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Vizinhos ou senhores da casa grande?

Entre o caráter simbólico e o efeito mediático, presença de Felipe e Letizia em solo português é boa ocasião para avaliar as relações.
  • REUTERS / Sergio Perez
28 Novembro 2016, 09h58

Que haja desconfiança entre vizinhos, é parte integrante do quotidiano dos mais comuns cidadãos. Quando esse perfil de vizinhança se alarga a países, ainda por cima com diferentes dimensões e uma História com vários conflitos, como acontece com Portugal e Espanha, multiplica-se o espírito desconfiado, acrescido de um olhar muitas vezes preconceituoso do que é maior. A visita dos reis espanhóis a solo português esta semana terá carácter mais simbólico, mesmo que o relacionamento entre países esteja num bom momento.

José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia na Universidade de Coimbra, deixa a interrogação: “Aqui ao lado está um vizinho ou o senhor da casa grande?” E sustenta: “A ‘iberização’ da economia portuguesa foi a grande novidade da integração dos dois países na CEE. Se antes de esta se desenhar a taxa de cobertura das importações pelas exportações era aterradoramente baixa, a seguir a 1986 gravitou em volta dos 50% e só depois de 2003 se consolidou acima deste valor, para nos últimos anos se fixar na casa dos 60%, ou seja, enorme dependência produtiva.”

“As relações entre Portugal e Espanha, desde a reinstauração das respetivas democracias, são muito fortes do ponto de vista económico, em função da enorme integração entre os dois países, via União Europeia”, opina Filipe Vasconcelos Romão, professor de Relações Internacionais na Universidade Autónoma.

“Politicamente, as relações têm beneficiado de algum reforço quando há bom entendimento entre o presidente do Governo espanhol e o primeiro-ministro português, como havia entre Cavaco Silva e Felipe González ou entre José María Aznar e António Guterres. Do ponto de vista estrutural, Espanha tende a olhar para Portugal como um vizinho menor e Portugal tem uma enorme desconfiança histórica em relação a Espanha”, acrescenta.

Romão defende ainda que “as visitas dos monarcas são essencialmente simbólicas. O rei de Espanha não tem poder executivo no quadro constitucional do seu país. Mas estas visitas, pelo efeito mediático que geram e pelo efeito de arrastamento que exercem sobre o setor empresarial, dão visibilidade à relação entre os dois países”.

Um contexto difícil
O docente refere que “Felipe assumiu a chefia de Estado num momento delicado para a monarquia espanhola, tendo em conta o enorme desgaste de Juan Carlos I (seu pai e antecessor). Foi esse desgaste do anterior rei, tido por muitos como o ‘pai’ do regime democrático espanhol, a permitir que Felipe VI encontrasse espaço próprio, enquanto regenerador da monarquia, dando-lhe mais transparência e, sobretudo, mais sobriedade. Não pode haver espaço para caçadas em África e ofertas de iates e carros de luxo (como as que eram feitas a Juan Carlos I) num país com uma taxa de desemprego de 25%”.

Romão salienta a mudança de avaliação da monarquia com a chegada de Felipe ao trono. “As estatísticas disponíveis indicam que a popularidade da monarquia subiu. As monarquias dependem muito da opinião pública: ao não existir um vínculo democrático direto e ao existir um automatismo em relação à chefia do Estado, a exigência para quem ocupa a função é cada vez mais elevada. A Europa atravessa crise profunda desde 2008 e Espanha não escapou. O desafio que se colocou ao novo chefe de Estado passava por autonomizar-se do antecessor e consolidar uma imagem própria. Isso está a ser conseguido e é dessa afirmação que depende a monarquia. A prova está a ser superada, mas, em Espanha, a instabilidade política tem sido regra no último ano e isso também pode afetar a forma de Estado.”

José Reis conclui: “Já que falamos de monarquia, também sabemos agora qual é a coroa disto mesmo – é a tomada de posição da Espanha no setor financeiro, em particular no bancário. Fica composto o ramo, em que também pode entrar a própria mobilidade do trabalho, assunto reintroduzido nos últimos anos na nossa vida coletiva da forma dependente que se sabe.”

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