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“Vetos de gaveta”: o caso do acto médico veterinário

Há ainda que acautelar, por via legislativa, no nosso país, que a intervenção médico-veterinária não seja sobreposta por nenhum outro profissional porque a sê-lo são os interesses da sociedade em matéria de saúde pública e de bem-estar animal que estão em risco.
2 Janeiro 2020, 07h15

Na política, nacional e regional, são muitos os denominados “vetos de gaveta”: propostas aprovadas na generalidade mas que “marinam” em comissões de especialidade durante meses ou anos sem serem regulamentadas, até que caducam, ao fim de cada legislatura. Nem sempre é descabido atribuir a estas ações a conveniência de alguns aliadas a uma evidente desconsideração pelo funcionamento regular e democrático de uma Assembleia Legislativa, eleita por escrutínio de quem é mais soberano: o povo!

Na Assembleia Legislativa da Madeira (ALRAM), enumeraria desde logo a extensão do serviço de finanças de Santa Cruz para o Caniço, proposta aprovada em 2016 e que nunca foi concretizada. Isto quando o Caniço é a segunda freguesia mais populosa da Região, o 2º pólo turístico e constitui mais de metade da população do concelho de Santa Cruz!

Na Assembleia Legislativa da República (AR), aludiria ao Estatuto próprio do Médico Veterinário, que define os actos próprios desta classe profissional. Mas também poderia referir o fim do acorrentamento perpétuo e permanente de animais de companhia, proposto pelo PCP Madeira, que caiu com o fim da última legislatura sem ter subido a plenário para votação final, porque o relator da respectiva comissão “não teve tempo” de entre janeiro e julho de 2019 concluir o processo. E começo a suspeitar que o mesmo possa suceder com a legislação aprovada para a interdição de animais em circos, pois tendo sido já aprovada, tarda a sua regulamentação, de tal forma que são vários os circos que ainda utilizam animais nos seus espetáculos … é que as matérias relacionadas com a causa animal têm sido, aparentemente, uma bandeira modal para alguns partidos e uma vez satisfeito o propósito eleitoralista, cai no esquecimento até à próxima campanha eleitoral.

Retornando ao Estatuto do Médico Veterinário: é inegável e sabido que esta profissão extravasa os cuidados de saúde e bem-estar dos animais, assumindo um papel socialmente relevante sobretudo no que concerne à segurança alimentar e saúde pública. Nas últimas duas décadas, a actividade destes profissionais tem-se acrescido de responsabilidades técnicas e científicas, até porque em matéria de legislação de proteção dos animais tem-se evoluído consideravelmente em Portugal no que respeita a uma nova perspectiva jurídica sobre os mesmos, que viram há pouco tempo ser reconhecido o seu estatuto de seres sencientes e não meramente “coisas”.

No entanto, há ainda que acautelar, por via legislativa, no nosso país, que a intervenção médico-veterinária não seja sobreposta por nenhum outro profissional porque a sê-lo são os interesses da sociedade em matéria de saúde pública e de bem-estar animal que estão em risco. É que ainda não há nenhum quadro legal no nosso país que, e ao contrário do que já ocorre noutras carreiras da saúde, defina os actos que são próprios destes profissionais! Porque há incumbências que respeitam tão só aos médicos veterinários: a saúde animal, a higio-sanidade pública veterinária ou a inspeção de alimentos de origem animal. Daí que seja fundamental delimitar fronteiras de intervenção que são próprias destes profissionais, devidamente habilitados, e não de outros, clarificando-as. Um exemplo flagrante, é a utilização de medicamentos veterinários abusivamente “prescritos” por outras entidades, o que incorre no risco de uma utilização ou administração incorretas dos mesmos, o que periga a saúde e bem-estar do próprio animal e também a saúde pública.

Ter deixado que o diploma que definia a restrição destes actos médicos-veterinários caducasse,  constituiu assim mais uma irresponsabilização de muitos dos  nossos representante eleitos, para com os animais e para com a sociedade.

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