Quando o UBS Group AG integrar o Credit Suisse Group AG nos próximos meses, previsivelmente até ao fim de maio, vai ter de fazer uma avaliação aos processos judiciais em curso movidos ao longo dos anos contra o banco que vai ser integrado e que estão em tribunais que vão desde a Suíça a Singapura.
Embora o preço que o UBS está a pagar pelo Credit Suisse (três mil milhões de francos suíços para um banco que tem um valor contabilístico de 61 mil milhões de dólares no final de março) seja suficientemente baixo para permitir que o banco absorva uma exposição inesperada, as questões jurídicas são uma das principais incógnitas na fusão dos dois maiores bancos da Suíça.
Haverá uma “limpeza” aos quadros do Credit Suisse envolvidos nos escândalos que deram origem à litigância contra o banco suíço e que será levada a cabo pela advogada-chefe do UBS, Barbara Levi, assim que o negócio for fechado, segundo avança a Bloomberg.
A longa lista de casos por resolver inclui uma condenação penal por o banco alegadamente facilitar a lavagem de dinheiro de um traficante de cocaína búlgaro e um acordo de meio bilião de dólares num escândalo de suborno relacionado com uma frota de pesca de atum em Moçambique, segundo a Bloomberg.
No total, as responsabilidades civis podem atingir os milhares de milhões, havendo também riscos criminais.
O negócio em si de integração do Credit Suisse também arrisca novos processos por causa da anulação das obrigações de elevada subordinação AT1 no valor de 16 mil milhões para recapitalizar o banco suíço no âmbito da integração no UBS Group, uma vez que os proprietários de, pelo menos, 6 mil milhões de dólares de obrigações lutam para não serem eliminados.
Isto pode ser apenas um incómodo para o UBS, porque o risco foi claramente identificado na oferta. Além disso, qualquer litígio tem de ser instaurado ao abrigo da legislação suíça, o que exclui a possibilidade de as empresas de Nova Iorque instaurarem processos na capital financeira dos Estados Unidos. “Estas acções judiciais têm, provavelmente, poucas probabilidades de sucesso”, defende a Bloomberg Intelligence.
Bloomberg fez o ponto da situação dos principais casos judiciais
Ainda no ano passado o Credit Suisse acordou pagar 495 milhões de dólares às autoridades judiciais dos Estados Unidos na sequência de um acordo sobre um caso iniciado em 2013 relacionado com a negociação de valores sobre hipotecas, durante a crise económica.
O acordo com as autoridades judiciais do Estado de New Jersey, Estados Unidos, prevê o pagamento por parte do Credit Suisse pondo fim às reclamações que se relacionavam com 10.000 milhões de RMBS (Residential Mortgage Backed Security).
Os RMBS são títulos em hipotecas residenciais baseados em dívida e garantidos pelos juros pagos em empréstimos para residências, como hipotecas, empréstimos para aquisição de casa própria e hipotecas subprime.
Nesta questão da hipotecas residenciais nos EUA, o Credit Suisse enfrenta um litígio civil privado que diz respeito a cerca de 2 mil milhões de dólares em reclamações relacionadas com o seu papel na venda de títulos garantidos por hipotecas residenciais, que contribuíram para a crise financeira de 2008. As decisões judiciais recentes apontam para um potencial acordo na ordem dos 400 a 800 milhões de dólares, segundo estima a Bloomberg.
Tráfico de droga entre os processos judiciais
Em 2022 o Credit Suisse foi condenado em Genebra a pagar quase dois milhões de euros por permitir lavagem de dinheiro ligada ao tráfico de cocaína. Um caso com mais de 14 anos, já o banco foi acusado de ter conseguido “lavar” milhões de francos suíços entre 2004 e 2008. O Credit Suisse foi alvo de uma multa de 1,99 milhões de euros, enquanto o ex-funcionário da instituição foi sentenciado a dois anos de prisão em regime de pena suspensa. O banco prometeu recorrer da decisão. Embora a luta para anular um veredicto obtido em Junho passado pudesse fazer sentido para defender a sua reputação, caberá ao UBS avaliar o que compensa mais após a aquisição. Dado que um julgamento de recurso iria novamente trazer à tona detalhes embaraçosos sobre as práticas de compliance do Credit Suisse.
