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Sonangol acusa Isabel dos Santos de desviar 52 milhões e diz que desvio passou por EuroBic e Cabo Verde

A petrolífera angolana Sonangol afirma que os 52,6 milhões de euros alegadamente “desviados” da subsidiária neerlandesa Esperaza para empresas de Isabel dos Santos passaram pelo banco português EuroBic e pelo BIC Cabo Verde.
11 Novembro 2022, 11h18

A petrolífera angolana Sonangol, através da participada Esperaza, apresentou uma queixa no Tribunal de Amesterdão contra a empresária Isabel dos Santos por um alegado “desvio” de 52,6 milhões de euros (ME), que lesou as duas empresas.

Segundo um despacho de citação, a que a Lusa teve acesso, Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, já falecido, terá desviado 52,6 milhões de euros da Esperaza, num caso cujos factos remontam essencialmente a 2006.

A Esperaza é uma empresa de direito neerlandês, à data controlada a 60% pela petrolífera estatal angolana e em 40% pela Exem Energy, empresa detida a 100% por Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, falecido em 2020. A Esperaza detém 45% da Amorim Energia, que por sua vez é a maior acionista da Galp Energia, com 33,34%.

Um relatório preliminar de uma investigação de um perito do Tribunal de Amesterdão, de 31 de outubro de 2022, concluiu que o alegado “desvio” de 52,6 milhões e euros da Esperaza baseou-se em deliberações com datas “falsas” pelo que são “nulas, e que a empresária Isabel dos Santos agiu “num óbvio conflito de interesses”.

As deliberações são “nulas”, porque foram tomadas posteriormente à destituição de Isabel dos Santos de presidente da Sonangol, e, além disso, a empresária realizou atos jurídicos em nome da petrolífera angolana, enquanto desempenhou aquele cargo, que beneficiaram empresas suas, ainda segundo o mesmo documento.

A Câmara de Empresas, secção especial do Tribunal de Recurso de Amesterdão com jurisdição sobre casos de direito empresarial, ordenou esta investigação às políticas e negócios da Esperaza num período com início em 1 de janeiro de 2017, a pedido da Sonangol e da própria Esperaza.

Já de acordo com o despacho de citação apresentado pela Esperaza em 15 de julho de 2022, o “desvio” terá ocorrido em 2017, quando o atual Chefe de Estado de Angola, João Lourenço, demitiu Isabel dos Santos do cargo de presidente da Sonangol, para o qual tinha sido nomeada em 2016 pelo seu pai, quando este ainda era Presidente do país.

No período que antecedeu a sua destituição, mas “sobretudo imediatamente após a mesma”, Isabel dos Santos terá realizado “uma série de operações” com a ajuda dos que, segundo o despacho, foram os seus “facilitadores” para “extrair mais de 130 milhões de dólares da Sonangol e 52,6 milhões de euros da Esperaza”.

O objetivo da queixa agora apresentada é obter uma sentença que estabeleça a responsabilidade dos réus, bem como uma ordem para que estes indemnizem a Eaperaza pelos danos sofridos e a sofrer, ou seja, que esta Esperaza seja ressarcida dos 52,6 milhões de euros, acrescidos de juros e custas processuais.

O suposto desvio dos 52,6 milhões de euros, de acordo com o despacho de citação, deu-se a 17 de novembro de 2017, quando a empresária angolana já tinha perdido o controlo da Esperaza, e tinha sido demitida de presidente da Sonangol, o que aconteceu a 15 de novembro daquele mesmo ano.

No âmbito deste processo, Isabel dos Santos, os seus bancos BIC Cabo Verde e EuroBic, bem como um dos seus braços direitos, o português Mário Leite da Silva e o seu sócio na banca Fernando Teles e mais 10 entidades foram notificados para se apresentarem perante um tribunal holandês a 23 de março de 2023.

Isabel dos Santos e “os seus facilitadores” terão conseguido desviar aquele montante da Esperaza, apoiando-se em “deliberações nulas e sem efeito da Exem”. Depois, desviaram-na e “esconderam-na sem deixar qualquer vestígio na rede de branqueamento de capitais de Isabel dos Santos”, lê-se no despacho.

Contactada pela Lusa, a empresária angolana afirmou por escrito que “os 52,6 milhões de euros correspondem a pagamentos de dividendos aos acionistas da Esperaza que foram devidamente autorizados em assembleia geral, contando com voto favorável da Sonangol”. Explicou que, por isso, “não houve qualquer ‘desvio’ de 52,6 milhões de euros da Esperaza em 2017 ou em qualquer outra altura”, assegura.

