Em breve iremos atingir a marca dos 50 anos de democracia em Portugal. Não saímos da cauda da Europa e mesmo os países do Leste que a União Europeia (UE) foi absorvendo, nas últimas décadas, uns atrás dos outros, acabam inevitavelmente por ultrapassar-nos. Seremos, portanto, um projeto falhado? Perguntas complexas devem, antes de mais, ser colocadas. Sem medo das respostas, sejam quais forem. Até porque estas tampouco se preveem simples.

Imaginemos, então, um homem que no próximo 25 de abril se tornará finalmente um cinquentão, em plena crise de meia-idade. Que lhe passará pela cabeça ao fazer a barba de manhã?  Dependerá dos dias, claro está.

Ao contrário do que possam pensar, as segundas-feiras até devem ser otimistas. Que orgulho sentirá ao ver-se ao espelho, enquanto ajeita a gillette: “Tornei-me um país do camandro. Tenho hoje mais licenciados que a média europeia. Só em arquitetos, tenho quase tantos como a China. Sou o maior produtor de bicicletas da UE, o terceiro maior produtor de tomate, o quarto maior produtor de arroz, o sétimo maior produtor de lítio e um recordista nas energias fofinhas. Ameaço partir a loiça com proteina de insecto. E atenção que a semana ainda agora começou!”

Depois vem terça, quarta, quinta…, mas Portugal não perde a motivação. Entre duas pausas para o café, pela manhã, uma boa pausa de almoço e mais uma pausa para a mini, a meio da tarde, vai-se lembrando das glórias alcançadas na bola: “Ainda há poucos anos ganhei um Campeonato da Europa e uma Liga das Nações. Tenho treinadores fantásticos, jogadores fabulásticos, o Ronaldo ainda mexe e qualquer dia ganho o Mundial!”

O problema é a sexta-feira, quando sabe que à noite vai beber um copo com os amigos. Com que cara os irá enfrentar: “Ai, o meu PIB per capita, tão longe da média europeia… que nojo me mete essa Lituânia, essa Chéquia, essa Eslovénia, esse Chipre! Todos cheios de mania, ostentando o Excel na tela do tablet. O que vale é a Letónia, a Grécia e a Bulgária, ainda têm de comer muito Nestum para cá chegar…”.

A desgraça alheia dá-lhe forças para a jantarada. Mais consolado fica ao ver a própria França e Alemanha a saltar os canapés, dividir uma pizza familiar e pedir um Gordon’s, sem sobremesa: “Há uns anos pediam Tipplemill, mas já no ano passado andavam a ‘compartir’, como dizem nuestros hermanos. Pois é, meus caros, a inflação é escorregadia, não dá para camuflar. A crise toca a todos e ninguém é mais que ninguém no apocalipse.” Vai dormir bem-disposto.

Sábado fica de ressaca, mas com um bichinho atrás da orelha. Lembra-se das gargalhadas que reteve nos dentes. Será que as toparam? Sim, a Espanha, a Itália e a Grécia certamente as toparam. Mas ele também topou as delas. Afinal, todos partilhamos o ditado “Chi non piange, non mamma”, “El que no llora, no mama” ou “quem não chora não mama”. Quão hilariante é ver a Alemanha a chorar, agora, com crescimentos de -0,3%. Só há um pequeno problema: se a Alemanha chora, vai mamar de quem?

A crise toca a todos e ninguém é mais que ninguém no apocalipse. Subitamente, estas sentenças passam a não ter gracinha nenhuma. Desperta a midlife crisis: “Quem é esta gente com quem me casei? Que vida me trouxe? Será que apenas foi bom enquanto durou? Não haverá economias mais jovens por aí, talvez alguma economia de Leste? Ou da América Latina? Há dias, vi um desfile dos BRICS bem melhor que os da Victoria Secret. E agora com a ideia de lançar uma moeda lastreada em ouro. Ouro? Epá, nem me falem em ouro, eu tinha tanto… Como será o mundo financeiro daqui a 20 anos?

Multipolar? E eu ficarei onde, no deserto da Europa do Sul? Tenho saudades de Angola. Vou telefonar. Isso. Se eu agora lhe aparecer com menos uns anos em cima, talvez dê. Grande ideia. Vou regredir uns aninhos, vestir um fato de costureiro nacional e usar chapéu. O tradicional é o novo hip. Quando ela me vir, lembrar-se-á do que éramos e… Não, melhor não. Angola, não. Já deu bronca no tempo do Sócrates. Que se passa com a minha cabeça? Mas, então, quem? Quem? Vou viver do quê?”

A manhã de Domingo é um tormento. Nada, porém, que não se resolva com frascos de xanax e prozac. Ao fim do dia, logo se nota o efeito: “Viver de quê? Viver de Abril, é disso que vou viver! Viva o 25 de Abril! 25 de Abril sempre! E agora vou dormir que amanhã é segunda-feira…”.