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PCP abre a porta a coligação pós-eleitoral com Medina

Candidato da CDU a Lisboa admite a possibilidade de um entendimento com o PS, se os socialistas perderem a maioria absoluta. “É uma questão que se colocará depois de conhecidos os resultados”, diz João Ferreira, em entrevista ao Jornal Económico.
6 Agosto 2017, 19h00

A candidatura da CDU propõe “um novo rumo para Lisboa”. Em que consiste esse novo rumo e quais são as prioridades?
É um rumo que procura concretizar soluções em domínios fundamentais da vida da cidade, a partir do trabalho que desenvolvemos nos últimos anos, em minoria, na CML. Seja na habitação, transporte público e mobilidade, revitalização do tecido económico ou, de uma forma geral, nos serviços públicos municipais. Estas são as áreas prioritárias, às quais se junta um conjunto de outras políticas setoriais em domínios como o ambiente e espaços verdes, cultura, desporto, áreas em que o projeto autárquico da CDU marca a diferença face aos demais.

Considera que as áreas da habitação e dos transportes públicos foram descuradas ao longo da presidência de Fernando Medina?
A situação que hoje se vive é a mais cabal demonstração de que, em 10 anos, a maioria do PS na CML não soube, ou não quis, ou ambos, resolver os problemas fundamentais da cidade, nomeadamente nos domínios da habitação, do transporte público e da mobilidade. Só no final deste mandato é que a maioria do PS decidiu lançar um programa de habitação a preços acessíveis e que, ainda assim, não se espera que venha a estar concretizado durante o próximo mandato. As operações já aprovadas têm uma concretização prevista para daqui a cinco anos. Do nosso ponto de vista, há muito tempo que era necessário e possível ter avançado com outro tipo de políticas de promoção do acesso à habitação a preços acessíveis, de uma forma efectiva. Aliás, não foi por falta de propostas nesse sentido: os vereadores do PCP na CML propuseram um conjunto de orientações no que respeita à habitação, as quais foram aprovadas por larga maioria. O que faltou foi a vontade para concretizar essas orientações.

As medidas que foram entretanto lançadas são suficientes para resolver o problema da habitação?
Não são suficientes. É necessário olhar para o problema da habitação de uma forma abrangente, pensando um conjunto de medidas, desde logo no domínio da habitação para os grupos da população com mais baixos rendimentos. Ao contrário da ideia que tem vindo a ser transmitida pelo atual presidente da CML, de que esse problema está resolvido e vamos agora tratar das classes intermédias da população, não é assim, esse problema não está resolvido. Propomos medidas como, por exemplo, a criação de uma bolsa de fogos municipais que neste momento estão devolutos e serão incluídos nessa bolsa a constituir de habitação para arrendamento a preços acessíveis. Mediante incentivos adequados, entidades privadas devem poder integrar essa bolsa, grandes proprietários como a SCML e outras IPSS. Também propomos ações de intervenção em património municipal habitacional que está disperso pela cidade e muito degradado, uma ação articulada com o Estado central no sentido de desenvolver novos modelos de oferta de habitação a preços acessíveis, alterações legislativas que possibilitem a aquisição de edifícios pela CML, intervenção regulamentar que enquadre para operações de nova construção ou reabilitação profunda a obrigatoriedade de libertar um determinado número de fogos para arrendamento a preços acessíveis, um amplo conjunto de medidas.