Isabel dos Santos esclareceu que “a Esperaza, sociedade holandesa, cujo capital é detido em 60% pela Sonangol e 40% pela Exem, deliberou e aprovou a distribuição de dividendos em 2017. Ambos os acionistas receberam os seus dividendos. Foram declarados e pagos impostos no valor de 11,5 milhões de euros sobre os dividendos distribuídos”.

Referiu também que a Exem interpôs, em setembro de 2021, no Tribunal em Amsterdão, “um recurso para anular a sentença arbitral que revia os seus direitos na Esperaza”, adiantando que este recurso está a decorrer os trâmites judiciais.

A empresária diz que “a Exem está convicta do sucesso do recurso e que irá obter uma decisão a seu favor”.

Na resposta enviada à Lusa, a empresária angolana garante também que “durante a reestruturação da Sonangol, entre junho de 2016 e novembro de 2017”, período em que foi presidente do conselho de administração da petrolífera portuguesa, “não foram ‘extraídos’ por ‘facilitadores’ ou por Isabel dos Santos mais de 130 milhões de dólares da Sonangol ou valor algum”.

“Os trabalhos e projetos de reestruturação da Sonangol custaram à empresa cerca de 130 milhões de dólares. Estes trabalhos de reestruturação do grupo Sonangol, que conta com mais de 90 empresas, foram reconhecidos como tendo sido efetuados, pelo Tribunal Central Instrução Criminal de Lisboa, em novembro de 2021, não havendo mais dúvidas sobre esta questão”, sublinhou.

“Trata-se dos mesmos 130 milhões referentes à reestruturação do grupo Sonangol, que contou com mais de 80 consultores externos de primeira linha, vindos da Boston Consulting Group, da McKinsey, da PWC e da VdA. Estes consultores externos confirmaram publicamente que receberam os pagamentos pelos serviços prestados e entregues à Sonangol entre 2016 e 2017, num valor de cerca de 130 milhões de dólares”, conclui Isabel dos Santos.

Alegado “desvio” de 52,6 milhões da Esperaza passou por EuroBic e BIC Cabo Verde

A petrolífera angolana Sonangol afirma que 52,6 milhões de euros (ME) alegadamente “desviados” da subsidiária neerlandesa Esperaza para empresas de Isabel dos Santos passaram pelo banco português EuroBic e pelo BIC Cabo Verde.

De acordo com uma queixa apresentada em julho deste ano no Tribunal de Amesterdão, a que a Lusa teve acesso, 52,6 milhões de euros alegadamente “desviados” por Isabel dos Santos em 2017 da Esperaza, através da qual a petrolífera angolana tem uma participação indireta na Galp Energia, passaram pelo EuroBic e pelo BIC Cabo Verde, dois bancos que nessa altura eram controlados pela empresária e o seu sócio Fernando Teles.

Segundo o despacho de citação, os fundos foram depois transferidos para contas de outras empresas de Isabel dos Santos, alegadamente sem qualquer investigação a que estavam obrigadas as duas instituições financeiras ao abrigo das leis sobre branqueamento de capitais em vigor em Cabo Verde e em Portugal e com o conhecimento do acionista e gestor dos dois bancos Fernando Teles.

Os 52,6 milhões de euros “foram pagos a partir da conta da Esperaza no banco cabo-verdiano de Isabel dos Santos e [Fernando] Teles, BBCV [Banco BIC Cabo Verde], para a conta da Exem no banco português de Isabel dos Santos e [Fernando] Teles, EuroBic, e depois desapareceram através da empresa portuguesa Terra Peregrin”, também da empresária angolana e filha do ex-presidente de Angola, já falecido, José Eduardo dos Santos, afirma o despacho, com base em documentos a que a Lusa também teve acesso.

O “desvio” ocorreu “através de uma transferência da conta da Esperaza no BBCV para uma conta da Exem no EuroBic” e “de seguida, o EuroBic transferiu internamente os 52,6 milhões de euros recebidos da Exem para uma conta da Terra Peregrin em fevereiro de 2018, o BBCV, Teles e o EuroBic desempenharam papéis-chave no ‘desvio'”, especifica o documento.

Contactado pela Lusa, Fernando Teles disse, por escrito, que “não tinha qualquer conhecimento das operações e transações quer da Esperaza, quer da Exem” e sublinhou que quer no Banco BIC Português [EuroBic], quer no Banco BIC Cabo Verde, “nunca desempenhou funções executivas, mas sim funções não executivas no seio dos respetivos conselhos de administração”.

