A empresa que forneceu ao fisco o software informático que realiza a transmissão de dados relativos às transferências para offshores já enviou o relatório final à Inspecção Geral de Finanças (IGF) com as suas conclusões. Uma anomalia de ligação de softwares é apontada pela multinacional Informatica como estando na base da informação das 20 declarações, apresentadas pelos bancos, ter chegado apenas parcialmente ao sistema de controlo da Autoridade Tributária (AT), escapando ao seu radar 10 mil milhões de euros de operações. A IGF aguarda agora parecer do Instituto Superior Técnico (IST), que deverá ser emitido na próxima semana, para consolidar relatório final da auditoria que será entregue até 23 de junho.
O envio do relatório definitivo, a 25 de maio, pela Informatica, e os novos prazos para a entrega da auditoria encomendada pelo Ministério das Finanças para investigar as falhas de controlo nas transferências para offshores entre 2011 e 2014 – foram comunicados ao Parlamento, no final de maio, pelo Inspector Geral das Finanças, Vítor Braz.
No documento, a que o Jornal Económico teve acesso, é feito o ponto de situação sobre a auditoria da IGF ao Sistema de Informações e Controlo das Declarações Transfronteiriças pela AT, em resposta a um pedido da Comissão de Orçamento e Finanças, de 19 de maio, depois de ter sinalizado, numa fase inicial, que o relatório da IGF deveria ser apresentado em março.
Ainda que neste ponto de situação da IGF, enviado a 30 de de maio aos deputados, não seja revelado o conteúdo do relatório da multinacional norte-americana, o Jornal Económico sabe que a Informatica sinaliza problemas informáticos na interacção do software de transmissão de dados (PowerCenter) com outras ferramentas informáticas que estão ligadas ao PowerCenter e que impediram que mais de 21 mil operações realizadas entre 2011 e 2014 chegassem ao sistema central, num total de cerca de 10 mil milhões de euros que ficaram ocultos no sistema da AT.
Segundo fonte próxima do processo, em causa poderão estar falhas informáticas na conjugação de peças de software quando interligadas com outras de outro fabricante, o que é o caso, dado que o PowerCenter interage com dois outros softwares: um que também é da Informatica (o PowerExchange) e um segundo software, pertencente a outro fabricante norte-americano.
É, assim, apontada uma anomalia informática no tratamento das declarações Modelo 38, que os bancos enviam anualmente ao fisco a dar conta de cada uma das operações de transferências de dinheiro para contas sediadas em paraísos fiscais, que levou, em vez de serem registadas transferências no valor de 16.900 milhões de euros, só foram processadas cerca de 7.100 milhões. Em causa estão 20 declarações de operações transfronteiriças que não foram objeto de qualquer tratamento pelo Fisco, e que correspondem a cerca de 9.800 milhões de euros, dos quais 7,8 mil milhões (80%) dizem respeito a apenas três declarações do BES.
A discrepância global foi detectada no final de 2016, após uma actualização do sistema informático em junho do mesmo ano e divulgada no início deste ano pelo jornal Público aquando da actualização das estatísticas de transferências para offshores face à primeira publicação em abril de 2016. A primeira divulgação estatística, segundo avançou a directora geral da AT no Parlamento, não deixava evidência de que uma parte da informação não passava do sistema local para o central.
IGF alarga âmbito da auditoria
Esta divergência levou o Governo a solicitar, no final de dezembro do ano passado, uma auditoria à IGF, que, entretanto, alargou o seu âmbito com peritagens solicitadas ao Técnico. As conclusões desta auditoria chegaram a estar previstas para março. Mas a complexidade técnica do problema informático ocorrido com o processamento das declarações sobre transferências para offshores (que levou à colaboração do IST) está na base do atraso na divulgação deste relatório que ainda esta semana levou a eurodeputada Ana Gomes a questionar o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre se existe alguma justificação para tardar o relatório.
No âmbito da comissão de inquérito relativa aos Panama Papers, Rocha Andrade respondeu que a investigação é levada a cabo por uma “entidade independente” do Ministério das Finanças, pelo que o Executivo limita-se a “aguardar pelos resultados“. Contudo, a eurodeputada socialista assegurou ter a informação de que a IGF já teria concluído essa investigação.
Técnico vai emitir parecer
No ponto de situação a esta auditoria, a que o Jornal Económico teve acesso, percebe-se agora que faltam dar alguns passos para a sua conclusão: só nesta quarta-feira, 30 de maio, foram discutidas as conclusões da Informatica com os representantes desta empresa e da AT , prevendo-se que na próxima semana o IST emita o seu parecer. Por outro lado, termina a 14 de junho o prazo para a AT responder ao contraditório sobre os resultados obtidos pela IGF. Só após esta data esta Inspecção procederá à “análise e consolidação” do parecer dos peritos e da resposta da AT no relatório final que será entregue até 23 de junho.
No documento enviado ao Parlamento, a IGF justifica a intervenção dos dois professores universitários, que estão a colaborar nas peritagens às plataformas informáticas da administração tributária, para apurar a origem das falhas de processamento das transferências para offshores.
“Atenta a complexidade técnica do problema informático ocorrido com as declarações sobre as transferências transfronteiras e do interesse público no seu integral esclarecimento, a IGF considerou adequado obter parecer técnico especializado no domínio das tecnologias de informação , tendo para o efeito recorrido à colaboração do IST”, lê-se no documento da IGF.
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