O problema da habitação também está ligado à especulação imobiliária e à pressão turística, sobretudo nas freguesias do centro da cidade. O que propõem fazer a esse nível?
É uma evidência que o turismo tem uma função importante na base económica de desenvolvimento da cidade. Mas também é uma evidência que o turismo tem de ser compatibilizado com um conjunto de outras funções, sendo a habitação permanente uma dessas funções essenciais, a qual tem vindo a ser posta em causa pelo crescimento desregulado da atividade turística e de fenómenos que lhe estão associados como o alojamento local. O que temos vindo a defender é a necessidade de intervir sobre o fenómeno para o regular. Nós temos a experiência conhecida de outras cidades europeias que tomaram medidas de índole diversa mas que, no essencial, visam assegurar essa compatibilização da habitação permanente com alojamento turístico de curta duração. O que propusemos, já em sede de intervenção parlamentar, foi a possibilidade de uma outra intervenção na regulação dessa actividade, quer dos condomínios, quer das autarquias, mas não excluímos um conjunto de outras medidas que têm vindo a ser propostas, até por movimentos e organizações que se têm debruçado sobre o problema da habitação em Lisboa. Não devemos excluir nenhuma ferramenta que, no essencial, tenha por objetivo compatibilizar a função turística com a função habitacional.

Mas defendem algum tipo de restrição ao alojamento local, talvez um sistema de quotas, nomeadamente nas freguesias do centro da cidade onde está mais concentrado?
Nós admitimos essa possibilidade de chegar a uma situação de quotas. Aliás, o projeto de lei que apresentámos na AR prevê isso. Mas chamo a atenção para o facto de não ser verdade que o fenómeno está hoje circunscrito a cinco freguesias do centro de Lisboa. Isto é um fenómeno em evolução muito acentuada. O problema do alojamento local atinge hoje proporções muito significativas em freguesias como Alvalade, Areeiro, Avenidas Novas, fora da zona central. Por exemplo, no Areeiro, segundo uma conversa recente que tive com o Grupo de Amigos do Areeiro, eles fizeram um inventário e há mais oferta de alojamento local na freguesia do Areeiro do que alojamento para arrendamento permanente.

Está a alastrar-se?
Há um claro efeito de alastramento para toda a cidade. A disponibilidade de fogos para arrendamento permanente diminuiu drasticamente, em contraponto ao aumento acentuado da oferta de alojamento local. Há dois anos, é verdade, o fenómeno estava essencialmente concentrado nas cinco freguesias centrais, mas entretanto já alastrou para outras freguesias. Há um problema de disponibilidade de fogos, de quantidade de oferta, mas também de pressão que é exercida para a subida dos preços.

Como é que se trava o aumento do preço das rendas e a especulação imobiliária? Até onde pode ir a intervenção reguladora do poder autárquico, tratando-se de propriedade privada?
Nós temos que admitir a necessidade de intervenção em duas frentes: ao nível do Estado central, da ação do Governo e da AR; e ao nível municipal, da autarquia. Os problemas que hoje temos em Lisboa no domínio da habitação resultam da ação que foi desenvolvida nos últimos anos a partir do Governo e também da CML. Houve uma conjugação de ações negativas, a partir destas duas frentes, que causaram a tempestade perfeita na área da habitação que hoje estamos a enfrentar.

Refere-se especificamente à nova lei das rendas?
Sim. É incontornável, o efeito devastador que teve na subida dos preços da habitação e na expulsão de famílias das casas que ocupavam. Mas também outras medidas como os regimes fiscais de alojamento local, ou a legislação relativa aos “vistos gold” e residentes não habituais, que contribuíram para a pressão especulativa sobre o imobiliário em Lisboa. E depois temos a frente municipal, com a liberalização dos usos do solo que foi feita na cidade e deu um impulso fortíssimo para a especulação imobiliária. A última revisão do PDM feita por esta maioria, em 2012, com o apoio do PSD, em que se optou pela liberalização dos usos do solo. Isso deixou o desenvolvimento da cidade à mercê do especulador imobiliário. Ao que acrescem as opções de licenciamento urbanístico. Esta ideia que tende a encarar a CML como uma espécie de caixa de carimbos que se limita a carimbar “aprovado” em todo e qualquer projeto imobiliário, desde que cumpra as regras estabelecidas, revelou-se profundamente lesivo. Alimentou a especulação e contribuiu para que hoje o direito à habitação esteja posto em causa de uma forma flagrante.

