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António Leitão Amaro: “Com este Governo não há reformas do país, desapareceram”

Versão integral da entrevista ao ex-secretário de Estado da Administração Local que retornou às funções de deputado do PSD e tem dado a cara na defesa de uma política económica alternativa, fiel à estratégia do Governo anterior. “Portugal é um país adiado na resolução dos seus problemas de fundo,” alerta.
Cristina Bernardo
9 Maio 2017, 09h23

Acaba de ser revelado que a dívida pública portuguesa voltou a aumentar em março, totalizando cerca de 243 mil milhões de euros, o valor mais elevado nos últimos seis meses. Como é que isto se enquadra na onda de otimismo do atual Governo?

A dívida é uma das faces visíveis dos problemas da estratégia que este Governo está a implementar. Basicamente, vários custos das decisões que toma são atirados para a frente, sob a forma de dívida. Há três fenómenos, todos preocupantes, com a dívida pública. Um é esse, o aumento do valor global da dívida, tanto o valor absoluto como em percentagem do PIB. Segundo é que há cada vez menos procura de dívida pública portuguesa por estrangeiros. Isso é preocupante, lembra-nos sinais de outros tempos. E o terceiro, tão grave quanto termos mais dívida é ela custar cada vez mais. Com este Governo, o custo médio das emissões de dívida aumentou cerca de 30% em relação a 2015. Esta diferença a mais, que fica para toda a vida da dívida, é aquilo que os portugueses vão ter que pagar a mais em impostos, no futuro. A dívida já era um problema sério, mas está a ser agravado por estas três vias. Com o Governo anterior, Portugal chegou a ter as taxas a 10 anos a 1,5%. Com este Governo já ultrapassaram os 4,2%…

 

Mas até que ponto é responsabilidade direta das políticas deste Governo e não deriva da volatilidade dos mercados e da evolução da situação económica internacional?

Há uma medição nas taxas de juro. Há um componente da taxa de juro que é feito especificamente para avaliar o risco do país. É o chamado “spread” da dívida. Ou seja, o juro tem duas partes: a parte do risco de mercado que reflete a evolução global e a parte que revela especificamente a apreciação que os investidores fazem do desempenho do país. Nessa segunda parte, as políticas económicas são o principal factor. Ora, na parte específica de Portugal, foi onde nós tivemos o pior desempenho. Portugal tem o pior desempenho em toda a Europa, nos juros da dívida pública, desde que este Governo entrou em funções…

 

Nesse indicador específico, do “spread” da dívida…

Em primeiro lugar, o juro em geral. Desde o final de 2015, início de 2016, os juros de Portugal aumentaram muito mais do que em qualquer outro país. Há gráficos que demonstram que países comparáveis, que tiveram programas de resgate e saíram, ou que têm níveis de dívida elevados, como Itália, Irlanda, Espanha, em comparação, os juros de Portugal foram os que subiram mais. Ou seja, Portugal tem um desempenho muito pior do que todos os outros, há aí um indicador, desde logo. Em segundo lugar, dentro do juro global há um componente que é o “spread”, a diferença do juro nacional face ao juro base do mercado. Normalmente, a referência são as obrigações alemãs. Nesse factor específico nacional, o desempenho português é também o pior, muito pior do que os outros. Claro que há factor de incerteza, a política do Banco Central Europeu, incerteza nas relações internacionais, na economia, nas lideranças, nas situação política, tudo isso afeta os países e reflete-se nas taxas de todos os países. Só que depois há um componente nacional e, quando o desempenho de um país é muito pior do que todos os outros países e o indicador de avaliação específica – o “spread” – revela uma diferença dramática, mais do dobro de agravamento, quando a maior parte dos países reduziram os juros…

 

Com este Governo, nós não temos ainda uma reforma sequer que contribua para a aceleração da atividade económica, do investimento, do crescimento. Não há reformas do país, desapareceram! O acordo político que existe entre os partidos da esquerda, provavelmente, não ajuda. E a ambição do Governo não é fazer reformas.

 

Que políticas concretas do atual Governo é que destaca como tendo contribuído para esse mau desempenho?

