Recentemente o presidente do governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, quando questionado por um jornalista sobre a promessa da ligação regular de ferry entre a Madeira e o continente, ripostou prontamente que este “não era viável”, que os madeirenses queriam o ferry mas não queriam andar no ferry, mas já lá vamos, vamos falar primeiro do conceito de viabilidade.
Segundo o dicionário da língua portuguesa viabilidade é a qualidade de viável e uma coisa viável é uma coisa que pode ser feita ou que é exequível. Se transportarmos o conceito para o lado económico-financeiro uma coisa viável, é normalmente um projeto ou um investimento, cujos sucessivos fluxos de caixa ao longo do tempo são suficientes para ultrapassar os custos do investimento inicial no projeto, utilizando-se como ferramenta principal para aferir a viabilidade do investimento, o VAL – Valor Atualizado Líquido.
Contudo em contexto de sociedade quando se tratam de investimentos ou projetos públicos a executar pelo Estado ou por um governo o caso muda de figura. O objetivo dum estado não é obter lucro, mas sim melhorar o bem-estar social, que seria medida através da utilidade, mas que é um conceito de difícil quantificação, para o qual os economistas utilizam vetores de grandeza para traduzir a utilidade nas chamadas curvas de indiferença. A título de exemplo um hospital privado terá melhor performance quanto melhor for o seu lucro. Já um público terá melhor performance quantos mais doentes tratar com sucesso, uma vez que ao ser tratado um doente, obtém um benefício ou grau de satisfação por ter utilizado esse serviço aumentando assim a sua utilidade, e a soma das utilidades individuais ou alternativamente a maximização da utilidade dos que estão pior na sociedade aumentam o bem-estar social. Deve ser este o critério a ponderar nos casos dos investimentos públicos, aliás, ele está subjacente à educação,
saúde e infraestruturas públicas.
Voltando ao início, o presidente do governo regional olha apenas para o ferry como se de um negócio se tratasse, quando na realidade é muito mais do que isso. É uma autoestrada atlântica, capaz de trazer bens para a região a preços mais competitivos, para exportar bens de forma mais célere e com custos mais baixos e uma alternativa de transporte ao avião dado o isolamento insular de que a região padece. E isso acaba por aumentar a utilidade dos madeirenses direta ou indiretamente.
Em 2008 a empresa canária Naviera Armas, que normalmente liga o arquipélago das Canárias ao território espanhol continental, encetou uma ligação Las Palmas-Funchal-Portimão que teve grande sucesso, até ter sido escorraçada em 2012 pelo governo regional de então, liderado por Alberto João Jardim, através de um aumento astronómico das taxas portuárias. Na época alta de 2018 e 2019, foi concessionada pelo atual executivo regional a um grupo monopolista regional a linha de ferry, que teve de alugar um barco à Naviera Armas. Dizem que não é viável (presume-se que economicamente), mas conheci pessoas que viajaram nesses anos e diziam que o navio vinha “ao barrote” que até se viam passageiros a dormitar nas escadas.
Ironicamente soube-se através de altos dirigentes da referida empresa de Canárias que a ligação marítima de ferry era economicamente viável logo após seis meses de operação, bastando-lhe ter 9 a 10% da quota de mercado de carga e que não seria necessário um tostão de subsídios diretos à exploração. É caso para dizer, este governo regional tem as viabilidade(s) trocada(s)!