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Vítor Bento: “Eu não queria ser o agente de liquidação” do BES/Novo Banco

O ex-CEO do banco disse que o então BES contratou o Deutsche Bank para fazer a venda de ativos (a otimização do balanço), antes da resolução, o que passava por vender algumas subsidiárias do BES, como o BESI, entre outros. Mas “a venda de ativos não é a mesma coisa que ir à feira da ladra”. Com a resolução o Banco de Portugal retira o mandato de venda do banco à gestão do Novo Banco.
23 Março 2021, 16h46

A Comissão de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução inquire hoje Vítor Bento, presidente executivo do BES e Novo Banco entre julho e setembro de 2014.

O Conselho de Administração do Novo Banco, liderado por Vítor Bento, a 14 de agosto de 2014 expressou a sua opinião que a dotação inicial de capital do Novo Banco (de 4,9 mil milhões de euros) se afigurava insuficiente e procurou evidenciar isso junto do Banco de Portugal.

Foi por este tema que Cecília Meireles, deputada do CDS, abriu o inquérito. A deputada pediu a Vítor Bento para falar do seu plano de recapitalizar gradualmente o banco com investidores privados, ao longo de dois anos.

Vítor Bento, o economista que substituiu Ricardo Salgado na presidência do BES em julho de 2014 (e saiu poucas semanas depois da resolução e a criação do Novo Banco), voltou a explicar a alteração que foi introduzida à lei da Resolução por sugestão da sua equipa de gestão, para acomodar as pretensões de recapitalizar o banco com investidores privados, ao longo de cinco anos, eventualmente até através de uma entrada em bolsa.

Mas lembra que o estatuto de Banco de Transição, que foi aplicado ao Novo Banco retomou o espirito da resolução que tinham conseguido alterar na legislação. Se tinham conseguido que o Banco de Portugal promovesse a alteração da lei de modo a acomodar a pretensão da gestão do banco de dotar a instituição de uma nova base acionista. A lei mudou no sentido de o Novo Banco ser classificado como um banco, de poder ser vendido ao fim de dois anos, renovável anualmente até um máximo de 5 anos e de poder ser comprado por outras instituições que não forçosamente bancos.

“A operação de resolução em si foi uma novidade para todos os atores envolvidos no processo e para nós também. Eu nem conhecia, na altura, a legislação da resolução”, começa por dizer Vítor Bento.

A resolução de um banco sistémico como a que foi feita também foi uma novidade para o Banco de Portugal naquela altura, reconheceu Vítor Bento.

Mas a resolução impunha condições à atividade do banco, disse. “Percebi que a filosofia da resolução era que o banco objeto da resolução deixava de existir. O que a resolução criava era uma entidade com ativos, passivos e extra-patrimoniais que depois seriam vendidos a uma ou mais partes (terceiras)”, o que não era o plano inicial da sua equipa de gestão.

Informou imediatamente o Banco de Portugal disso e foi-lhe dito que se iria promover alterações de forma a acomodar algumas das pretensões da equipa de Vítor Bento, ou seja, criar uma instituição com um horizonte estimado em cinco anos para recapitalizar o banco. A legislação foi ajustada. “Mas, depois, acabámos por perceber que as coisas rapidamente se alteraram”, diz Vítor Bento, notando que “ainda durante esse fim-de-semana estavam a decorrer reuniões com as autoridades europeias e viemos a saber que, depois, houve compromissos assumidos nessas negociações que de certa forma retomavam a forma inicial da resolução, com os ativos e passivos para serem vendidos em dois anos ou até menos”.

“Na madrugada de segunda-feira depois da resolução, percebemos que a dotação de capital do banco era insuficiente”, disse o ex-CEO. Vítor Bento, disse ainda que, “face às contingências que o banco tinha a dotação de capital que foi feita não era suficiente”.

A deputada do CDS disse que na ata da reunião de 14 de agosto de 2014, o Conselho de Administração diz que a dotação de capital do Novo Banco era insuficiente.

Já antes, na audição do CFO do banco, João Moreira Rato, um deputado invocou a entrega do Anexo 28 que dia que com as contas que são apresentadas para a recapitalização chegava-se a um rácio de CET1 de 7,8%, o que faltava para chegar a 8% seria entre 80 a 100 milhões e euros.

Vítor Bento explica que a equipa de gestão não foi envolvida no “próprio processo de resolução, a separação de ativos e a estimativa de necessidades de capital”.

Porque considerava que o dotação de capital era insuficiente? Questionou a deputada ao que o gestor respondeu: “aquilo que eram as preocupações e que aumentaram a ideia que o capital era insuficiente era que os valores do balanço provisório tinham sido calculados com base nas contas de 30 de julho. Mas esse mês de julho trouxe uma desvalorização assinalável na participação na PT. Terá sido superior a 100 milhões de euros”, mais precisamente 106 milhões.

Além disso, refere o “impacto das exposições indiretas”, como o papel comercial e as obrigações cujo impacto “ainda não estava devidamente clarificado”.

