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Vítor Bento: “Não tive responsabilidade nem na divisão de ativos nem no capital do Novo Banco”

“Hoje pouca gente terá dúvidas de que o que defendíamos teria sido provavelmente o mais indicado”, disse o ex-CEO do banco que defendeu a recapitalização gradual do Novo Banco com recurso a investidores privados. “O capital dotado [para o Novo Banco] estava demasiado à pele. E isso era negativo para o rating do banco”, disse Vítor Bento esta terça-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito.
23 Março 2021, 20h49

Vítor Bento esclarece os deputados na Comissão de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, que quando refere que não foi envolvido no processo de resolução não está a fazer uma crítica, “é para deixar claro que não tive responsabilidade neste processo. Nem responsabilidades no cálculo de capital, nem na divisão dos ativos”, frisou.

A gestão de Vítor Bento previa uma recapitalização a cinco anos, e houve uma vontade de Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, em fazer alterações à legislação que permitissem acomodar esse plano. Essas alterações à lei bancária foram feitas.

“Os acontecimentos subsequentes validaram a visão que tínhamos para todo este processo. Hoje pouca gente terá dúvidas de que o que defendíamos teria sido provavelmente o mais indicado”, disse o ex-CEO do banco que defendeu a recapitalização gradual do Novo Banco com recurso a investidores privados.

“Se houvesse uma vontade política efetiva, muito determinada, do Estado” em obter outra solução que não aquela resolução talvez tivesse sido possível uma alternativa”, defendeu também, sublinhando que a Europa “só queria que não houvesse um banco a dar problemas”.

O economista já antes tinha dito que “as autoridades europeias têm muitos defeitos mas não são estúpidas. Quando as coisas são explicadas com projeto credível, fundamentado, as coisas podem ser possíveis – viu-se com a Caixa Geral de Depósitos”.

No entanto disse também que as autoridades impuseram que o banco fosse vendido, no máximo, em dois anos, enquanto o ex-presidente do Novo Banco pretendia um prazo mais alargado, de cinco anos, para que fosse possível recuperar a instituição. O que Vítor Bento associou a um certo interesse europeu pela consolidação transfronteiriça.

Vítor Bento disse ainda aos deputados que “não tinha razões para duvidar” da boa fé das pessoas que tomaram a decisão de fazer uma resolução ao BES. “Ainda hoje faço o auto de fé de que as pessoas acreditavam que a informação era boa”, disse.

“Quando a resolução é aplicada, eu já não sou presidente do BES e ainda não sou o presidente do Novo Banco. Quando digo que não fui envolvido, não estou a duvidar da legitimidade disso, só estou a sublinhar que não tive responsabilidade na divisão de ativos e no capital”, reforçou.

O CEO que liderou o BES desde julho de 2014 até à resolução, e depois no Novo Banco, nas primeiras semanas até meados de setembro, altura em que saiu do banco, disse que deixou a gestão depois de a instituição estar relativamente estabilizada e a desencadear o processo de venda imediata.

Uma vez estabilizado o banco, “era altura de nós sairmos”. Vítor Bento defendeu que a nova equipa poderia ter “margem de manobra” maior.  A equipa seguinte foi liderada por Eduardo Stock da Cunha.

“Começámos a perceber que estávamos num projeto sem capital, sem acionista empenhado, com estas imprecisões e estas frustrações de expectativas, isso ia criando desgaste na própria relação”, confessou o ex-CEO do banco.

“Quando a resolução me foi comunicada [pelo Governador], eu achava que era nuns termos – depois é que constatámos que não era bem assim, era mais complicado”, diz Vítor Bento, acrescentando que nunca lhe foi dada a garantia de que a liquidação estaria fora de questão. Foi mais um fator que levou Vítor Bento a sair porque não queria ser o agente da liquidação do banco.

A gestão de Vítor Bento queria uma recapitalização pública temporária, através do Fundo de Resolução, mas depois Vítor Bento percebeu que uma medida de resolução era “uma coisa mais complicada”.

A recapitalização pública, disse, implicaria sempre o bail-in dos acionistas, mas não está certo que implicasse também o bail-in a outros credores, como aconteceu na resolução.

“A decisão de resolução envolve alguma discricionariedade”, reconhece Vítor Bento. Na altura, estava em cima da mesa a possibilidade de recapitalização pública (forçada) – isso estaria previsto na lei – mas o ex-CEO volta a falar de uma opção fundada num fantasma (ser um novo BPN) e numa ilusão (a expectativa de valor do banco).

“O capital dotado [para o Novo Banco] estava demasiado à pele. E isso era negativo para o rating do banco”, já tinha dito Vítor Bento esta terça-feira, 23 de março, na Comissão Parlamentar de Inquérito.

