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Carros elétricos serão catalisador de mudança em todo o mundo

Quando combinados com sistemas de condução autónoma e novas ferramentas de mobilidade, os carros elétricos levarão a mudanças de fundo em todas as áreas de negócio ligadas ao automóvel. Da petrolífera à seguradora, passando pelo retalho e mesmo pelo estacionamento.
Denis Balibouse/Reuters
23 Setembro 2017, 12h03

Há 10 anos, a Apple lançava o iPhone e alterava completamente o paradigma das comunicações, transformando toda a indústria e gerando mesmo novas, como a indústria de conteúdos para os smartphones. Com uma ajuda da tecnologia de condução autónoma e das novas ferramentas de mobilidade – como as apps tipo Uber ou de partilha de automóveis, como a DriveNow – os veículos elétricos preparam-se para fazer o mesmo e alterar totalmente o eixo sobre o qual gira o globo, deixando de fora toda a indústria petrolífera.

A chegada de modelos elétricos disponíveis “on demand” tem o potencial de transformar a forma como as pessoas viajam e colocar em causa as previsões de que os veículos elétricos terão um impacto limitado na procura por petróleo nas próximas décadas.

As petrolíferas já estão alerta para esta possibilidade. David Eyton, responsável de Tecnologia na britânica BP, afirmou em entrevista à Bloomberg que, por si só, os modelos elétricos poderão não representar uma grande ameaça, mas “quando se adiciona o car sharing, os números poderão ficar consideravelmente maiores”.

Mudança sistémica
Apesar de a maioria dos analistas acreditar que o abandono do petróleo nos transportes acontecerá de forma gradual, alimentada pelos avanços na capacidade das baterias e no aumento dos custos da matéria-prima, as grandes variações económicas nunca acontecem de forma calma e faseada.

Regressamos novamente ao que aconteceu há dez anos. De um momento para o outro, o iPhone não ofereceu ao consumidor apenas uma nova forma de fazer chamadas, antes criou toda uma nova indústria e gigantes como a Rovio Entertainment (e os seus Angry Birds) ou a WhatsApp Inc, com a app homónima. Foi a própria base do negócio das comunicações móveis que se alterou e deixou de fora históricos como a Nokia ou a BlackBerry.

Os componentes desta mudança já existem. Os carros elétricos são uma realidade comum a todos os construtores de automóveis e empresas como a Uber, a Cabify ou a Lyft, estão a transformar o transporte automóvel num serviço à medida dos clientes, ao mesmo tempo que a Waymo está a testar modelos totalmente autónomos nas ruas da Califórnia ou do Arizona, nos EUA.

Falta apenas combinar as três – através, por exemplo, de um investimento da Alphabet na Lyft – para termos um novo modelo de transporte, barato o suficiente para ser uma verdadeira alternativa à tradicional posse de um automóvel.

Gestão de custos
E porque não montar todos estes sistemas em modelos munidos de motores de combustão? Por um lado, porque os modelos elétricos aguentam melhor a utilização intensiva que este tipo de mobilidade implica, mas também porque os custos com o “combustível” são incomparavelmente menores e podem – veja-se o exemplo dos carregamentos por indução – ser realizados sem intervenção humana. E há ainda que contar com os custos de manutenção, também eles muito menores face aos modelos “tradicionais”. A título de exemplo, o motor elétrico do Chevrolet Volt tem apenas três partes móveis, enquanto um típico motor de quatro cilindros tem nada mais nada menos que 133.

De acordo com a Bloomberg, será já em 2020 que os modelos elétricos atingirão valores de compra inferiores aos modelos equivalentes a gasolina. Ao mesmo tempo que a Uber planeia que o seu serviço UberX em Londres seja híbrido ou elétrico já em 2019 (caso consigam renovar a sua licença para operar naquela cidade), a Lyft quer ser responsável por mil milhões de viagens em veículos elétricos e autónomos já em 2025, apontando que este tipo de veículos pode ser utilizado de forma muito mais eficiente que os modelos térmicos. A combinação destes fatores criaria uma verdadeira disrupção no paradigma de mobilidade, abrindo horizontes a serviços de subscrição de automóveis, o verdadeiro “car as a service”.

Obstáculos autónomos
Apesar das várias semelhanças, a transição para veículos totalmente elétricos e autónomos não acontecerá tão depressa como a revolução proporcionada pelo iPhone. A culpa é dos vários obstáculos regulatórios, legais e éticos que se colocam no caminho desta transição, que levam a que a Bloomberg preveja que, apesar de a tecnologia de condução autónoma estar disponível já em 2020, não deverá ser totalmente adotada antes de 2030.

Apesar disso, a agência diz que a mudança para veículos elétricos deverá ser responsável por uma diminuição de oito milhões de barris na procura diária de petróleo até 2040, um valor superior aos sete milhões de barris que a Arábia Saudita agora exporta diariamente. Tal terá um impacto significativo no preço desta matéria-prima. Recorde-se que a quebra de 1,7 milhões de barris no consumo diário de petróleo causada pela crise de 2008/2009 levou a que os preços descessem dos 146 dólares por barril para os 36 dólares.

Apesar do grande rombo que possam ter nas suas finanças, os gigantes petrolíferos como a BP ou a Exxon Mobil não deverão ter à sua espera o mesmo destino que a Nokia. Estas empresas dependem muito do petróleo de que a indústria dos transportes necessita (mas atenção que a Tesla está prestes a apresentar o Semi, o seu camião elétrico, e a Daimler tem já ferramentas de condução autónoma nos seus Freightliners) e consegue importantes receitas da transformação de petróleo noutros produtos químicos e da venda de gás natural e geração de energias provenientes de fontes renováveis, duas áreas que poderão sair extremamente beneficiadas com a mudança para os veículos elétricos e a crescente procura por eletricidade.

Em suma, ao contrário do que aconteceu com as empresas de telemóveis, que foram apanhadas de surpresa pelo lançamento de um novo produto, as empresas ligadas ao automóvel, desde as petrolíferas aos construtores, passando pelas tecnológicas e de componentes, têm tempo para – se não quiserem perder o comboio – se preparar para o impacto ou mesmo alargar o seu leque de negócios a toda uma panóplia de novos serviços de que os consumidores necessitarão. Basta estar atento e aberto à mudança.

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