Acho que é um conjunto de políticas. A sustentabilidade da dívida pública depende obviamente do volume de dívida que tivermos e, depois, de dois grandes indicadores: o crescimento da economia, se a economia gera mais riqueza para pagar a dívida; e a outra é o saldo orçamental. Os problemas que eu vejo estão em ambas as políticas. Ou seja, ao nível das políticas económicas, por se terem parado as reformas, por se terem revertido várias… Basicamente, com este Governo, nós não temos ainda uma reforma sequer que contribua para a aceleração da atividade económica, do investimento, do crescimento. Não há reformas do país, desapareceram! O acordo político que existe entre os partidos da esquerda, provavelmente, não ajuda. E a ambição do Governo não é fazer reformas. Portanto, por um lado, as reversões e a falta de novas reformas fazem com que o crescimento seja insuficiente. Não apenas o crescimento presente, que é mais baixo do que no ano anterior, e abrandou o ritmo, como o crescimento futuro que é medido por uma coisa que é o PIB potencial. Depois, no plano da gestão das finanças públicas há duas variáveis: o défice, em que a redução obtida foi feita à custa de medidas extraordinárias, ou não repetíveis, o que deixa dúvidas, sem que tenha havido um ajustamento estrutural, que é a parte que não depende do ciclo económico; e a dívida pública global que aumentou por causa de decisões que se repercutiram diretamente na dívida.

 

Em suma, faz um balanço negativo da atuação do Governo?

Sim, mas repare, tudo isto numa altura em que nós tínhamos três ventos favoráveis, 2016 e 2017 trazem três ventos muito favoráveis. A conjuntura internacional da economia é a mais favorável. O crescimento da economia mundial – ao longo de 2016 e 2017 – é dos mais fortes que a Europa e o mundo ocidental têm desde há 10 anos. Primeiro vento favorável. Segundo, a política do Banco Central Europeu que ajuda, estimula a política económica e ajuda a política orçamental. E em terceiro lugar houve um período com o preço do petróleo muito baixo, que se manteve em níveis moderados, apesar de uma ligeira subida entretanto. Ou seja, com ventos tão favoráveis, a reação do Governo é desaproveitar a oportunidade. No plano do crescimento económico não faz mais reformas e reverte várias. Afugenta o investimento. Nós tivemos um quebra no investimento global em Portugal, em 2016. E no plano das finanças públicas, aumenta a dívida e a consolidação orçamental é feita com medidas pontuais e não repetíveis. Com um aspeto preocupante que é, além disso, mesmo ao nível da despesa, tomar uma decisão das mais erradas que é aumentar a despesa corrente, mais rígida, naturalmente para ir ao encontro de algumas cumplicidades e preocupações eleitorais. E faz uma quebra brutal, para o mais baixo da Europa, para mais baixo dos últimos 50 anos em Portugal, do investimento público, com prejuízo para os serviços públicos. Eu acho que é nesta combinação que está a resposta para as causas de o nosso crescimento não ser maior, a nossa consolidação orçamental não ser sustentável e a dívida pública não só crescer, como estar a ter os custos mais elevados.

 

Era só o que faltava que o partido do mesmo Governo que nos levou à bancarrota estivesse agora a repetir a mesma receita.

 

É uma oportunidade perdida por este Governo, o não aproveitamento dos três ventos favoráveis que refere?

Exatamente, nós hoje estamos a viver, com este Governo, um período de oportunidade perdida. São esses três ventos favoráveis, mais o facto de que nós vínhamos desde 2013 numa recuperação mais forte. Repare no que foi o crescimento da economia entre 2013 e 2014 e entre 2014 e 2015. Se essa evolução se mantivesse ao mesmo nível em 2016 e 2017, nós estaríamos a crescer muito mais, perto do nível da Espanha…

 

Mas Portugal tinha batido no fundo, atravessara o pico da crise e não deixa de ser natural que, nos primeiros anos de inversão, o ritmo fosse mais elevado. A base de comparação era mais baixa…

