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Bloco de Esquerda. Vinte anos a ganhar espaço entre os quatros “donos” da Assembleia

O Bloco de Esquerda é hoje um partido diferente daquele que nasceu em 1999. Menos contestatário e irreverente, mais coeso e um exemplo ímpar de afirmação à esquerda numa Europa “às direitas”.
6 Abril 2019, 08h00

O Bloco de Esquerda (BE) estreou-se na vida política, em 1999, com a célebre frase “o que é novo cresce”. A frase estampada em vários cartazes eleitorais é hoje a imagem de marca do partido. Em 20 anos, o BE cresceu para se tornar a terceira maior força política nas últimas legislativas. Mas as duas décadas de avanços e recuos do Bloco trouxeram uma nova envergadura ao partido que, segundo politólogos contactados pelo Jornal Económico, deixou de ser apenas uma força de protesto para  poder competir com partidos que contam com uma longa tradição política.

A aprovação do Tribunal Constitucional para a inscrição do BE no espetro político, a 24 de março de 1999, veio abrir caminho para o florescimento de novas ideias à esquerda, mas poucos foram os que acreditaram que o partido estaria para ficar. Outras formações políticas idênticas acabaram por implodir ou tornar-se irrelevantes, dada a aparente consolidação da estrutura política baseada nos quatro partidos que mais se destacaram na consolidação da democracia no pós-25 de abril. Ainda assim, logo no ano da fundação o BE conseguiu garantir uma presença institucional, elegendo dois deputados para o Parlamento, começando progressivamente a capitalizar vitórias e a marcar a agenda.

“O BE veio ocupar um vazio político na esquerda radical e contou com a participação de um eleitorado mais jovem e mais instruído, mas que provinha de situações mais frágeis em termos socioeconómicos”, explica ao Jornal Económico André Freire, professor catedrático de Ciência Política do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). “Eram considerados irreverentes e ainda hoje mantêm alguma dessa irreverência, apesar de a entrada na esfera governativa ter obrigado a uma moderação, porque uma coisa é estar na oposição e outra é apoiar o Governo”.

André Freire considera que os acordos assinados em novembro de 2015 entre o PS de António Costa e os partidos com representação parlamentar à sua esquerda vieram ditar uma viragem no discurso e estratégia política do BE. “Os bloquistas tiveram de moderar alguma da irreverência que lhes era característica mas isso resultou em claras vantagens para o partido: passaram a ter mais influência na vida política e no processo de tomada de decisão”, afirma.

“O BE é agora um partido situacionista, que está no poder e que se apercebeu que não pode ser mais de extrema-esquerda. Por isso, teve de adaptar o discurso e a estratégia política”, afirma José Adelino Maltez, catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), reconhecendo que a decisão de apoiar o Executivo do PS não foi unânime e levou vários bloquistas a baterem com a porta.

“Pouco resta do original”

A insatisfação com a transformação do Bloco “num projeto reformista centrado na sua própria sobrevivência” levou, no início de fevereiro, ao anúncio da saída de um grupo de 26 bloquistas. Entre eles estão três nomes que assinaram a declaração “Começar de Novo” que fundou o partido em 1999: João Carlos Louçã, Maria José Martins e Sérgio Vitorino.  Numa carta enviada à Mesa Nacional do BE, os dissidentes consideram que “pouco resta do projeto original do Bloco de Esquerda”, que juntou o independente Fernando Rosas a três partidos com raízes ideológicas distintas – a União Democrática Popular (UDP) de Luís Fazenda, o Partido Socialista Revolucionário (PSR) de Francisco Louçã e a Política XXI de Miguel Portas – na luta por um projeto comum alternativo aos partidos já existentes.

“O taticismo de decisões, o jogo da comunicação na sua forma burguesa, a ausência de qualquer ativismo local inserido numa estratégia de construção do partido, a progressiva ausência de pensamento crítico acompanhada pela hostilização da divergência interna e profundo sectarismo com outras forças de esquerda transformaram o Bloco de Esquerda num projeto reformista centrado na sua própria sobrevivência”, lê-se na missiva. Os dissidentes acusam ainda o BE de perseguir e expulsar militantes e manipular eleições internas para “garantir a ficção de um partido coeso”, enquanto nos processos de debate e de decisão “imperam os acordos de cúpula”.

