Numa cultura que declarou guerra aos costumes, à natureza e ao realismo, reina um assustador desinteresse em passar a tocha da vida à geração seguinte.
Passar a tocha da vida significa passar experiência e sabedoria de geração em geração, tanto no domínio das relações humanas como no domínio da relação entre Estados, protegendo a sobrevivência e continuidade nas melhores condições possíveis e procurando evitar que as pessoas repitam erros desastrosos.
Na manhã em que o mundo acordou com a retumbante vitória de Donald Trump sobre a candidata democrata Kamala Harris, ficou evidente o fracasso da estratégia eleitoral de terminologia explicitamente woke. Qualquer pessoa de bom senso conseguiria prever o fracasso daquele estilo de actuação que se limitava a tentar capitalizar eleitoralmente a identidade sexual e racial da fraca candidata. Ainda que, ao ser questionada sobre os principais desafios demográficos e económicos, tivesse mais gargalhadas do que respostas, Kamala mantinha a presunção de que lhe bastaria espicaçar sentimentos de vitimização para colher o apoio dos eleitores que se sentissem oprimidos pelo patriarcado, pelo colonialismo, pela heterossexualidade ou pelo legado civilizacional do homem branco.
Porém, a candidata foi tramada pela conjugação de dois factos desfavoráveis: primeiro, ser amplamente desprovida de qualidades expectáveis num líder político, como a sagacidade, a firmeza, a confiabilidade e a ousadia em tempos de incerteza; segundo, ser candidata num momento em que o wokismo não tem mais lenha por onde arder e em que a população passa a repudiar uma agenda com a qual nunca se identificou.
Atravessamos uma época carente de propósitos, carente de sentido colectivo, necessitada de estabilidade afectiva e de previsibilidade face ao mundo e face aos outros. Homens e mulheres saturados da mediocridade e da frouxidão hedonista dos tempos modernos não querem ouvir falar de uma suposta discriminação múltipla por camadas – aquilo que os académicos da revolução woke designam de “interseccionalidade”. Querem, no fundo, “regressar a casa”.
É natural que os elementos mais equilibrados e sensatos da sociedade aspirem a um retorno à normalidade e que rejeitem a terminologia tóxica que tem o propósito de semear discórdia, desconfiança e neuroses nas mentes mais desprevenidas. A realidade é o que é, não é aquilo que desejamos que ela passe a ser à imagem da nossa imaginação. O moralismo puritano da geração woke vai dando sinais de falência, mas será que estamos a virar a página do wokismo?
Ainda que esta possa ser uma loucura passageira que se autodestruirá, não há dúvida de que esta loucura deixa um rasto de destruição humana por onde passa e a culpa não morre solteira. Existem culpados entre aqueles que promoveram activamente uma agenda inimiga da vida, da biologia, da vitalidade, da família, da reciprocidade nas relações, do mérito, do heroísmo, da virilidade, da liberdade de iniciativa e da liberdade de expressão. Por tudo isto, promover ou consentir a agenda woke é sinal de grande irresponsabilidade, sobretudo para com as gerações mais novas e as vindouras.
Além de tudo isto, a mentalidade maniqueísta e religiosa dos guerreiros woke aplica-se também aos eventos políticos internacionais, na forma como os interesses e os conflitos entre Estados são interpretados e descritos no espaço mediático. Assim, quando se junta o idealismo inconsequente com a paixão por experimentalismos na vida dos outros, aumenta a probabilidade de pessoas inocentes serem obrigadas a arcar com as consequências de uma escalada belicista evitável.
Mas para a mente simplista e dogmática da era do wokismo, se o “evitável” implica ceder, então está fora de questão negociar e o combate deve prosseguir até ao último homem. A retórica moralizante da Administração Biden, no momento em que queima os últimos cartuchos do seu mandato, é representativa da arrogância fatal que ignora a imensa complexidade e imprevisibilidade na ordem internacional, no permanente jogo de influências, expansionismos e sobrevivências.
Conforme refere Alain de Benoist em O que é a Geopolítica, “quer sejam marítimas ou continentais, as grandes potências são conduzidas à expansão territorial. Do ponto de vista geopolítico, isto aparece como uma fatalidade. Faz parte dos caracteres «biológicos» do Estado: a lógica da vida ordena-lhe que se estenda.”
Assim como a potencialidade biológica de cada pessoa não pode ser reprimida por muito tempo às mãos de quem pretende neutralizar os desígnios da natureza, assim como os anseios por convivência, amor e cooperação social não podem ser adormecidos para sempre, também os princípios da geopolítica prevalecem acima da visão séptica da guerra e acima dos discursos que opõem heróis a vilões, benfeitores a malfeitores. Em todos estes casos, a única forma de permitir que a tocha da vida passe tranquilamente de geração em geração, é declarando guerra à arrogância fatal que teima em afastar as sociedades ocidentais de uma conduta sensata e realista.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.