“Eu na altura não tinha uma contra-avaliação, tinha apenas dúvidas sobre o valor, achava que aquela dotação de capital não era suficiente para a viabilidade de longo prazo”, admitiu Vítor Bento.

Esse capital serviria para um cenário de vender o banco em seis meses, mas era claramente insuficiente para o funcionamento do banco a longo prazo, repetiu Vítor Bento.

“Relativamente ao capital, os 4.900 milhões podiam ter sido suficientes para uma solução na ótica que foi originalmente proposta – se esses ativos e passivos pudessem ser vendidos rapidamente, os 4.900 milhões poderiam ter sido suficientes, era possível”, disse o ex- CEO do Novo Banco.

O Conselho de Administração do Novo Banco, em 14 de agosto de 2014, expressou a sua opinião que a dotação inicial de capital do Novo Banco se afigurava insuficiente e procuraram evidenciar isso junto do Banco de Portugal.

Segundo alguns deputados, a 9 de setembro o BdP delibera não considerar os ajustamentos do Asset Quality Review, então em curso, naquilo que eram os cálculos das necessidades de capital.

Vítor Bento também defendeu que a retirada do estatuto de contraparte não levava necessariamente a determinar uma resolução. Citou o caso de bancos na Irlanda que ficaram a usar a ELA (linha do Banco de Portugal) por um longo período de tempo.

O ELA é uma responsabilidade do banco central nacional, para que essa esteja a ser utilizada, o banco central nacional tem de ir informando o BCE. Há algumas condições, nomeadamente se o rácio de capital descesse abaixo dos mínimos legais é preciso que haja uma proposta credível de recapitalização para justificar a utilização da linha.

O banco foi criado com um capital que cumpria o rácio de capital à pele, de 8,3%, mas depois, no balanço de abertura (em dezembro de 2014), o rácio de capital inicial é de 9,2%. Como? Porque entretanto foram anuladas provisões que tinham sido constituídas para a exposição ao GES, para algumas obrigações e para o BESA cujo capital ficou no banco mau. Isto acrescido da recapitalização com as obrigações da Oak Finance, deu 3,6 pontos ao rácio de capital, segundo Vítor Bento.

O Oak Finance era um veículo criado pelo Goldman Sachs que emprestou 835 milhões de dólares ao BES pouco tempo antes do colapso do banco. O Goldman Sachs defendeu em tribunal (e perdeu) que essa dívida devia ser paga pelo Novo Banco apesar de o Banco de Portugal ter decidido transferir a dívida para o BES em 2014.

Vítor Bento explicou que inicialmente a resolução previa que o Novo Banco não fosse sequer um banco, mas sim um conjunto de activos e passivos que seriam vendidos a outros bancos. O ex-CEO do banco se lembra de ter ouvido dizer que havia a expectativa de o banco ser vendido com desconto de 80% a 90% face ao book value e que nessa perspectiva não precisava de muito capital.

“Nunca disse que os 4,9 mil milhões de euros não eram suficientes no quadro da resolução, porque se o banco tivesse sido vendido em seis meses, como estava previsto, se calhar esse capital chegava”, admitiu o ex-CEO do Novo Banco.

O deputado do PCP, Duarte Alves, confrontou Vítor Bento com as declarações públicas em janeiro de 2018, altura que defendeu que “pelas minhas contas, a solução para o BES vai custar uns 10 mil milhões” e deixou a pergunta “o que teria acontecido se o valor tivesse sido adiantado antes da resolução?”. O ex-CEO do BES disse nessa mesma entrevista de 2018, que o Fundo de Resolução é do Estado e que a ideia que o fundo que é dos outros bancos “é uma ficção”.

Uma posição crítica muito mais radical do que a que assumiu nesta inquirição na Comissão de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

Para Vítor Bento este instrumento, que dizem que é detido pelos bancos “é uma ficção”, disse em 2018. Pois, o Fundo de Resolução é uma entidade na esfera do Estado que é financiada pelas contribuições dos bancos, mas a necessidade de intervir para resgatar o BES e o Banif, no quadro das regras da união bancária, obrigou o Estado a emprestar dinheiro ao fundo para financiar estas operações. Em 2018, Vítor Bento defendeu que a venda do Novo Banco ao Lone Star não gerou meios para o Fundo, e os seus financiadores, os bancos, têm de reembolsar o empréstimo ao Estado.  A solução encontrada pelo atual Governo, para evitar uma penalização excessiva dos bancos, foi a de prolongar o prazo do empréstimo ao Fundo de Resolução até 2046.