O pico da crise foi em 2012 e por isso eu não falei sequer da evolução de 2012 para 2013, em que esse efeito seria mais evidente. Repare, nós crescemos 1,6% em 2015 e 1,4% em 2016. Se olhar para o investimento, para as exportações, até para o consumo privado, para a redução do desemprego e crescimento do PIB, em todos estes indicadores, 2016 é pior do que 2015. O crescimento é mais fraco. E em vários destes indicadores, 2016 também é mais fraco do que 2014. Ora, pode usar-se essa expressão da oportunidade perdida que, na verdade, faz de Portugal um país adiado. Porque nós tínhamos ventos favoráveis. O país está com esta conversa simpática, discurso otimista…

 

Há um ambiente de desanuviamento, as pessoas sentem mais confiança, aumentou o consumo interno…

O país passou por uma situação dificílima. Era só o que faltava que o partido do mesmo Governo que nos levou à bancarrota estivesse agora a repetir a mesma receita. Portanto, há uma recuperação que se iniciou em 2013, que levava um certo ritmo, esse ritmo teve uma quebra em 2016 e o Governo não está a tomar nenhuma decisão, nenhuma reforma de fundo. Reverteu várias, aliás, que fizeram com que 2016 fosse um ano de quebra do ritmo. Desaproveitando os ventos favoráveis, resultando em oportunidades perdidas. E Portugal, na verdade, é um país adiado na resolução dos seus problemas de fundo.

 

As pessoas que estão hoje no Governo diziam naquela altura, em 2012 e 2013, que queriam mais tempo, mais dinheiro e mais “troika”.

 

No âmbito de uma leitura mais política, não havia uma forte vontade popular nesse sentido de reposição mais célere dos rendimentos, virando a página da crise económica e do resgate da “troika”? E isso não se reflete também nas sondagens atuais, com o PS cada vez mais próximo de uma putativa maioria absoluta?

Vamos por partes. A última vez que os portugueses foram chamados a participar na maior das sondagens, que são as eleições legislativas, reconheceram que as escolhas feitas pelo Governo anterior eram necessárias e acertadas. O Governo anterior fez um esforço enorme com os portugueses, pediu aos portugueses para fazerem um esforço enorme, para fazer sair a “troika” rapidamente. Lembre-se que as pessoas que estão hoje no Governo diziam naquela altura, em 2012 e 2013, que queriam mais tempo, mais dinheiro e mais “troika”. E nós pedimos um grande esforço aos portugueses, com enormes sacrifícios para muita gente, que doem… E depois conseguimos, terminado o programa de assistência, que a “troika” se fosse embora e a recuperação económica iniciou-se a um certo ritmo. Em 2013, a queda do PIB foi menor do que tinha sido no ano anterior. Começámos a ver o emprego a crescer e o desemprego a cair. E em 2014 há uma aceleração na redução do desemprego, no investimento, nas exportações que, aliás, foram sempre crescendo ao longo destes anos. Em 2015 crescemos 1,6% e depois essa situação abranda em 2016. E as pessoas quando votaram em 2015, viram essas duas fases do Governo do PSD e do CDS-PP. A fase dos sacrifícios para estancar a emergência, sair da bancarrota, e a fase em que começou a recuperação. E a verdade é que quando foram chamadas a eleições, naquele momento, foi ao PSD e não ao PS que deram o maior número de votos. É claro que cada pessoas, individualmente, quando se pergunta, qualquer pessoa prefere receber mais. Mas não é essa a escolha que os governos são chamados a fazer… É decidir aquilo que é melhor para, por mais tempo, de forma sustentável, dar crescimento e aumento de rendimentos, de forma duradoura. Pense só nisto: diz que a estratégia de 2016 mudou e implicava devolver alguns rendimentos, mas como é que se mede o rendimento do país? É pelo PIB, o rendimento global do país. Depois é esse que é utilizado para redistribuir, é esse que vai sustentar os sistemas públicos, vai pagar o Estado social… Quando é que o aumento do rendimento foi maior? Foi maior em 2015 do que em 2016.

Cristina Bernardo

O PSD assume então o ónus de uma política económica menos popular que considera ser a mais acertada?

