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António Leitão Amaro: “Acabou a conversa do não pagamos”

Na perspetiva de António Leitão Amaro, a proposta de reestruturação da dívida tem dois méritos: acaba de vez com a bravata do “não pagamos” e leva o PS e o BE “a reconhecerem que a política orçamental e económica deste Governo não é sustentável”.
Cristina Bernardo
5 Maio 2017, 06h12

O ex-secretário de Estado da Administração Local retornou às funções de deputado do PSD e tem dado a cara na defesa de uma política económica alternativa, fiel à estratégia do Governo anterior. Excerto de uma longa entrevista (cuja versão integral será publicada na edição “online”), focado na questão da dívida pública.

A dívida pública portuguesa voltou a aumentar em março, totalizando cerca de 243 mil milhões de euros, o valor mais elevado nos últimos seis meses. Como é que isto se enquadra na onda de otimismo do Governo?
A dívida é uma das faces visíveis dos problemas da estratégia que este Governo está a implementar. Basicamente, vários custos das decisões que toma são atirados para a frente, sob a forma de dívida. Há três fenómenos, todos preocupantes, com a dívida pública. Um é esse, o aumento do valor global da dívida, tanto o valor absoluto como em percentagem do PIB. Segundo é que há cada vez menos procura de dívida pública portuguesa por estrangeiros. Isso é preocupante, lembra-nos sinais de outros tempos. E o terceiro, tão grave quanto termos mais dívida, é ela custar cada vez mais. Com este Governo, o custo médio das emissões de dívida aumentou cerca de 30% em relação a 2015. Esta diferença a mais, que fica para toda a vida da dívida, é aquilo que os portugueses vão ter que pagar a mais em impostos, no futuro. A dívida já era um problema sério, mas está a ser agravado por estas três vias. Com o Governo anterior, Portugal chegou a ter as taxas a 10 anos a 1,5%. Com este Governo já ultrapassaram os 4,2%…

Mas até que ponto é responsabilidade direta das políticas do Governo e não deriva da volatilidade dos mercados e da evolução da situação internacional?
Há uma medição nas taxas de juro, um componente que é feito especificamente para avaliar o risco do país. É o chamado “spread” da dívida. Ou seja, o juro tem duas partes: a parte do risco de mercado que reflete a evolução global e a parte que revela especificamente a apreciação que os investidores fazem do desempenho do país. Nessa segunda parte, as políticas económicas são o principal factor. Ora, na parte específica de Portugal, foi onde nós tivemos o pior desempenho. Portugal tem o pior desempenho em toda a Europa, nos juros da dívida pública, desde que este Governo entrou em funções.

A proposta de reestruturação da dívida, apresentada pelo grupo de trabalho ligado ao PS e BE, poderá ser uma solução?
Esse relatório tem dois méritos. O primeiro é demonstrar que o próprio relatório e toda aquela conversa sobre o perdão da dívida, a reestruturação unilateral, nunca deveria ter existido. A conversa do ‘não pagamos’ e ‘até lhes tremem as pernas.’ O segundo é ter posto o PS e o BE a reconhecerem que a política orçamental e económica deste Governo, com os resultados que está a atingir, não é sustentável.

E quanto às medidas propostas, considera que são exequíveis?
As medidas com maior dimensão, as chamadas ‘medidas europeias’, têm três problemas. Primeiro, são irrealistas, não têm apoio em nenhum dos principais países europeus. Segundo, as instituições europeias já vieram dizer que não são permitidas. Portanto, irrealistas no contexto político e proibidas à luz dos tratados europeus. E em terceiro lugar, como estamos a ver na Grécia, por implicarem um perdão efetivo de juros, precisariam de um programa com condicionalidades. Isto é, mais um programa com compromissos nacionais. E ninguém quer isto! Portanto, as medidas que têm algum significado e dimensão são irrealistas, proibidas e implicavam um programa condicional. O resto são as tais medidas para consumo nacional.

Que entende terem uma menor dimensão e alcance…
Sim. Há uma mistura de erros com medidas imprevidentes. Os dois casos mais exemplares são a questão das provisões do BdP e a questão de encurtar os prazos da dívida nova. É o caminho errado. Além de terem pouca expressão. Repare, o aumento dos custos que o país já tem, da dívida a médio e longo prazo emitida desde o início de 2016 com este Governo, é superior ao alcance destas medidas de consumo nacional. Ou seja, enquanto o grupo de trabalho funcionou, os custos que foram gerados – e vão repercutir-se ao longo da vida dos empréstimos – são superiores às poupanças almejadas no relatório. O que um país prudente faz  ao nível da boa gestão da dívida pública – é conseguir empréstimos de mais longo prazo, a juros mais baixos. É o que nós estávamos a fazer em 2015…

Esta proposta não aponta também nesse sentido?
Não, não, a proposta é ao contrário. Na parte da dívida portuguesa, em vez de dizerem que vamos alongar os prazos, como a estratégia deste Governo está a dar juros mais altos, dizem que vamos encurtar os prazos.

Recomendam que o IGCP emita dívida a curto prazo…
É o caminho ao contrário. Os países que começam a encurtar os prazos médios da sua dívida é porque estão a perder acesso a financiamento. Há uma redução da detenção de dívida pública portuguesa por estrangeiros. Sinal da fuga dos investidores estrangeiros. Um país responsável procura emitir dívida a mais longo prazo, com juros mais baixos. Este Governo está a fazer o contrário, aposta na dívida mais curta. É uma estratégia imprevidente e errada. Má gestão da dívida pública.

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