Livrar-se do outro caso criminal pendente será mais complicado. Um procurador de Genebra identificou, em Junho passado, mais de 60 milhões de dólares que acredita terem sido lavados através do Credit Suisse. No ano passado, Yves Bertossa alegou que o Credit Suisse não conseguiu impedir oito transações autorizadas pelo antigo gestor de fortunas Patrice Lescaudron entre 2008 e 2014. O principal procurador de crimes financeiros de Genebra afirmou que as transacções constituíam branqueamento de capitais agravado por parte do banco. O Credit Suisse tem defendido sistematicamente que Lescaudron, que foi condenado por um longo esquema de fraude, era um lobo solitário que escondia os seus actos do banco. Um porta-voz do Ministério Público de Genebra confirmou que a investigação de Bertossa ainda está a decorrer.
De acordo com Katia Villard, professora de Direito Penal na Universidade de Genebra, o direito penal suíço permite que o UBS seja responsabilizado mesmo que a infracção tenha ocorrido antes do seu envolvimento, refere a Bloomberg.
O UBS pode, no entanto, ter procurado garantir a imunidade de qualquer dos processos criminais herdados do Credit Suisse como parte do acordo, admite a agência noticiosa.
Relacionado ainda com o antigo gestor de fortunas Patrice Lescaudron o antigo primeiro-ministro da Geórgia, Bidzina Ivanishvili, pôs processos judiciais nas Bermudas e em Singapura para recuperar as perdas resultantes do facto de o gestor de fortunas ter entrado na conta do bilionário da Geórgia para cobrir as perdas de outros clientes.
O Credit Suisse está a recorrer do veredicto, que fixou os danos em mais de 600 milhões de dólares.
Há ainda um caso relacionado com este em Singapura, onde Ivanishvili está a processar um fundo do Credit Suisse que geria uma parte da sua fortuna. Os advogados do georgiano estão a pedir cerca de 800 milhões de dólares no total. O processo foi concluído em Singapura em Fevereiro, mas ainda faltam alguns meses para se chegar a um veredicto.
A Bloomberg notícia que os riscos e litigância com julgamento nas Bermudas foram totalmente provisionados.
Credit Suisse e os “títulos do atum” em Moçambique
Há ainda o caso “Dívidas Ocultas” que lesou o Estado moçambicano em 2,2 milhões de dólares num projecto que visava proteger a costa do país e promover a indústria do atum
A partir de Setembro, em Londres, a equipa jurídica do UBS poderá enfrentar um julgamento civil de 13 semanas sobre o papel do Credit Suisse no escândalo dos “títulos do atum”, no valor de 2 mil milhões de dólares.
A subsidiária europeia do Credit Suisse Group AG, declarou-se culpada de conspirar para defraudar investidores em títulos moçambicanos, e concordou que tem de restituir 22,6 milhões de dólares. As acusações decorrem de quase mil milhões de dólares em ofertas de títulos e um empréstimo sindicalizado que o Credit Suisse ajudou a constituir entre 2013 e 2016 para financiar um projeto da indústria de pesca de atum em Moçambique.
O caso das dívidas secretas envolve três empréstimos, todos para empresas recém-criadas controladas pelos serviços de segurança moçambicanos. Grande parte da ação movida pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos refere-se apenas ao refinanciamento da dívida de um desses empréstimos à empresa Ematum em 2016. Dois bancos estão envolvidos neste processo, o Credit Suisse Group com a sua sede em Londres – Credit Suisse Securities Ltd (CSSEL) – e o braço do banco de investimento com sede em Londres do VTB Group, banco maioritariamente detido pelo governo russo.
O escândalo conhecido como “título de atum” envolve supostos subornos pagos por banqueiros suíços a dirigentes moçambicanos. O filho de Armando Guebuza, ex-presidente do país, teria recebido Ferraris, Rolls-Royces, BMW’s – além de mais de 7.400 “garrafas de vinho” transportadas por um jato particular da França.
Para resolver uma investigação criminal do Departamento de Justiça dos EUA sobre um escândalo de angariação de fundos que viu centenas de milhões saqueados a Moçambique, o banco concordou em 2021 em pagar quase 475 milhões de dólares.
Três antigos banqueiros do Credit Suisse foram condenados nos EUA por aceitarem subornos neste caso. As autoridades moçambicanas acusam o Credit Suisse de ter ignorado vários sinais de alerta ao conceder os empréstimos a empresas apoiadas pelo Estado. O banco suíço nega essas alegações. Também neste caso, existe a possibilidade de o UBS optar por um acordo para evitar o embaraço de um longo julgamento em Londres, segundo a Bloomberg.