O PSD sempre disse – e continua a dizê-lo, mesmo estando na oposição – que governa a pensar em todos, não em alguns, não num grupo de preferidos eleitorais. E não a pensar no curto prazo. Nós vimos o filme em 2009! Era ano de eleições e houve um Governo socialista que achou que o bom caminho era aumentar salários na função pública. Isso era muito popular e ia haver eleições. Além de outras benesses. Decidiram aumentar os salários da função pública em 2009, ano de eleições legislativas e autárquicas, para se chegar ao final desse mesmo ano e estarem a cortar esses salários porque o país estava a dar o estoiro. Ou seja, a nossa análise das escolhas é feita em função daquilo que dá ao país, no seu conjunto e no longo prazo, seguramente não a pensar na eleição de amanhã e nas sondagens, daquilo que dá mais riqueza ao conjunto do país, mais condições para repartir essa riqueza com mais equilíbrio.

 

As medidas que têm algum significado e dimensão são irrealistas, proibidas e implicavam um programa condicional.

 

Voltando à dívida pública: a proposta de reestruturação da dívida, apresentada pelo grupo de trabalho ligado ao PS e BE, pode ser uma solução eficaz?

Esse relatório tem dois méritos. O primeiro é demonstrar que o próprio relatório e toda aquela conversa sobre o perdão da dívida, a reestruturação unilateral, nunca deveria ter existido. A conversa do ‘não pagamos’ e ‘até lhes tremem as pernas.’ O segundo é ter posto o PS e o BE a reconhecerem que a política orçamental e económica deste Governo, com os resultados que está a atingir, não é sustentável. São os dois méritos…

 

A dívida já era insustentável, vinha de trás…

Repare, o que diz o relatório é que com as medidas e a política que está a ser seguida, o país e consequentemente os serviços públicos e as responsabilidades de dívida não são sustentáveis. É o cenário, um diagnóstico sobre as políticas deste Governo.

 

E quanto às medidas propostas, considera que não são exequíveis?

As medidas com maior dimensão, as chamadas ‘medidas europeias’, têm três problemas. Primeiro, são irrealistas, não têm apoio em nenhum dos principais países europeus. Segundo, as instituições europeias já vieram dizer que não são permitidas. Portanto, irrealistas no contexto político e proibidas à luz da legislação e tratados europeus. E em terceiro lugar, como estamos a ver na Grécia, por implicarem um perdão efetivo de juros, precisariam de um programa com condicionalidades. Isto é, mais um programa com compromissos nacionais. Ora, ninguém quer isto! Portanto, as medidas que têm algum significado e dimensão são irrealistas, proibidas e implicavam um programa condicional. O resto são as tais medidas para consumo nacional.

 

Que entende terem uma menor dimensão e alcance?

Sim. E há uma mistura de erros com medidas imprevidentes. Os dois casos mais exemplares são a questão das provisões do Banco de Portugal e a questão de encurtar os prazos da dívida nova. É o caminho errado, em ambos os casos. Além de terem pouca expressão. Repare, o aumento dos custos que o país já tem, da dívida a médio e longo prazo emitida desde o início de 2016 com este Governo, é superior ao alcance destas medidas de consumo nacional. Ou seja, enquanto o grupo de trabalho funcionou, os custos que foram gerados, e vão repercutir-se ao longo da vida dos empréstimos, são superiores às poupanças almejadas no relatório. O que um país prudente faz – ao nível da boa gestão da dívida pública – é conseguir empréstimos de mais longo prazo, a juros mais baixos. É o que nós estávamos a fazer em 2015…

 

Esta proposta também aponta nesse sentido.

Não, não, a proposta é ao contrário. Na parte da dívida portuguesa, em vez de dizerem que vamos alongar os prazos, como a estratégia deste Governo está a dar juros mais altos, dizem que vamos encurtar os prazos.

 

Ao nível do IGCP, recomendam que se faça emissão de dívida a curto prazo…

É o caminho ao contrário. Os países que começam a encurtar os prazos médios da sua dívida é porque estão a perder acesso a financiamento. Há uma redução da detenção de dívida pública portuguesa por estrangeiros. Sinal da fuga dos investidores estrangeiros. Um país responsável procura emitir dívida a mais longo prazo, com juros mais baixos. Este Governo está a fazer o contrário, aposta na dívida mais curta. É uma estratégia imprevidente e errada. Má gestão da dívida pública.

 

E quanto à proposta de diminuição das provisões do Banco de Portugal?

