Quatro entidades públicas venezuelanas avançaram, no início de março, com uma ação judicial contra o Novo Banco devido ao bloqueio de contas com saldos totais de 1,5 mil milhões de euros. Um montante milionário de depósitos que será levantado de imediato do banco português caso nos próximos dias o tribunal decida favoravelmente as providências cautelares interpostas pelo Banco de Desarrollo Economico y Social (Bandes), Petróleos de Venezuela (PDVSA), PDVSA Services e Petrocedeño.
As cinco providências cautelares que deram entrada no Tribunal de Comércio de Lisboa reclamam a execução de uma centena de ordens de pagamento que têm sido recusadas pelo Novo Banco desde fevereiro por suspeitas de branqueamento de capitais, revelou ao Jornal Económico fonte próxima ao processo. Este braço de ferro ocorre numa altura em que a PDVSA anunciou a transferência da sua sede na Europa de Lisboa para Moscovo e coincide no timing em que o Novo Banco aguarda uma injeção de capital no valor de 1.149 milhões de euros. Outras fontes do setor sinalizam que o bloqueio de contas ocorreu na sequência de iniciativas diplomáticas da oposição venezuelana, liderada por Juan Guaidó, alertando para a legitimidade dos ordenantes das transferências.
Um dado é certo: é uma mão cheia de processos cautelares que deram entrada, na primeira semana de março, no Tribunal de Comércio de Lisboa e cuja decisão se aguarda para os próximos dias. Entidades venezuelanas reclamam ao Novo Banco a execução de ordens de pagamento de salários, rendas, impostos, fornecedores, organismos humanitários internacionais e honorários de advogados. Ou seja, a operação regular de entidades comerciais, cuja relação comercial sempre foi apontada como “normal” nos últimos anos. Mas a relação acabou por sofrer um volte-face com as entidades venezuelanas a acusarem o banco de quebra de confiança com o cliente, o que pode justificar a retirada de fundos que representam 5,3% do total de depósitos de clientes do Novo Banco.
O bloqueio de transferências surge com o agravamento da crise política na Venezuela no final de janeiro deste ano. Em causa está o bloqueio de depósitos que diversas entidades venezuelanas têm no Novo Banco e que somam 1,5 mil milhões de euros – montante referente a quatro providências cautelares interpostas pela PDVSA, que tem receitas depositadas no Novo Banco; pela PDVSA Services, ligada àquela petrolífera estatal venezuelana; pela Petrocedeño (controlada em 60% pela PDVSA, em 30% pela francesa Total e em 10% pela StatoilHydro da Noruega) e pelo Bandes, entidade pública venezuelana focada no financiamento de projetos para o desenvolvimento do país. A estas providências cautelares soma-se ainda uma outra conjunta da PDVSA e das outras duas empresas do grupo petrolífero – neste caso é reclamado ao tribunal que o Novo Banco caucione o valor integral dos depósitos destas entidades, somando cerca de mil milhões de euros.
O JE sabe que só as ordens de pagamento da PDVSA e PDVSA Services somam 200 milhões de euros. Já o Bandes viu bloqueados 150 milhões de euros em diversas ordens de pagamentos. Algumas fontes realçam, no entanto, que “o Novo Banco não processa ordens de pagamento, mas não se opõe a recebimentos como transferências de concessionárias da PDVSA para pagamentos de royalties (compensação financeira pela exploração do petróleo)”.
Na ação judicial, as entidades venezuelanas sustentam que todas as ordens de pagamento foram acompanhadas de documentação de suporte, designadamente identificação do beneficiário e contratos justificativos, mas as recusas acabaram por ser “sistemáticas” e “sem apresentação de justificações”.
O JE confrontou o Novo Banco com estas providências cautelares após o bloqueio de contas, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.
Suspeitas de branqueamento comunicadas ao BdP
O JE sabe, no entanto, que a suspensão de transferências milionárias de fundos do Estado venezuelano, mediante recusas de ordens de pagamento de várias entidades da Venezuela com contas no Novo Banco, surge na sequência de medidas de verificação da identidade de um cliente no âmbito do controlo interno na luta contra a criminalidade financeira e lavagem de dinheiro. E são estes os argumentos que terão sido avançados às entidades venezuelanas e reportados ao Banco de Portugal numa exposição para justificar o bloqueio de pagamentos.
Em causa está, segundo fonte do sector, uma identificação do cliente mais crítica prevista nas medidas Know Your Customer (KYC) – Conheça o seu Cliente – e Know Your Transactions (KYT) – Conheça a sua Transação. Estas medidas, explicam as mesma fontes, são implementadas nas instituições financeiras para verificação da identidade de um cliente (KYC) e também o controlo de informação quanto à origem e destino dos fundos, sendo que, complementarmente, as transações têm de conter a identificação relativamente ao ordenador e ao beneficiário (KYT).
A KYC é uma medida obrigatória para todos os bancos com vista ao cumprimento dos regulamentos internacionais ao combate à lavagem de dinheiro, cujos procedimentos são desencadeados através da simples tarefa de verificar que os clientes são quem dizem ser.
Já nos procedimentos KYT, o banco procede a uma avaliação baseada na análise comparativa de alertas gerados por ferramenta automática de monitorização de contratos, em função de parâmetros específicos. E são adotadas medidas de diligência reforçada sempre que a natureza da contraparte e/ou o nível de risco inerente, assim o justifique, no contexto da prevenção do branqueamento de capitais.
Além de procedimentos genéricos, com base nos requisitos legais e regulamentares definidos, os bancos adotam ainda processos específicos para fatores e tipos de risco potencialmente mais elevado, referentes a Relações de Correspondência (fora da UE), Pessoas Politicamente Expostas (residentes e não residentes), tal como titulares de cargos políticos ou públicos e beneficiários efetivos.
A crise política na Venezuela agravou-se em 23 de janeiro, quando o líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente interino e declarou que assumia os poderes executivos de Nicolás Maduro. Guaidó contou com o apoio dos Estados Unidos, bem como 19 países da União_Europeia, um dos quais Portugal.
Washington anunciou mais sanções contra a Venezuela em meados de fevereiro. São visadas cinco figuras do regime. Uma dessas pessoas é o ministro do Petróleo, Manuel Quevedo Fernández, que é também o atual presidente da PDVSA.
Artigo publicado na edição nº 1981 de 22 de março do Jornal Económico
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