Depois, “o capital dotado estava demasiado à pele e isso era negativo para os ratings do banco e era negativo na avaliação que as contrapartes faziam da atividade”, referindo-se ao mercado monetário interbancário.

Já João Moreira Rato tinha calculado que o banco precisaria de mais de três mil milhões de euros além dos 4,9 mil milhões que foram injetados no Novo Banco quando foi criado após a resolução do BES.

O “Jornal de Negócios” noticiou nesta segunda-feira, citando documentos internos de trabalho do Novo Banco, que o capital inicial que foi injetado na instituição financeira que saiu da resolução do BES permitiu que cumprisse os requisitos mínimos exigidos para o rácio de capital total, na altura de 8%. O banco apresentou, então, um rácio de 10,28% (phased-in). No entanto, este rácio recuaria para 5,85% numa base fully implemented (assumindo a plena implementação do quadro CRD IV-CRR / Basel III).

Ainda segundo o Negócios, já então, tendo em conta as exigências regulatórias em vigor em 2017 – com o mínimo a fixar-se nos 13,25% –, o Novo Banco precisaria de mais 3,6 mil milhões de euros para cumprir os requisitos exigidos, mostram os dados.

Assim, a instituição financeira agora liderada por António Ramalho teria necessitado de uma injeção inicial de 8,5 mil milhões de euros para que pudesse estar até 2017 sem ser necessária uma nova capitalização. Ou seja, precisaria de mais 3,6 mil milhões do que os 4,9 mil milhões de euros que era o capital inicial do Novo Banco.

As necessidades de capital muito superiores a 4,9 mil milhões de euros implicariam uma injeção muito maior do Fundo de Resolução (que não tinha receitas), de que Pedro Duarte Neves foi o primeiro presidente, e inevitavelmente a um maior empréstimo do Estado, que foi na altura de 3,9 mil milhões de euros.

“Durante o fim-de-semana [da resolução], quadros do banco estiveram envolvidos com o Banco de Portugal para fazer a divisão de ativos – e dessas conversas iam transpirando coisas. E julgo que a dada altura houve a ideia de que o capital seria de 5,5 mil milhões – não sei em que termos essa informação nos chegou, foi informalmente”, diz Vítor Bento. Só na segunda-feira percebeu que seria menos, diz Bento, lembrando que não participou nesse trabalho.

“Nós só soubemos o montante de capital inicial com que iria ser dotado o Novo Banco, durante o fim de semana da resolução. Não tivemos envolvimento nesse processo”, disse

Sobre a capitalização do Novo Banco, reconheceu que essa era uma preocupação do Banco Central Europeu (BCE).

Sobre a recapitalização pública, e em resposta ao deputado socialista Miguel Matos que confrontou o ex-CEO do Novo Banco, pelo facto de ter sido informado de que a linha de capitalização pública estaria disponível. Essa afirmação foi substanciada e por referência a uma disponibilidade do Governo?” Vítor Bento responde que “nunca fomos informados de qualquer envolvimento do Governo na decisão em si”.

No dia 30 de julho de 2014,  numa reunião com a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que terá esclarecido que a recapitalização pública do Novo Banco não era uma possibilidade. Porque implicava remédios da DG Comp no âmbito de um acordo do Estado com Bruxelas.

“Saímos da reunião com a convicção que não iriamos contar com o apoio do Estado”, disse.

No dia seguinte o BCE prepara-se para retirar na segunda-feira seguinte o estatuto de contraparte e pedir ao BES para reembolsar ao banco central os 10 mil milhões de euros.

“No dia 1 às 8 horas da noite sou informado da resolução numa reunião do Banco de Portugal”, disse.

Vítor Bento diz que não tem recordação de ter havido um contacto do BCE (ou do Banco de Portugal) a dizer que o banco teria de encontrar um investidor privado até ao fim da semana (após a divulgação das contas) e que o acesso às linhas ELA (emergency liquidity assistance) iria ser retirado.

“As nossas memórias, por vezes, também são feitas de sensações”, disse a certa altura Vítor Bento.

“A necessidade de recapitalização rápida foi-nos transmitido pelo Banco de Portugal, deram-nos dois dias”, o que era impossível, recorda Vítor Bento, admitindo que não pode confirmar se foi dito ou não à gestão que o BCE tinha limitado o acesso do BES às linhas de emergência de liquidez do banco central.

“Em dois dias, não era possível [arranjar um investidor privado] e penso que o Banco de Portugal sabia que não era possível”, diz Vítor Bento, voltando a dizer que ficou “muito surpreendido” com o teor daquela carta, que colocava um prazo “humanamente impossível” para fechar a entrada de um investidor no banco.

“Provavelmente, se eu tenho mantido a exigência de entrar só depois das contas aprovadas, não teria chegado a entrar“, lembrou Vítor Bento, dizendo que só no final de uma auditoria encomendada à PwC se percebeu melhor a valorização do balanço do banco.

“Eu não queria ser o agente de liquidação do banco”, disse Vítor Bento.

A resposta desfavorável do Novo Banco à Ongoing na PT para emprestar os títulos no âmbito da AG

A 8 de setembro de 2014, o Novo Banco votou a favor da fusão entre a PT e a Oi e isso gera uma perda de valor de mercado do ativo de cerca de 106 milhões de euros.

