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Vital Moreira: “Estado de calamidade não é uma espécie de estado de emergência ‘soft’”

Vital Moreira alerta que “só a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência permite a suspensão do exercício de direitos fundamentais”.
2 Maio 2020, 11h00

O Governo prepara-se para decretar a situação de calamidade pública quando cessar a vigência do terceiro período do estado de emergência em Portugal. Vital Moreira alertou num post no blogue “Causa Nossa que “a hipótese está a gerar dúvidas de constitucionalidade, e não sem fundamento”, pelo que o JE foi ouvir a opinião do constitucionalista sobre o instrumento legal que o Governo poderá acionar, e se este permite impor o confinamento domiciliário ou restrição total ou parcial dos movimentos da população.

Questiona a eficácia da situação de calamidade para combater a pandemia da Covid-19?
Não. Se se entende que a situação é agora menos exigente, então o condicionamento da vida das pessoas também pode ser menor.

Se o estado de emergência não vier a ser renovado, isso significa que o Governo não pode continuar a decretar medidas de restrição excecionais, como as limitações à circulação entre concelhos ?
Não defendi isso. Disse no Causa Nossa que o “estado de calamidade” não pode “suspender” direitos (o que somente o estado emergência pode fazer), mas não disse que não pode “restringir” direitos. Não é mesma coisa, constitucionalmente falando. Independentemente do estado de emergência, a Constituição permite a restrição de vários direitos fundamentais, se justificadas e proporcionadas. Não considero ilegítimas as que refere, nas condições excecionais da epidemia.

O Governo defende que um conjunto de outros instrumentos legais permite manter normas de confinamento, restrição à circulação ou condicionamento no funcionamento de determinados estabelecimentos. Concorda?
Concordo, desde que não sejam afetadas as liberdades que segundo a Constituição não podem ser restringidas senão em estado de exceção constitucional (como, a meu ver, sucede com o confinamento obrigatório) e desde que respeitadas os requisitos da restrição de direitos fundamentais enunciados no art. 18.º da Constituição, designadamente a base legal, a necessidade e proporcionalidade e a salvaguarda do núcleo essencial dos direitos restringidos.

O estado de calamidade não está previsto para situações de pandemia?
O estado de calamidade, que não tem previsão constitucional, está legalmente previsto paria situações de acionamento da proteção civil. A pandemia pode eventualmente configurar essa situação. Mas observo que a “calamidade pública” constitui um dos fundamentos do estado de emergência, o que cria uma desnecessária confusão conceptual.

Permite limites à circulação, mas a lógica da aplicação da lei é a delimitação geográfica. Podem aplicar-se determinadas medidas a nível nacional?
Pode, desde que os fundamentos digam respeito a todo o território.

Em termos nacionais o Governo pode, por exemplo, limitar o número de pessoas presentes num restaurante, cinema ou espaço público?
A meu ver, pode.

Caso venha a ser esta a opção, antevê que o isolamento profilático de cidadãos idosos, contra sua vontade, passe a ser um problema?
É um real problema, como digo no post, porque o confinamento domiciliário obrigatório afeta o núcleo essencial da liberdade pessoal, pelo que só pode ser decretado em estado de emergência.

A declaração de calamidade tem força suficiente para impor que as pessoas permaneçam em casa?
A resposta é igual à anterior.

As cercas de segurança, e ao nível das fronteiras, podem aplicar-se a todo o território?
A meu ver, podem.

E no caso das praias, também podem ser impostos limites?
Podem.

A Lei de Bases da Saúde prevê o internamento compulsivo, ou tomar as medidas de exceção indispensáveis. Com o estado de calamidade pode ser restringido o direito da proibição de internamento compulsivo?
É outro dos casos que não tem cobertura constitucional, salvo em estado de emergência. A Constituição define explicitamente os casos em que pode haver internamento compulsivo, sem incluir esse caso. Há muito que defendo uma alteração constitucional para permitir o internamento compulsivo em caso de doenças infetocontagiosas, com as devidas garantias, incluindo autorização ou confirmação judicial, em caso de recusa. Mas essa alteração não foi feita.

Que outros direitos não podem ser restringidos caso venha a ser decretado o estado de calamidade?
Todos aqueles cuja restrição a Constituição não proíba e desde que respeitados os requisitos constitucionais de restrição de direitos.

O primeiro-ministro alertou que “ninguém pode ter a ideia de que o fim do estado de emergência significa o fim das regras de confinamento”. Na sua opinião, que tipo de regras se podem manter sem ser decretado o estado de emergência?
Já respondi. Mas penso que é necessário sublinhar que o “estado de calamidade”, sem base constitucional, mas somente legislativa, e decretado pelo Governo, sem intervenção do Presidente da República e da Assembleia da República, não é uma espécie de estado de emergência soft. Não é definitivamente a mesma coisa.

Entrevista publicada no Jornal  Económico de 30-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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