Qual é a estratégia da CDU para os transportes públicos que parecem ser insuficientes e não estarem a suportar a pressão turística?
No que diz respeito aos transportes, nós temos que assegurar a necessidade de uma visão integrada à escala metropolitana e que preveja uma adequada articulação entre os diferentes modos de transporte. As opções pela municipalização contrariam esta necessidade. Os grandes movimentos dão-se hoje à escala metropolitana, a mobilidade tem que ser pensada para além dos limites administrativos da cidade. E também a oferta de transportes públicos, como núcleo de uma política de mobilidade sustentável, deve ser pensada à escala metropolitana.

O que implica concertação com os municípios vizinhos…
Com os outros municípios e com o Estado central que deve assumir uma responsabilidade incontornável. Em qualquer grande capital europeia, em termos médios, o serviço de transporte público, seja prestado pelo Estado ou por operadores privados, é assegurado em 50% com fundos públicos. Lisboa não pode ser diferente. Há dois vetores essenciais na nossa visão integrada para os transportes públicos. O primeiro é travar e reverter o processo de degradação do metro, repondo as condições de circulação, pessoal, material circulante, investimento em peças, etc. E depois pensar a expansão da rede do metro para zonas da cidade onde ainda não chega. Por exemplo, levando a linha vermelha até à zona ocidental: Alcântara, Ajuda, Restelo, Belém. E levando o metro até ao único concelho limítrofe de Lisboa que não tem hoje uma ligação ferroviária pesada que é o concelho de Loures.

As prioridades deviam ser a zona ocidental e Loures?
Sim. Outra coisa que nos parece essencial, comum à Carris, é diminuir substancialmente os preços dos passes e bilhetes. Não há política de mobilidade sustentável que não assente num serviço público de transportes de qualidade e a preços substancialmente inferiores aos que hoje temos em Lisboa.

Têm alguma solução para o fluxo de automóveis que entram e saem da cidade, todos os dias, gerando problemas de trânsito, estacionamento, poluição?
O PCP apresentou na CML uma proposta de criação de parques dissuasores nos limites da cidade, desejavelmente fora da cidade, em municípios limítrofes, junto a interfaces de transporte público, os quais devem ser gratuitos para os utilizadores de transporte público. A proposta foi aprovada por unanimidade, mas foi mais uma daquelas que ficaram no papel, mesmo tratando-se de áreas estruturantes para a vida da cidade. Porque não houve a vontade, nem a capacidade política para as concretizar.

O que será um bom resultado para a CDU em Lisboa?
A CDU é hoje, na área metropolitana de Lisboa, a primeira força no plano autárquico. Não é nem o PSD nem o PS. Isto não acontece por acaso, é fruto do reconhecimento de um trabalho de muitos anos e não pode deixar de balizar objetivos. Estamos preparados para disputar e assumir todas as responsabilidades, incluindo naturalmente a presidência da CML.

Não conseguindo obter a presidência, considera que será importante retirar a maioria absoluta ao PS?
É uma evidência que os oito anos de maioria absoluta do PS não foram positivos para a cidade. Mais do que retirar a maioria absoluta ao PS, contudo, aquilo de que Lisboa necessita é de criar as condições para uma outra gestão municipal, para quebrar um ciclo de uma década de gestão do PS, ao longo da qual não se resolveram problemas estruturantes da vida na cidade.

Se o PS perder a maioria absoluta na CML, a CDU estará disponível para um acordo pós-eleitoral de governação?
Essa é uma questão que se colocará depois de conhecidos os resultados. A CDU tem por hábito, nas câmaras em que é maioria, distribuir pelouros pela oposição. Em alguns casos onde não é maioria também tem responsabilidades em determinados pelouros, sempre que considera que estão reunidas as condições para desenvolver um bom trabalho.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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