“O BIC Português dispunha de uma Comissão Executiva que, em 2017 era presidida pelo prof. Teixeira dos Santos [anterior Ministro das Finanças do Governo português] e o BIC Cabo Verde dispunha igualmente de uma Comissão Executiva que, na mesma data, era presidida pelo dr. António Nunes, administrador que transitou do anterior BPN”, realçou o empresário. Assim, e por desempenhar funções não executivas, ou seja, de presidente do Conselho de Administração do Banco BIC Cabo Verde, Fernando Teles assegura que “não acompanhava a atividade do dia-a-dia do banco, nem tão pouco os processos de abertura de conta, movimentação das mesmas ou conferências de assinatura, nem deste, nem de nenhum outro cliente do banco, particular ou empresa”.

“Aliás, a este respeito, importa ainda salientar que na data em apreço, o BIC Português e o BIC Cabo Verde tinham em vigor um acordo de prestação de serviços mediante o qual o BIC Português assegurava um conjunto de funções ao BIC Cabo Verde, enquadrado nas melhores práticas com vista à prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, designadamente a verificação da documentação para abertura de conta e certificação de assinaturas”, afirma.

O empresário português com negócios em Angola conclui assegurando que “não teve conhecimento do pedido de transferência de fundos a título de dividendos que a Esperaza solicitou para as contas dos então acionistas junto do EuroBIC, de quaisquer documentos alegadamente falsificados de resoluções, atas, nomeações ou fichas de assinaturas da mesma sociedade”. E garante que “não interveio nem foi informado ou consultado previamente à realização das transferências”.

Por outro lado, sublinha que “o BIC Cabo Verde executou as ordens de transferência dos dividendos aprovados para ambos os acionistas [não apenas para a Exem, mas também para a Sonangol], nos termos das normas e regulamentação bancárias em vigor em Cabo Verde e ainda nos termos do relacionamento de correspondência bancária mantida com o EuroBic que, naturalmente, obedeciam a todas as regras de compliance em vigor na União Europeia”. Destacou ainda que “só vários anos depois é que os Tribunais Holandeses/Tribunal Arbitral vieram considerar como nula a resolução da Esperaza ao nível da sua estrutura acionista”.

O despacho de citação, por seu lado, sublinha ainda que “a estreita relação entre Isabel dos Santos e [Fernando] Teles é particularmente relevante no que diz respeito à última parte do ‘desvio’, aos pagamentos à Exem e subsequentemente à Terra Peregrin”.

Na altura do alegado “desvio”, Isabel dos Santos e Fernando Teles eram acionistas maioritários no EuroBic e BBCV, com participações de 42,5% e 37,5% respetivamente.

Também contactado pela Lusa, o EuroBic realça que “processa operações provenientes dos seus clientes e bancos correspondentes, aplicando a lei de controlo do branqueamento de capitais” e que “quaisquer operações que eventualmente pudessem ter sido processadas, envolvendo as entidades em causa, não seriam exceção”.

Segundo o banco, o texto do despacho de citação que a Lusa teve acesso “contém várias imprecisões e informações, no mínimo, incorretas” e afirma que “não pode pronunciar-se sobre detalhes relacionados com operações alegadamente realizadas pelas entidades visadas”. E justifica-se com “a obrigatoriedade legal de, por um lado, reconhecer a qualidade de cliente a qualquer entidade jurídica ou pessoa física, e, por outro, de manter sigilo sobre quaisquer transações realizadas por clientes ou contrapartes, assegurando, antes, total reserva sobre detalhes procedimentais relacionados com a aplicação da lei do branqueamento de capitais.”

Assim, o EuroBic apenas garante que “processa operações provenientes dos seus clientes e bancos correspondentes, aplicando a lei de controlo do branqueamento de capitais, tendo em consideração a informação existente em cada momento do tempo e os procedimentos instituídos com cada uma das contrapartes, em termos de movimentação de contas”. Pelo que “quaisquer operações que eventualmente pudessem ter sido processadas, envolvendo as entidades em causa, não seriam exceção”.

O banco, com sede em Lisboa, frisa, porém, que “pode atestar a natureza dos mecanismos de controlo do branqueamento de capitais por si implementados, mas não controla, não pode controlar, não tem o dever de controlar nem é responsável pelo controlo dos procedimentos do mesmo tipo implementados por quaisquer outras entidades”.

“Os controlos implementados são aqueles que se encontram previstos na lei. O mesmo acontecendo com os procedimentos de contacto e reporte com as autoridades que advêm da respetiva análise”, adianta. Concluindo: “Em síntese, o EuroBic é completamente alheio a qualquer alegada tentativa de ‘desvio de fundos'”.

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