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“Se temos de pagar, que seja para ficar com o Novo Banco”

Os bloquistas defendem a nacionalização definitiva do Novo Banco, em vez de uma solução temporária. Mariana Mortágua argumenta que vêm aí tempos perigosos e que a banca deve ser pública.
19 Janeiro 2017, 09h10

O Bloco é a favor de nacionalizar o Novo Banco. O que propõem em concreto?
Encontramo-nos num estranho momento político em que temos uma aparente convergência em torno da ideia de nacionalização. Temos o “Financial Times” a dizer que não faz sentido uma venda ao desbarato, temos Manuela Ferreira Leite e Vítor Bento… e do lado do PS temos Carlos César e João Galamba a defenderem a nacionalização. Acho que o programa defendido por essas personalidades e aquilo que o Bloco de Esquerda tem defendido são programas muito diferentes. A posição de nacionalização temporária aparece a partir do momento em que o plano de vender o Novo Banco a um fundo de ‘private equity’ é demasiado mau até para a direita poder aceitar. Ou para, chamemos-lhe assim, uma certa elite económica poder aceitar, elite essa que normalmente seria favorável a este tipo de programas. E isto acontece porque a venda à Lone Star ou a qualquer outro fundo terá as consequências que todos sabemos, como a execução de garantias que porá muitas empresas com a corda ao pescoço.

Mas não há o risco de os contribuintes terem de pagar isso mais tarde, se houver mais crédito malparado no balanço?
Claro, mas o problema é que já serão os contribuintes a pagar, a partir do momento em que qualquer fundo que queira comprar exige uma garantia para cobrir os riscos do crédito malparado e dos ativos mal avaliados. Por isso, o que está em cima da mesa é pagar para vender, ou pagar para ficar [com o Novo Banco]. E pagar para vender a um fundo que vai destruir o Novo Banco, porque é isso que estes fundos fazem. Quando a Fosun comprou a Fidelidade à Caixa – uma empresa que dava lucro e que foi vendida pelo anterior governo -, a Fosun endividou-se a 5% para comprar e usou o dinheiro da Fidelidade para emprestar à própria Fosun a 2 ou 3%.  Conseguiu lucro e financiou o negócio com o próprio ativo que tinha comprado. Este plano é mau para o país, é mau para o Novo Banco e é mau para as contas públicas. A questão aqui é a diferença entre a nacionalização temporária e a nacionalização permanente.

E o Bloco propõe a última.
Pois, o problema mantém-se. Nada nos garante que daqui a dois anos não venha outro fundo abutre. Mais do que isso, temos a questão da nacionalidade do banco, porque o mais provável é que seja capital estrangeiro, colocando a maioria da banca portuguesa em mãos estrangeiras. E, por outro lado, porque me parece que a banca deve ser propriedade pública. Deve ter uma atividade controlada e servir interesses da economia produtiva, fazendo o financiamento da economia a médio e longo prazo.

O problema é que a única forma de conseguir que a banca seja bem gerida é fazer com que seja do Estado. Se ela não for do Estado, será sempre gerida de acordo com outros interesses que não necessariamente o interesse público. Portanto, para que a banca seja bem gerida pelo Estado, a pré-condição é que seja pública. E há outro fator: a banca torna-se ainda mais relevante quando percebemos as areias movediças em que caminhamos: instabilidade na dívida pública e nos mercados financeiros. Ninguém nos livra de uma nova crise financeira a médio prazo ou a curto prazo, ninguém sabe quando virá, mas ela virá. Com este contexto internacional, e a fragilidade externa, colocar a nossa banca em mãos estrangeiras é uma irresponsabilidade.

Mas o eventual encargo para os contribuintes não pode ser superior aos 2,5 mil milhões que a Lone Star prevê no pedido de garantia estatal da sua proposta de compra?
Acho muito difícil que qualquer fundo privado que peça garantias para a desvalorização de ativos possa estar a enganar-se e a comprar prejuízo em vez de estar a comprar lucro. De qualquer forma, a tendência é para que uma gestão de longo prazo deste balanço possa maximizar as possibilidades do Novo Banco e não a tomar perdas. Mas, a esse respeito, acho inacreditável que ainda tenhamos que ter dúvidas sobre o que está no balanço do Novo Banco. O banco está em mãos públicas há dois anos. Acho que o Banco de Portugal tem aqui enormes responsabilidades e era importante que as assumisse, porque qualquer decisão política e qualquer debate que se queira informado tem de acreditar nas contas que tem à frente.

A Fosun entrou no BCP. Como vêem esse reforço?
O BCP conseguiu o resultado de estar entre capital angolano e o capital chinês. É, no fundo, o reflexo do que aconteceu à economia portuguesa nos últimos anos. O BCP é um banco importantíssimo do sistema. Preocupa por um lado, porque a propriedade estrangeira de um banco deve preocupar, no caso de haver numa crise. Há três possibilidades de banca: pública, privada nacional e privada estrangeira. E a pior é a privada estrangeira, que é a primeira a ir embora mal alguma coisa corre mal. Em situações de ‘stress’, são os primeiros a cortar o crédito, não têm qualquer tipo de consideração pela economia nem pelas relações locais. E isso é ainda mais grave quando, em vez de serem entidades relativamente estáveis, são fundos abutres ou pouco claros como a Fosun.

Há quem diga que para atrair investidores de qualidade, seria necessário avançar com a solução para o malparado, com garantias do Estado. Concorda, se a banca for privada?
Não. O Estado não deve garantir negócios privados. Ou é uma iniciativa privada ou não é. Uma iniciativa privada às custas do Estado é capitalismo de aviário, que é o que temos tido. É a ideia de que o Estado não se mete nos negócios quando o Estado está sempre a proteger negócios privados com dinheiros públicos.

Se existir veículo de malparado, o Bloco vai ser contra?
Nós não temos tido qualquer contacto com o Governo para um veículo de ativos tóxicos, embora o BE tenha uma noção e uma discussão própria sobre o que fazer com o sistema bancário e gerir os ativos que têm problemas. Esse veículo só faz sentido se quisermos restruturar a banca para manter a sua propriedade pública. Não faz sentido para dar garantias públicas para negócios privados.

[Notícia publicada na edição impressa de 13 janeiro]

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