Entre as várias barracas do Bairro de San Agustín, em Caracas, na Venezuela, distingue-se o El Helicoide, um edifício de aspeto espacial que originalmente havia sido planeado para ser o primeiro centro comercial do mundo aberto à circulação automóvel. Ao invés de seguirem a pé, os clientes deslocar-se-iam de automóvel pelo centro comercial, estacionando à porta das lojas que desejavam visitar.
A história deste estranho edifício é descrita num livro publicados pelas historiadoras Celeste Olalquiaga e Lisa Blackmore, “Downward Spiral: El Helicoide’s Descent from Mall to Prison” (“Espiral Descendente: A Passagem do El Helicoide de Centro Comercial a Prisão”, em tradução livre).
O edifício foi desenhado pelo arquiteto Jorge Romero Gutiérrez, que se terá inspirado na Torre de Babel e no planetário proposto por Frank Lloyd Wright’s, o Gordon Strong Automobile Objective, afirma Olalquiaga ao Business Insider (BI). As obras iniciaram-se em 1956, numa altura em que a companhia petrolífera estatal da Venezuela apresentou ganhos significativos, relativos à venda de petróleo aos aliados da Segunda Guerra Mundial. O Governo da altura também investiu fortemente na construção deste peculiar centro comercial. “Vamos construir (…) um super-projeto com Romero Gutiérrez. Uma montanha de lojas, com rampas!”, escreveu Dirk Bornhorst, sócio de Gutiérrez, em 1955.
A valia deste projeto foi reconhecida um pouco por todo o mundo. o poeta Pablo Neruda chegou mesmo a chamar-lhe “uma das criações mais refinadas a sair da mente de um arquiteto”. Os planos de construção previam 320 lojas e dois elevadores, bem como rampas de duas faixas. Além disso, estavam ainda previstos um concessionário, uma gasolineira, uma oficina e uma lavagem de carros, mas também galerias, um ginásio, um infantário, piscina, sete salas de cinema e uma pista de bowling. Apesar da planeada grandeza, o projeto foi abandonado em 1958, depois do colapso da ditadura de Pérez Jiménez.
Votado ao abandono, tornou-se propriedade do Governo em 1975, sendo utilizado, entre 1979 e 1982, para albergar cerca de 500 famílias desalojadas, que habitavam contentores colocados dentro do edifício. No entanto, em 1984, uma agência policial local – o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) – tomou conta do edifício e transformou-se numa prisão para presos políticos, atividade que mantém até hoje.
Entre janeiro de 2014 e junho de 2016, um relatório revelado por uma ONG local – o Fórum Penal Venezuelano – afirma que tanto o SEBIN como a Guarda Nacional Bolivariana são responsáveis por 145 casos de tortura e tratamento desumano. Relatos semelhantes são fornecidos por antigos prisioneiros, que identificam algumas das práticas que acontecem no El Helicoide: choques elétricos, espancamentos e enforcamentos por largos períodos de tempo.
“O El Helicoide é um paradoxo incrível, tão futurístico e, ao mesmo tempo, tão retrógrado no seu uso, afirma Olalquiaga. “Nos anos 60, a Venezuela estava no caminho para se tornar um dos países de topo na América Latina, mas a sua modernização foi feita à custa de uma vasta maioria de pessoas que viviam na miséria, precisamente no tipo de bairros de lata que atualmente rodeiam o edifício”, continua Olalquiaga. “Caso o processo de modernização tivesse sido mais inclusivo socialmente, a Venezuela estaria numa situação diferente. Mas, para muitos venezuelanos, o El Helicoide tornou-se um símbolo de tortura”, conclui.
Atualmente, de acordo com o BI, existem pelo menos 340 prisioneiros políticos naquele edifício, incluindo estudantes que recentemente participaram nos protestos anti-Maduro.
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