Há quatro problemas em relação a isso. Desde logo o risco excessivo. Quando nós temos, como dizia no início da entrevista, uma das dívidas mais voláteis, o nível de prudência tem que ser maior. Portanto, há um problema de imprudência. Mais, há um problema de interferência do Governo nas decisões de gestão do banco central independente. É por lei, é por tratados internacionais, que a relação do Estado com o banco central não é a do Estado acionista com uma empresa pública normal. É uma relação de maior independência…

 

O Governo do PS, com uma maioria de esquerda, acha que ou as instituições estão todas de acordo consigo, ou então não devem existir.

 

Este Governo não está a colocar em causa esse princípio de independência do banco central? As pressões para a demissão do governador, os condicionamentos das nomeações, o esvaziamento de competências…

Eu acho que o Governo não gosta de instituições independentes que tenham um pensamento e uma capacidade de gestão autónomos. É um princípio básico de uma democracia moderna que haja limitação de poderes. E isto faz-se, obviamente, não só pela relação entre os órgãos de soberania, mas também a existência de instituições independentes, entre as quais o Banco de Portugal. Ficou muito evidente, a dada altura, quando o ministro das Finanças disse no Parlamento que não acreditava na independência do supervisor financeiro. Não acredita! Mas voltando à questão das provisões, os outros dois problemas ainda desqualificam mais a conclusão do relatório. A medida, como é apresentada, não é para resolver nada na dívida. Querem ir buscar provisões para aumentar a despesa do ano, despesa corrente, não é para reduzir a dívida. Ou seja, é para o défice, não é para a dívida. Não tem nenhum impacto na dívida.

Cristina Bernardo

Ou seja, visa obter ganhos no curto prazo. E a independência do Banco de Portugal baseia-se precisamente na salvaguarda de políticas de médio e longo prazo…

Para não estarem ligadas aos ciclos eleitorais!

 

Nesse sentido, a forma como este Governo lida com o Banco de Portugal, colocando em causa a sua independência, poderá fazer parte da estratégia de obter ganhos no curto prazo? Para apresentar melhores resultados no imediato?

Eu acho que, em parte, é isso. É para afastar quaisquer vozes que chamem a atenção para as consequências duradouras. Mas também é uma certa maneira de estar na política e de ver a democracia. O Governo do PS, com uma maioria de esquerda, acha que ou as instituições estão todas de acordo consigo, ou então não devem existir.

 

O mesmo se aplica ao Conselho das Finanças Públicas?

Sim, é mais do mesmo. Tem previsão nas regras europeias, fez parte de um acordo entre o PS e o PSD… Mas é algo que até John Keynes, tão estimado por muitos socialistas, dizia que era necessário existirem nas democracias estas entidades vigilantes que pudessem ir dizendo ao país, ao povo, de uma forma independente, quais é que eram as consequências das políticas e das escolhas que estão a ser feitas.

 

Nós preferimos que o Governo socialista afinal já não se borrife para a consolidação orçamental e esteja preocupado com essas metas, preferimos isso, mas preferíamos ainda mais que o fizesse de uma forma sustentável e duradoura.

 

Relativamente ao Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo, estando alinhado com princípios macroeconómicos defendidos pelo PSD e obedecendo às regras impostas por Bruxelas, porque é que o PSD não votou a favor no Parlamento?

