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Veto presidencial ou envio para Tribunal Constitucional é esperança da oposição no regime especial de expropriações

Regime especial aplicável à expropriação e à constituição de servidões administrativas, no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social, foi aprovado pela esquerda na sexta-feira apesar de um parecer da Ordem dos Advogados apontar para a sua inconstitucionalidade.
  • Cristina Bernardo
21 Setembro 2020, 07h45

A aprovação na Assembleia da República da proposta de lei do Governo que prevê um regime especial aplicável à expropriação e à constituição de servidões administrativas, no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), apesar de vários pareceres apontarem problemas de constitucionalidade, leva a que os partidos da oposição vejam como única esperança um veto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ou o envio do diploma para o Tribunal Constitucional.

Aprovado na sexta-feira, com votos favoráveis do PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV, bem como da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, enquanto PSD, CDS, PAN, Chega e Iniciativa Liberal votaram contra e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues optou pela abstenção, o diploma foi defendido no plenário pelo secretário de Estado da Conservação da Natureza, João Catarino, como a forma de facilitar intervenções “que garantam a progressiva estabilização no plano económico e social”. Como exemplos da declaração de utilidade pública com carácter de urgência através de despachos de ministros ou de decisão de assembleias municipais, avançou com as condutas das Águas de Portugal e as faixas de gestão de combustíveis, salientando que está em causa um esforço para “retomar a economia sem descontrolar a pandemia”.

Tais argumentos não convenceram deputados da oposição, tendo o social-democrata Cancela de Moura acusado o Governo de estar a sofrer uma “deriva gonçalvista” e de se ter esquecido, aquando da formulação da proposta de lei, de a “conformar com os princípios do Estado de Direito e com a Constituição”. De igual forma, o deputado único e presidente da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, apontou o dedo a “mais uma proposta tentacular” do Governo. “Já sabíamos que partidos como o Bloco de Esquerda e PCP tinham horror à propriedade privada, mas ficámos a saber que o Governo do PS também tem zero consideração pela propriedade privada”, disse.

João Cotrim Figueiredo descreveu o diploma como “manifestamente inconstitucional e negador do respeito pela propriedade privada e pelo princípio da proporcionalidade”, transformando a declaração de utilidade pública num “ato totalmente arbitrário e sem necessidade de fundamentação”.

Ordem dos Advogados aponta desproporcionalidade do diploma

A esperança na intervenção do Palácio de Belém e do Tribunal Constitucional são reforçadas pelos pareceres que antecederam a votação da proposta de lei que autoriza o Governo a aprovar um regime especial aplicável à expropriação e constituição de servidões administrativas. Sobretudo no da Ordem dos Advogados, no qual se considera que as “expropriações dos imóveis e dos direitos inerentes necessários à construção, ampliação, reabilitação ou beneficiação de equipamentos, redes e infraestruturas no âmbito da execução dos investimentos a realizar no quadro das intervenções referidas no PEES” implicam uma séria limitação aos interesses dos expropriados e interessados que “se afigura não constitucional” perante a proteção do direito de propriedade privada, plasmada no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.

Ainda segundo o parecer da Ordem dos Advogados, assinado pela vogal do conselho geral Margarida Simões, a garantia de tutela da propriedade “não implica uma sistemática sujeição dos particulares a um poder que possa ser exercido de forma incondicionada, não podendo os poderes públicos impor, sem mais, quaisquer medidas ablativas da propriedade a pretexto de que o particular será sempre compensado da sua perda”.

De igual modo, a declaração de utilidade pública “não pode, de forma alguma, justificar o livre arbítrio ou o sacrifício dos interesses dos privados, proprietários de imóveis que, muitas vezes com bastantes dificuldades, granjeando as suas economias, os conseguiram adquirir ao longo da sua vida, e que, de um momento para o outro, sem qualquer justificação, se veem privados e sem os mesmos, a pretexto da atribuição de uma indemnização que, a maior parte das vezes, nem sequer corresponde ao valor real de tais imóveis”.

O parecer salienta também que o facto de o diploma considerar de utilidade pública e com carácter de urgência as expropriações dos imóveis e dos direitos inerentes necessários a construção, ampliação, reabilitação ou beneficiação de equipamentos, redes e infraestruturas, no quadro de intervenções do PEES, elimina a possibilidade de a entidade expropriante e outros intervenientes poderem chegar a acordos e também a possibilidade de a resolução de expropriar ser notificada previamente aos expropriados e interessados, “impedindo-se que este possam, de alguma forma, agir ou executar o seu contraditório”.

“Se os proprietários e demais interessados até à publicação dessa declaração de utilidade pública não sabem, como poderão defender-se do livre arbítrio e da desproporcionalidade das decisões?”, pergunta o parecer da Ordem dos Advogados, acrescentando que, não obstante o direito a receber o pagamento de uma justa indemnização, segundo os critérios e procedimentos do Código das Expropriações, a entrada em vigor da proposta de lei poderá agravar o cenário em que os proprietários “são absolutamente apanhados desprevenidos, sem uma palavra a dizer” e em que, “não raras vezes, as indemnizações ficam bastante aquém do seu justo valor”. Segundo o mesmo parecer, poderá limitar-se, “de forma manifestamente desproporcional, o direito à propriedade privada, constitucionalmente garantido, o que não se poderá aceitar, ainda que esteja em causa o interesse público”.

“Ainda que se reconheça a relevância e a urgência na concretização dos investimentos e o impacto esperado dos mesmos no robustecimento da economia e das finanças portuguesas, tal não pode constituir uma incerteza e um sacrifício desproporcional dos interesses dos expropriados/interessados, os quais veem os respetivos direitos injustificadamente restringidos”, lê-se no documento entregue pela Ordem dos Advogados à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República.

Por seu lado, o parecer do Conselho Superior da Magistratura chama a atenção para que deveria ser incluído um artigo “atinente ao prazo de vigência deste regime especial, por referência à execução ou concretização do PEES”, considerado que “nada mais se apresenta digno de nota ou reparo”, enquanto o parecer favorável da Associação Nacional de Municípios Portugueses, embora compreenda e acompanhe as motivações do regime jurídico proposto pelo Governo, “encarando como positivas todas as medidas que promovam a retoma progressiva da vida social e económica, em benefício do país e dos cidadãos”, deixa uma ressalva: “Tratando-se de intervenções que, diretamente, conflituarão com o direito de propriedade dos cidadãos, onerando-o, restringindo-o ou, no limite, retirando-o a favor da causa pública, entendemos que todas as decisões deverão ser tomadas de forma cautelosa e proporcional, respeitando e contendo-se rigorosamente dentro do perímetro de intervenções definidas pelo PEES”.

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