A atual coordenadora, Catarina Martins, lamentou as demissões mas, num partido acostumado a lidar com divergências e cisões internas, mostrou-se convicta de que vão continuar a convergir nas lutas que têm em comum. Antes deste grupo, outros já tinham também deixado o partido em desacordo com a linha política seguida. Foi o caso de Ana Drago, Daniel Oliveira, Rui Tavares ou Joana Amaral Dias. A oposição interna é, aliás, uma constante nas convenções do partido, onde as vozes dissonantes se fazem ouvir com frequência.

André Freire nota, no entanto, que o  facto de o BE comemorar 20 anos enquanto partido político é, por si só, um sinal de que houve “uma certa dose de pragmatismo e inteligência para acomodar forças políticas tão diversas como aquelas que encontramos na sua formação”. O mesmo se pode dizer da conquista do eleitorado. O partido conseguiu, em vinte anos, reunir o apoio de mais de 10% dos eleitores. O professor do ISCTE-IUL lembra, contudo, que o eleitorado do Bloco não é fixo e que tende a variar consoante a conjuntura política. Maltez acrescenta ainda que, “ao contrário do que acontece com o Partido Comunista (PCP), o BE não tem uma forte implementação territorial nem influência sindical e prefere conquistar eleitorado através nos meios de comunicação e da formação de opinião”.

Segunda força política?

Defendendo a ideia de que a luta do BE era “destruir o mapa político tradicional” e “salvar a herança de todas as esquerdas”, o partido foi atraindo eleitores, ao longo destas duas décadas, sobretudo aos partidos de esquerda. “Surgiu após a queda do Muro de Berlim no panorama português e assumiu uma posição crítica perante os antigos regimes soviéticos”, explica Freire, acrescentando que, na sequência de várias dissidências de militantes do PCP, o partido integrou comunistas desiludidos nas suas fileiras.

O Bloco de Esquerda trouxe para a agenda política “assuntos socioeconómicos e culturais, como a defesa das minorias sexuais e dos imigrantes, aos quais o PCP não dava tanto relevo”, o que lhe permitiu também chegar a eleitores a que os comunistas não chegam. Temas como a despenalização do aborto, o casamento homossexual, a criminalização da violência doméstica e a denúncia da impunidade dos banqueiros e patrões foram levados a debate e os bloquistas fizeram deles bandeira. Em parte, foi por terem olhado para franjas da sociedade que não se sentiam representadas que conseguiram conquistar uma posição relevante na política nacional.

Nas últimas legislativas, o BE conseguiu o seu melhor resultado histórico, com 10,19% dos votos e a eleição de 19 deputados para a Assembleia da República. Pela primeira vez na história, conseguiu também superar nas urnas o PCP e tornar-se a terceira força mais votada, logo atrás da coligação PSD/CDS e do PS.

Francisco Louçã, um dos quatro fundadores do partido, acredita que o BE pode ainda crescer mais e ultrapassar os sociais-democratas nas eleições, tornando-se a segunda maior força política e acabando com a alternância entre PS e PSD. Maltez considera que “tudo é possível, apesar de ser bastante improvável”. Já Freire vai mais longe e defende “isso é mais do domínio da ambição do que realidade”.

Subida ímpar na Europa

O crescimento do BE em 20 anos contrasta com o que se passa além-fronteiras, especialmente na Europa, onde a extrema-direita e a direita populista têm vindo a ganhar força nos últimos anos, tendo entre os seus expoentes a União Nacional (ex-Frente Nacional) em França e a Liga Norte na Itália. Maltez explica que Portugal é um dos países mais à esquerda da Europa e que isso, aliado ao facto de Portugal ter uma grande estabilidade entre as comunidades existentes e não ter sofrido muito o impacto da crise migratória, tem beneficiado o Bloco e o PCP.

Olhando para o resto da Europa, só se encontram casos semelhantes ao português na Grécia (com o Syriza), em Espanha (com o Podemos) e na Alemanha (com o Die Linke). Nestes países, os partidos à esquerda dos socialistas continuam a ganhar peso e, no caso da Grécia, conseguiram mesmo derrotar as forças tradicionais para se afirmarem enquanto governo.

“É uma tendência incomum na Europa, onde há uma espécie de concluio entre a esquerda e direita e os partidos tradicionais aparentam ser todos iguais, que abre o flanco para que surjam manifestações populistas”, afirma Freire.

Artigo publicado na edição nº 1981 de 22 de março do Jornal Económico

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