Há diferenças fundamentais. Importa salientar que ao Programa de Estabilidade acresce o Programa Nacional de Reformas, num pacote que foi discutido e votado no Parlamento. No Programa Nacional de Reformas, que é um dos lados, separa-nos um mundo. As esquerdas acham que não há reformas a fazer e mesmo as que foram feitas, mesmo estando a gerar resultados, veja-se o emprego, devem ser revertidas. Como é que se pode esperar que o país cresça muito mais, sem fazer nada por isso? É basicamente isto. O outro lado, das finanças públicas, temos a nossa divergência de caminho. Nós preferimos que o Governo socialista afinal já não se borrife para a consolidação orçamental e esteja preocupado com essas metas, preferimos isso, mas preferíamos ainda mais que o fizesse de uma forma sustentável e duradoura. Repare no seguinte e este é um dos pontos centrais: o país precisa de controlar a despesa para poder libertar recursos, gradualmente e de uma forma alargada e nos factores certos. Ora, se olhar para os três principais agregados de despesa, sobretudo da despesa corrente, desde logo os salários, há um aumento. Primeiro agregado, rígido, grande: salários. O que é que este Governo faz? Aumenta o número de funcionários públicos e aumenta os salários. Segundo agregado, o sistema de prestações sociais e pensões. Temos um problema demográfico evidente, o Governo recusa-se a olhar para ele… Se não se fizer nada, a despesa vai aumentar. Terceiro, os juros. O que é que o Governo fez neste ano e meio? Aumentar o custo médio do financiamento, os juros aumentaram. Ou seja, as escolhas de despesa, por um lado, tudo o que é rígido, corrente e de curto prazo, as escolhas do Governo fazem aumentar. Aquilo que era de fundo e poderia significar uma melhoria dos serviços públicos, um investimento para termos Estado social, para servir as pessoas, fazem um corte brutal no investimento público. É uma escolha completamente errada.

 

A consolidação orçamental não é suficiente para o PSD votar a favor?

Para nós é preferível que este Governo, ao contrário do que dizia no princípio, já valorize a consolidação orçamental, já valorize a meta, isso é melhor. Só que há uma parte que nos parece criticável: o caminho que está a ser feito não leva a que isto seja alcançado de uma forma sustentável. É por causa disso que se justifica o nosso voto.

 

O PS deslocou-se muito para a esquerda, dando força dentro do partido a pessoas mais radicais, da ala esquerda, que estariam normalmente no BE.

 

Há portanto uma discordância política substancial? Não se limita a uma estratégia de obrigar o BE e o PCP a assumirem sucessivamente o apoio ao Governo do PS, em busca de falhas na coesão da maioria parlamentar de esquerda?

A proposta de levar a votos não foi nossa. Repare que nós não temos nenhuma dúvida que esta é uma maioria coesa…

 

Mas tem sido essa a estratégia seguida pelo PSD.

Não creio, não creio. O presidente do PSD, o líder do grupo parlamentar, os deputados do PSD, eu próprio tenho dito várias vezes, nós não temos dúvidas nenhumas de que é uma maioria coesa. O que aconteceu no país foi uma aproximação mútua dos três partidos da esquerda. O PS deslocou-se muito para a esquerda, dando força dentro do partido a pessoas mais radicais, da ala esquerda, que estariam normalmente no BE. Por sua vez, o BE não se percebe bem em que partido é que se transformou, parece estar a passar uma mutação parecida com a do Syriza na Grécia…

 

Entretanto apresenta esta proposta de reestruturação da dívida que parece ser moderada, tendo em conta o que o BE defendia anteriormente…

Tal como o que aconteceu ao Syriza na Grécia. Quer dizer, o PS encostou-se à esquerda e os partidos de esquerda… O PCP finge menos, mas acaba por apoiar. O BE parece estar a fazer o caminho do Syriza, que é estar contente, gostar mais do Governo do que dos seus ideais.

 

O PSD está tranquilo, não cai na tentação de andar a fazer política para o curto prazo, vai assinalando as suas discordâncias e mostrando a sua diferença.

 

O PSD já não tem dúvidas de que a maioria parlamentar de esquerda é coesa e vai perdurar?

Nós não temos dúvidas. Repare, já no Orçamento de Estado anterior, o PSD disse a mesma coisa. Há meses e meses que oiço o presidente do PSD a dizer publicamente que não tem dúvidas de que esta maioria é coesa. A nossa estratégia é basicamente manifestar discordância quanto às escolhas erradas e ir apresentando alternativas de melhor governação. Isso vale para o crescimento económico, para que seja mais inclusivo, uma sociedade com mais oportunidades. E com um crescimento sustentável e duradouro, baseado em reformas. Uma política de finanças públicas mais sustentável, controlando a despesa, não reduzindo o capital do investimento do Estado. O crescimento económico mais assente em investimento e exportações. Portanto é um caminho diferente do deste Governo. Há dois modelos diferentes hoje no país. O PSD está tranquilo, não cai na tentação de andar a fazer política para o curto prazo, vai assinalando as suas discordâncias e mostrando a sua diferença.

 

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