Ajuda à evasão fiscal nos EUA
Mas há mais. No final de março – poucos dias depois a venda forçada ao UBS – a comissão de finanças do Senado norte-americano disse ter descoberto “grandes violações” do acordo judicial de 2,6 mil milhões de dólares do Credit Suisse feito por ter sido acusado de ajudar americanos a fugirem ao fisco. Ron Wyden, o democrata do Estado de Oregon que preside à comissão, disse que a sua investigação mostra que o banco não cumpriu o acordo de 2014 e que a aquisição pendente “não limpa a responsabilidade”.
O Credit Suisse disse que não tolera a evasão fiscal e está a “cooperar ativamente” com o Departamento de Justiça. Não é claro quais as sanções que podem resultar das alegações.
A instituição de crédito suíça também sofreu um revés jurídico em Março. Um tribunal de New Jersey rejeitou a sua tentativa de derrotar o estatuto de ação colectiva numa acção judicial de 1,8 mil milhões de dólares intentada por investidores que compraram as suas notas negociadas em bolsa -VelocityShares Daily Inverse VIX Short Term. O custo potencial de perder o julgamento torna provável um acordo na ordem dos 500 milhões de dólares, de acordo com a Bloomberg.
Debacle do Greensill
O Credit Suisse disse, há um ano, que os investidores deveriam preparar-se para uma luta de cinco anos com as seguradoras e alguns mutuários por causa da implosão de um grupo de fundos de 10 mil milhões de dólares ligados ao financeiro Lex Greensill. Isso deixa quase quatro anos para o UBS enfrentar de processos judiciais.
O Credit Suisse Group falhou nos seus deveres como gestor de ativos e violou a lei suíça de supervisão na sua operação de 10 mil milhões de dólares em fundos de investimento com o parceiro financeiro falido Greensill Capital Management. A conclusão é do regulador financeiro da Suíça, Finma, que delineou uma série de medidas e abriu processos de execução contra quatro ex-gestores do banco depois de ter concluído, em Fevereiro, que o Credit Suisse “violou gravemente” as suas obrigações de gestão de risco no caso do financiamento da cadeia de abastecimento da Greensill Capital.
Além dos esforços de ex-sócios para tentar pela via judicial recuperar mais dinheiro, o Serious Fraud Office do Reino Unido está a investigar alegações de branqueamento de capitais pela GFG Alliance de Sanjeev Gupta, da qual Greensill era um grande credor.
Fiasco da Archegos
Embora o Credit Suisse tenha chegado a acordo com um grupo de fundos de pensões norte-americanos sobre as perdas relacionadas com a implosão do family office Archegos Capital Management em 2021, pelo menos mais um fundo processou o conselho de administração do banco por alegada “conduta imprudente” que contribuiu para uma perda de 4,7 mil milhões de dólares.
Ao contrário de outros bancos que trabalhavam com o family office que administrava a fortuna do bilionário Bill Hwang, o Credit Suisse demorou a desfazer-se das suas posições e foi apanhado nas grandes perdas.
O Archegos tinha assumido posições extremamente arriscadas, através de intermediários como o Nomura, mas também como o Credit Suisse, o Goldman Sachs ou ainda o Morgan Stanley.
O Credit Suisse depois anunciou um impacto nas suas contas da implosão do Archegos de 4,4 mil milhões de francos suíços (quatro mil milhões de euros) nas suas contas, que provocaram a apresentação de resultados líquidos negativos no primeiro trimestre de 2021.
O UBS e o Credit Suisse estão ligados pelo menos numa questão. A 23 de Março – apenas quatro dias após o anúncio do casamento forçado pelos reguladores, soube-se que ambos estavam entre os intimados pelo Departamento de Justiça numa investigação sobre se os gestores financeiros dos bancos ajudaram os oligarcas russos a fugir às sanções.
Os inquéritos dos EUA centram-se na identificação do pessoal que lidou com clientes sujeitos a sanções e na forma como esses clientes foram controlados ao longo dos últimos anos. Antes da imposição de novas sanções na sequência da invasão da Ucrânia pelo Presidente Vladimir Putin, o Credit Suisse era um íman para os russos ricos. No seu auge, o banco geria mais de 60 mil milhões de dólares para clientes do país de leste e continuava a gerir cerca de 33 mil milhões de dólares em Maio de 2022.
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