.

A Nissan, apesar de apostar na transformação elétrica, preferiu manter a coexistência e “não a substituição de umas motorizações por outras”. “Cada tipo de motorização tem o seu espaço, definido pelas vantagens que apresenta, face às outras alternativas”, defende.

A Mercedes-Benz Portugal assume que é preciso atingir volumes de produção que satisfaçam um equílibrio entre elétricos e combustão, mas que é possível lá chegar. “Não há razão para se pensar que os motores a combustão vão renascer”, explica fonte da Mercedes-Benz Portugal ao Jornal Económico, acrescentando que “a maior parte desses veículos já atingiu o limite máximo de desenvolvimento e com as apertadas normas de redução de CO2, apenas há um caminho, que são os plug-in e os 100% elétricos”. No primeiro trimestre de 2020, a Mercedes-Benz vendeu 558 de veículos destas duas tipologias.

A Renault admitiu que ninguém “anunciou a morte, a curto prazo, dos motores de combustão”, mas que “basta verificar as imposições regulamentares às quais a indústria automóvel está sujeita até 2030”, que preveem a redução das emissões poluentes para cumprir o que foi assinado no Acordo de Paris.

Ciente de que o “nível de emissões da frota por fabricante deve ser reduzido em mais 37,5%”, entre 2021 e 2030, a BMW Portugal refere que tem de continuar “a haver espaço para automóveis com motores de combustão porque, caso contário, isso significaria que haveria apenas veículos elétricos no mercado”. E assume ainda que “seria um erro comercial não investir na purificação dos demais motores de combustão”, sejam eles a gasolina, diesel ou híbridos plug-in.

“Não seremos nós a dizer ao mercado quando os motores de combustão vão acabar, mas será o mercado a determinar quando já não serão precisos”, explicando que o grupo BMW está presente em 195 mercados e que “é muito improvável” que todos implementem um regulamento de zero emissões.

“No entanto, a mudança para a eletrificação é exageradamente anunciada”, explica Massimo Senatore ao Jornal Económico, acrescentando que a melhor suposição é que existam 30% de vendas de veículos eletrificados em 2025, o que significa que a maioria das viaturas continuará a ter motor de combustão. “Outra perspetiva é que existem muitas regiões que não têm qualquer tipo de infraestrutura que lhes permita recarregar automóveis elétricos”, como é o exemplo da Rússia, Médio Oriente e interior da região ocidental da China.

Os responsáveis da Volkswagen afirmam que os motores de combustão têm muitos e bons anos pela frente, e que ainda “podem evoluir tecnicamente no sentido da redução de consumos e de emissões”, uma visão semelhante à da BMW Portugal, sendo que a transição será “mais rápida quando houve maior oferta no mercado, a preços acessíveis”.

A presidente da APVE, Teresa Ponce de Leão, explica ao Jornal Económico que os veículos elétricos apenas representam uma parte da redução da poluição. “Através da maneira mais penosa para a humanidade, esta crise pode vir a ajudar no acelerar da penetração dos veículos elétricos”, sustentando que as imagens de satélite de França e Itália mostram a redução dos “níveis de poluição do ar com dióxido de nitrogénio”.

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