Como avalia os anos de ajustamento económico no país?
Não sou conhecedora o suficiente da profundidade da realidade, mas olho de forma preocupada e sinto que estamos reféns da União Europeia.
Vê muita desigualdade em Portugal?
Vejo cada vez mais, e na Europa também. Há uns anos, fiquei chocada por serem oferecidos benefícios fiscais a pessoas de terceira ida de vindas do estrangeiro enquanto, às portuguesas, eram retirados direitos. Existe profunda desigualdade, embora também haja sinais positivos. Estamos reféns de um sistema económico cego, calculista e que não olha a meios para atingir os seus fins que são, de facto, os de muito poucos.
Vê isso no caso dos refugiados?
Claro e considero incrível que países como a Grécia e a Itália estejam há tantos anos a receber refugiados sem qualquer apoio. Cada vez a capacidade de controlo é maior, mesmo disfarçada, que está presente em tudo, inclusive nas redes sociais onde estamos contabilizados nas nossas ações…
Orwell tinha razão?
Sim. Infelizmente, foi um visionário… A comunidade europeia não funciona como tal nem existe moeda única – se as taxas de juro das dívidas soberanas variam em cada país, como pode falar-se em moeda única? Devíamos discutir com urgência a Europa e ter essa coragem, porque temos condições especiais em função da nossa situação geográfica e do contacto com outras culturas. Deve haver uma discussão séria que possa colocar tudo em causa, porque ninguém nos consultou sobre a moeda. Num dos temas do disco, “A Cidade”, falo da ganância humana que impera e não faz sentido porque nos leva para o contrário do encontro – digo nesse tema: “Basta de retórica vazia/de economia plástica/ganância tóxica e fria”.
E a hipótese de Trump ser presidente dos EUA?
Se viesse a ser presidente, penso que seria um péssimo sinal. Estamos a caminhar a largos passos pa ra situações de conflito e isso é tremendo, é a lógica do medo.
Por que razão não é cessada a guerra da Síria? E por que razão há países europeus que vendem armas?
Por outro lado, o acordo de Paris sobre o clima vai impor-se?
Não acredito a 100%, mas é preciso ter esperança na boa vontade. Nas organizações humanas, como a ONU, que podia ser muito mais do que é, há sempre fragilidades e lógicas a puxar para o mesmo lado. Mas há lá uma semente de liberdade.
E vê um português na ONU?
Sim, o trabalho de Guterres foi reconhecido e é bom ter um português naquele papel de ligação entre povos, culturas e religiões.
Que ideia existe de Portugal por onde tem cantado?
No Japão, têm uma ideia antiga. Penso que poucas pessoas têm uma ideia presente de Portugal e pouco foi difundido, por responsabilidade de Portugal. Mas uma das coisas que mais me alegrou foi ouvir dizer que alguém estava a aprender português para perceber as minhas canções.
Quem admira, além de Zeca Afonso e Amália, no plano contemporâneo?
Não ao mesmo nível, mas admiro todos os que se dedicam às artes. Gosto muito de Jorge Palma e de Jorge Cruz.
A música portuguesa vive um momento interessante?
É interessante enquanto momento de dinâmica. Também há muito ruído e superficialidade, mas muita qualidade como a dos Clã, por exemplo…
Que efeitos teve a fama sobre si?
A fama em si é algo vazio, porque quem me conhece não sabe quem eu sou. No sentido de as pessoas apreciarem aquilo que faço, gosto de saber que gostam de mim. A fama trouxe oportunidade e responsabilidade de fazer mais música.
Que papel e influência representa a sua filha?
Tem a sua vida de estudo, mas acompanha, é crítica e acarinha, o que é bom. E, por acaso, é engraçado porque me lembrou de um poema da “Mensagem”, de Fernando Pessoa, que é o Horizonte e acabou por ter ligação com o disco. Tem um papel fundamental, é uma contínua descoberta desde que nasceu e já vai fazer 18 anos, está a tornar-se uma adulta, é uma revelação e é maravilhoso contar com ela e que ela possa contar comigo. Falamos bastante sobre o mundo e está próxima da minha atitude sonhadora, é uma pessoa positiva e tem vontade de intervir. Vamos ver, cá estarei para a apoiar.
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