Questionado sobre o momento em que a Ongoing pediu para votar na PT (com ações penhoradas), Vítor Bento diz que se recordava relativamente bem deste processo. “Tratava-se da assembleia-geral da PT que iria discutir a fusão com a Oi, e as ações da Ongoing estavam penhoradas ao Novo Banco. A Ongoing solicitou-nos a autorização para usar essas ações como votantes”.

“Estudámos o assunto e a opinião dos serviços era favorável mas – isto foi tratada em duas reuniões do conselho de administração – para nós foi claro que não deveríamos emprestar os títulos à Ongoing, pois seria incorrer num risco. Depois houve, salvo erro, um recurso da decisão, e nós pedimos opinião ao conselho fiscal e voltámos a decidir contra”, disse Vítor Bento.

Vítor Bento diz que os interlocutores terão ficado muito “agastados” com a decisão contrária. “Pois, não estavam habituados”, ironiza Cecília Meireles.

Recorde-se que  o Crédit Suisse acionou a garantia que o BES tinha dado a um equity swap relativo a um fundo da Ongoing, razão pela qual o banco teve suportar a perda. O Crédit Suisse reclamou da Ongoing 216 milhões de euros, uma quantia que estava garantida pelo BES. Como a Ongoing não pagou, o Novo Banco teve de pagar.

Vítor Bento explicou ainda que a garantia do Estado angolano não era para a linha de mercado monetário de exposição do BES ao BESA, mas sim sobre os créditos do BESA, e que o Banco de Portugal estava a tentar, precisamente, uma garantia que cobrisse a exposição do BES ao BESA que era materializada pela linha de crédito ao BES Angola. Essa garantia não existia.

O BES tinha uma linhas de crédito de mercado monetário ao BESA que eram à volta de 4,5 mil milhões de dólares.

O BNA apenas escreveu ao BES a perguntar se acompanhavam um aumento de capital do BESA.

Tal como já tinha contado João Moreira Rato, o ex-CEO disse que em julho o BNA já tinha pedido a recapitalização do BESA, e o BES tinha de dizer se acompanhava. Na altura estava marcada uma viagem para Angola, dia 4 de agosto, para Vítor Bento e José Honório, para falar com governador do BNA.

“No dia 22 recebemos uma carta do vice-governador do Banco Nacional de Angola (BNA) a falar da necessidade de reforçar o capital do BESA na ordem de 2,6 mil milhões de euros”, e que “ou acompanhávamos o aumento de capital, investindo mil milhões de euros [para manter a posição acionista], dinheiro que não tínhamos” ou, então, “não se acompanhava o aumento de capital, perdia-se posição acionista e deixava-se de se poder acompanhar a questão da garantia”.

O consenso foi que não acompanhássemos o aumento de capital mas que procurássemos assegurar a garantia. Isso foi dito às autoridades angolanas – “a resposta de Angola veio imediatamente: não recusava mas eram dois assuntos separados e precisavam de uma decisão imediata“.

Então, “eu entendi que andarmos a trocar cartas não nos ia levar a lado nenhum e propus ao governador do BNA ir a Angola, ter uma conversa franca, e preparávamo-nos para ir a Angola”. Entretanto, porém, surgiu a resolução no fim-de-semana de 3 agosto.

Vítor Bento recorda, ao falar sobre a validade da garantia angolana, que “foi realizado um aumento de capital com essa garantia, ninguém a pôs em casa, nenhum regulador a pôs em causa”. Depois explicou que a exposição do BES ao BESA nunca foi provisionada antes da resolução, pelo que o BdP considerou válida a garantia angolana.

A garantia estatal “irrevogável” aos créditos do BESA, desapareceu depois da Resolução do BES. O Estado angolano cancelou-a.

O Banco de Portugal não conseguiu fazer uma análise rigorosa – numa perspetiva prudencial – do valor da garantia angolana, porque o BdP não teve acesso aos anexos da garantia, que listava os créditos concretos que a garantia cobria, explicou Luís Costa Ferreira, do Banco de Portugal, numa das primeiras audições a esta comissão.

“O BNA até dia 23 de julho garantiu ao BdP que o reembolso da linha de crédito do BES ao BESA não estava em risco, admitindo apenas uma reestruturação em termos de maturidade”, disse Costa Ferreira na altura.

Vítor Bento: “Vender ativos não é o mesmo que ir à feira da ladra”

O ex-CEO do banco disse que o então BES contratou o Deutsche Bank para fazer a venda de ativos (a otimização do balanço), antes da resolução, o que passava por vender algumas subsidiárias do BES, como o BESI, entre outros. Mas “a venda de ativos não é a mesma coisa que ir à feira da ladra” e “não é linear que essas vendas tivessem um impacto positivo em capital, algumas teriam um valor negativo”, disse ao deputado do PS, Miguel Matos.

Mas a resolução travou esse processo, e o Fundo de Resolução contratou depois o BNP Paribas para vender o banco de transição, Novo Banco.

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