Grande parte dos dados macroeconómicos é estável e varia pouco de trimestre para trimestre. Mudanças abruptas e oscilações violentas em indicadores como o Produto Interno Bruto (PIB), a taxa de desemprego ou a inflação podem acontecer, mas durante a maior parte do tempo é dolorosamente aborrecido observar estas séries estatísticas. De facto, estes indicadores são tão monótonos que se presenciarmos variações assinaláveis convém perguntar se não haverá alguma coisa de errado na forma como estamos a olhar para os dados. A publicação da Balança de Pagamentos de junho, feita na semana passada pelo Banco de Portugal, fornece um bom exemplo disto mesmo.
Os dados em questão referem-se à Balança Corrente e de Capital, que toma nota de todas as relações da economia portuguesa com as economias estrangeiras, independentemente da sua natureza (importações, pagamento de dividendos ou outros rendimentos, fundos europeus, etc., etc.). Segundo o Banco de Portugal, entre janeiro e junho o resultado combinado destas balanças foi de -635 milhões de euros, o que se traduz num défice externo e, na prática, significa que no primeiro semestre a economia portuguesa gastou mais do que aquilo que produziu (e daí a necessidade de gerar um défice nas relações com o exterior).
Há boas razões para se estar preocupado com a evolução deste indicador – e, de resto, o tom de alarme foi o que prevaleceu na maioria das notícias publicadas esta semana sobre o défice externo. Uma dessas razões é o facto de entre 2013 e 2016 Portugal ter conseguido acumular saldos positivos nestas balanças, mudando radicalmente o padrão de despesa que vigorou durante o período do euro, e que se traduziu em défices volumosos e persistentes. Por exemplo, de 2001 a 2010 as relações económicas de Portugal com o exterior implicaram sempre défices a oscilar entre os 5% e os 11% do PIB. Nos anos seguintes, o défice foi sendo paulatinamente reduzido até se tornar num superavit em 2013. A revelação, pelo Banco de Portugal, de que os desequilíbrios externos estão de volta não invoca memórias agradáveis.
Mas nem tudo o que parece é. E se é verdade que no primeiro semestre o défice externo se cifrou de facto nos 685 milhões de euros divulgados na Balança de Pagamentos, não é menos verdade que isto está longe de ser uma novidade: mesmo nos anos de superavit, ou seja, 2013-2016, os primeiros seis meses foram marcados por desequilíbrios. A razão é simples: os pagamentos de rendimentos ao exterior estão concentrados na primeira metade do ano (provavelmente como resultado do pagamento de dividendos a acionistas estrangeiros de empresas nacionais) e as receitas nacionais obtidas com o turismo estrangeiro são encaixadas sobretudo na segunda metade (julho e agosto). O que acontece entre janeiro e junho é, por isso, muito pouco revelador do que vai acontecer entre julho e dezembro.
É por isso que o Banco de Portugal publica outra série de dados, menos conhecida, mas não menos importante: a Balança de Pagamentos corrigida de sazonalidade. De acordo com estes dados, que tentam expurgar todos as oscilações que dizem respeito a acontecimentos sazonais, a Balança Corrente e de Capital do primeiro semestre registou, em vez de um défice de 685 milhões, um excedente na casa dos 1.140 milhões de euros (ver gráfico nestas páginas). Ainda não nos permite dormir sossegados (a dívida acumulada no passado continua a ser enorme), mas é uma realidade bem diferente da que se vê olhando para dados não ajustados.
Entre outras coisas, a Balança de Pagamentos de junho também revela outras conclusões interessantes:
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