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A política externa do PCP ficou congelada no tempo da Guerra Fria?

Quando os assuntos internacionais vão a votos no Parlamento, o PCP parece regressar ao passado: sempre a favor dos russos e contra os norte-americanos.
30 Abril 2017, 13h00

Voto de condenação pela perseguição da população LGBT na Chechénia? Abstenção do PCP, isolado no Parlamento, a 21 de abril de 2017. Condenação de ataque com armas químicas na Síria? Voto contra do PCP, juntamente com o PEV, a 7 de abril de 2017. Condenação da situação de 17 ativistas angolanos sentenciados a penas de prisão efetiva, “por co-autoria de atos preparatórios para uma rebelião,“ consubstanciada na leitura de um livro proibido? Voto contra do PCP, ao lado do PSD e do CDS-PP, a 31 de março de 2016. Entre outros exemplos.

Forma-se assim um padrão: o PCP está sempre alinhado com os interesses geopolíticos da Rússia (principal herdeira da defunta URSS), em contraposição às “operações de desestabilização” engendradas pelas potências ocidentais e ao “imperialismo” dos EUA. Mais, o PCP não aceita “ingerências nos assuntos internos de estados soberanos” – exceto quando envolvem a Rússia, como as intervenções militares na Geórgia (2008) e na Ucrânia (2014) – e defende os regimes que se auto-proclamam como socialistas, comunistas ou bolivaristas (China, Coreia do Norte, Angola, Cuba, Venezuela, etc).

Como no tempo da Guerra Fria, antes da queda do muro de Berlim e subsequente dissolução da URSS. Não mudou nada? “O PCP é um partido comunista clássico e mantém as suas posições em política externa, mesmo após o fim da Guerra Fria, com grandes elementos de continuidade: os EUA são a principal potência imperialista; os regimes ditatoriais, quer formalmente socialistas como a China, ou mesmo ainda socialistas como Cuba, são aliados; as chamadas ditaduras ‘não alinhadas’, como a Síria ou o antigo Iraque, são regimes anti-imperialistas soberanos; e por aí fora. Ou seja, para resumir, o velho quadro de alinhamento internacional mantém-se vivo no PCP, embora o mundo tenha mudado,“ salienta António Costa Pinto, politólogo e professor do ICS da Universidade de Lisboa.

Por seu lado, José Milhazes, jornalista e autor de vários livros sobre a Rússia e a URSS, considera que estas posições poderão ter várias explicações. “Uma delas é a completa cegueira ideológica do PCP, que alguns consideram ser coerência e que consiste em achar que Vladimir Putin é o reconstrutor da União Soviética, o mais forte dirigente mundial que se pode opor ao ‘imperialismo’ norte-americano. Além disso, existe uma posição comum da Rússia e do PCP face à União Europeia: ambos querem o seu enfraquecimento ou destruição.”

Faz sentido que o PCP se mantenha leal à Rússia, compactuando com o atual regime liderado por Putin? “O renascimento da Rússia como regime autoritário desafiante de Washington na esfera internacional tem o apoio do PCP. Não é uma questão de fazer sentido ou não. O dado interessante é que o PCP continua a ser um partido que não é pós, pré ou pró, mas simplesmente comunista,“ responde Costa Pinto.

Na perspetiva de Milhazes, a política externa do PCP “deixou de evoluir depois da Guerra Fria. Anteriormente, seguia as instruções de Moscovo. Ou seja, Moscovo invadia o Afeganistão e Álvaro Cunhal apoiava. O Kremlin impunha o estado de emergência na Polónia e o PCP estava a favor. Neste momento, o PCP continua a considerar que o mundo é bipolar, sendo a Rússia um dos polos, o bom, e os Estados Unidos outro, o mau. A pobreza intelectual deste partido é cada vez mais evidente, não sendo capaz de gerar novas ideias”.

Quanto à situação específica de Angola, Costa Pinto recorda que “o PCP foi o principal apoiante do regime angolano desde a independência. Ainda que o regime angolano tenha mudado de natureza, apesar da grande continuidade das suas elites, o PCP continua a defendê-lo. Ou seja, enquanto a direita [PSD e CDS-PP] o faz por pragmatismo de relações económicas externas, o PCP fá-lo por continuidade perante um partido dominante, quase ‘irmão’”.

Ao passo que Milhazes entende que “não são razões históricas e ideológicas, mas novamente cegueira política. Os dirigentes do PCP não querem ver que o mundo mudou e continuam a achar – ou a fazer de conta – que o regime cleptocrata do MPLA se rege pelo marxismo-leninismo. Tendo em conta o caráter bizarro dessa posição, não se pode pôr de lado também algum interesse económico”.

 

No outro lado do espelho

Questionado sobre o alinhamento com a Rússia, o deputado comunista Miguel Tiago ressalva que “o posicionamento do PCP é determinado com base no direito internacional, no princípio da resolução pacífica dos conflitos, nos termos da Constituição da República Portuguesa. Todos os países ou forças políticas que se orientem pelos princípios da Carta das Nações Unidas, respeito pelo direito internacional e pelo princípio da resolução pacífica dos conflitos terão posições semelhantes.”

Mas o PCP revê-se nos atuais regimes políticos da Rússia, China, Coreia do Norte ou Angola? “Não nos revemos nem deixamos de rever, cada país deve traçar e definir os seus próprios caminhos,“ responde Miguel Tiago. “O projeto do PCP é para Portugal, é apresentado aos portugueses. E sobre esse projeto não é possível identificar qualquer semelhança com aquilo que no plano da comunicação social se caracteriza os países referidos. O projeto político em que o PCP se revê é o que consta no seu programa, sem decalques ou modelos, propondo um caminho português para uma democracia avançada e construção do socialismo definido em função das condições objetivas com que os portugueses se confrontam.”

De acordo com Miguel Tiago, “o PCP não defende a intervenção ou agressão externa como forma de resolução de problemas. Destruir países com base na acusação de que o seu Governo é mau ou corrupto ou autoritário mostrou ser uma táctica do imperialismo norte-americano, muito eficaz para os EUA e devastadora para os povos.”

Sobre a questão dos presos em Angola, explica o deputado, “o PCP apresentou uma declaração de voto onde expressa bem o que levou ao voto contra. Além da questão do total desrespeito pelo sistema judicial angolano que esses votos mostravam – colocando a Assembleia da República na estranha posição de exigir a um governo estrangeiro que intervenha no processo judicial, contra o respeito pela separação de poderes –, os votos ignoravam a permanente campanha que tem sido desenvolvida em torno de diversos países, inserida na estratégia mais vasta de ingerência e perturbação externas com vista, geralmente, à substituição de governos.”

“No que respeita à Chechénia,” Miguel Tiago diz que “apesar de ser plausível que naquela região possa existir desrespeito por direitos de pessoas homossexuais, algo que o PCP condena e combate, não há elementos que permitam concluir que é o Governo da República da Chechénia que dirige e protagoniza tais práticas. Não há nada que comprove que a Chechénia tenha uma política de repressão, perseguição, tortura e extermínio de pessoas homossexuais.”

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