Em resposta ao deputado comunista, Vítor Bento justificou com “os desenvolvimentos subsequentes”, o valor a que chega em 2018 na entrevista, salientando a soma das capitalizações que houve nos últimos anos (reforços de capital que o banco precisou). Depois houve, ainda, custos indiretos como o aumento dos juros da República que se seguiu às perdas impostas aos credores seniores no final de 2015.

Mas havia elementos para dizer que o capital inicial era não só “à pele” mas muito, muito insuficiente? Pergunta o deputado. “Hoje temos muito mais informação, por muito que considerasse na altura pouco capital, não sei se na altura apontaria para os 10 mil milhões”, diz Vítor Bento. “Nestas coisas tendo a acreditar na boa fé e quero crer que quem teve de fazer as avaliações na altura acreditou nessas valorizações”, disse.

Sobre a subcapitalização do Novo Banco, já antes, Vítor Bento tinha dito ao deputado do PSD, Hugo Carneiro, que tinha dito que “naquelas circunstâncias, ficar abaixo do rácio de capital mínimo podia ter consequências muito grandes do ponto de vista de intervenção”.

Por isso, disse, defendeu uma almofada (o capital acima dos rácios exigidos), porque que “não é só uma questão de conforto para o gestor, mas também para o mercado. Porque se o rácio de capital estiver muito à pele a probabilidade de ficar abaixo do rácio é muito grande. E naquelas circunstâncias ficar abaixo do rácio podia ter consequências muito grandes do ponto de vista de intervenção”. Isso reflete-se nos ratings. “As agências de rating não sobem o rating. Não subindo, a perceção das contrapartes sobre a atividade do banco também vai piorar. As linhas de mercado monetário ou ficam mais escassas ou mais difíceis”, repetiu.

Mas por que é que o capital era insuficiente? “Aquilo que eram as preocupações e que aumentaram a ideia que o capital era insuficiente era que os valores do balanço provisório tinham sido calculados com base nas contas de 30 de julho, mas esse mês de julho trouxe uma desvalorização assinalável na participação na Portugal Telecom, superior a 100 milhões de euros”, referiu Vítor Bento na CPI.

Vítor Bento afirmou ainda, que sentiu que mais tarde sentiu que houve uma campanha mediática montada para o transformar no “bode expiatório” de todos os problemas.

Mas, citou que “os estoicos ensinam que é melhor sofrer um mal do que fazer um mal”.

Sobre a venda da Tranquilidade sem passar pela assembleia-geral (Fundo de Resolução) Vítor Bento defendeu a decisão da sua equipa de gestão lembrando que o Fundo de Resolução estava na órbita do Banco de Portugal que não se opôs à venda da seguradora.

Portanto, quando confrontado sobre se devia ou não ter sido submetido a venda ao aval do acionista, o Fundo de Resolução, disse que “a decisão cabia ao conselho de administração” e que “submeter a assembleia-geral seria uma forma de evadir às nossas responsabilidades” e, dizendo-se plenamente “confortável” com esta decisão.

Vítor Bento desmente a oposição do Conselho Fiscal a que a decisão de venda da Tranquilidade fosse apenas do Conselho de Administração e não da Assembleia Geral, invocada pelo deputado Duarte Alves, dizendo que aquele Conselho Fiscal disse apenas que “era preferível” ir à Assembleia Geral.

A recapitalização urgente da Tranquilidade, sob pena de perder a licença do ISP, impedia que se suspendesse e prolongasse o processo de venda à Apollo, esclareceu Vítor Bento.

Sobre a elegibilidade da garantia angolana, relativamente ao BESA, Vítor Bento disse não ter memória de que o BdP tenha garantido explicitamente que essa garantia era elegível.

Já sobre as consequências de ter decidido não ir ao aumento de capital do BESA, Vítor Bento explicou que “ir a jogo implicava empatar mais de mil milhões de euros em capital, dinheiro que nós não tínhamos, numa altura em que já estávamos a recorrer excessivamente à ELA. Era muito difícil que o Banco de Portugal autorizasse empréstimos da ELA para ir pôr no capital de um banco em Angola”. Qual a consequência de irmos a jogo? Lançou Vítor Bento aos deputados. “Tínhamos a garantia de reaver aquele capital? Ou ia ser absorvido num processo de resolução (do BESA) subsequente. Ninguém sabe”, concluiu o ex-presidente do BES. “Estávamos disponíveis para diluir a participação no BESA desde que o nos fosse dada a garantia estatal na linha de crédito do BES ao BESA”, explicou ainda. Mas os dois assuntos foram separados e ficou tudo adiado para uma reunião presencial em Angola, em 4 de agosto, que nunca aconteceu porque entretanto deu-se a resolução do BES.

A resposta dada ao BNA foi acordada com o Banco de Portugal, garantiu.

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