Artigo originalmente publicado no caderno NOVO Economia de 10 de junho, com a edição impressa do Semanário NOVO.
Ainda que sejam frequentes as críticas ao peso que os impostos têm nos salários e pensões dos contribuintes portugueses, no ranking mundial, Portugal não está nas primeiras posições. Com um imposto médio de 48% sobre o rendimento das pessoas singulares, fica bem atrás da Costa do Marfim, campeã mundial do IRS, bem como da Finlândia e do Japão, que completam o pódio. No entanto, embora não esteja nesses lugares de destaque da tabela, Portugal consegue ultrapassar países como a Alemanha, o Luxemburgo e a França. Entre os 151 países para os quais há dados disponíveis, Portugal aparece, assim, em 12.º lugar.
Os dados foram compilados e divulgados pela World Population Review, uma organização independente sediada nos Estados Unidos que pretende tornar a leitura das estatísticas mais acessível, e mostram que a Costa do Marfim, no continente africano, é o país que mais pressiona os seus contribuintes em termos de imposto sobre os rendimentos. Aí, cerca de 60% dos valores recebidos pelos residentes acabam nos cofres públicos e, segundo o guia fiscal disponibilizado pela PwC, essa recolha não é feita por uma única via. Antes, os rendimentos pessoais dos residentes na Costa do Marfim são sujeitos a três tipos de imposto.
Por um lado, é aplicado um imposto sobre o salário, que corresponde a 1,5% de 80% do ordenado bruto. Esse valor, explica a consultora, é retido pelo empregador na fonte, pelo que não chega sequer à carteira dos trabalhadores na Costa do Marfim, à semelhança do que acontece em Portugal com a retenção na fonte de IRS.
A este tributo soma-se ainda uma contribuição nacional: 80% do ordenado bruto é sujeito a uma taxa progressiva que varia entre 1,5% e 10%, consoante o nível de rendimento (e há quatro escalões de rendimento). Na prática, há quatro taxas: 0%, 1,5%, 5% e 10%, sendo cada uma delas aplicada consoante o nível de rendimentos do contribuinte.
Além destas duas taxas, é depois aplicado o imposto geral sobre os rendimentos. Neste caso, o rendimento considerado como base no apuramento do tributo não é somente de 80% do salário, como nas outras duas situações referidas: primeiro, é efetuada, sim, essa operação de cálculo de 80% do salário, mas, de seguida, deduz-se o imposto já pago sobre o salário e a contribuição nacional. O montante resultante desse cálculo é considerado em 85% na aplicação do imposto geral sobre os rendimentos, e o número de membros do agregado familiar também influencia o valor do imposto a pagar. Também neste caso, a taxa a aplicar varia consoante o nível de rendimento, havendo oito degraus na tabela, de acordo com a informação disponibilizada pela PwC.
Em contraste com este enquadramento fiscal, que acaba por absorver seis em cada dez dólares dos rendimentos das pessoas singulares que residem na Costa do Marfim, a generalidade dos portugueses paga apenas um imposto sobre os seus salários e pensões: o IRS. Neste momento, os contribuintes lusos têm à disposição nove escalões de IRS, com taxas progressivas de 14,5% a 48%.
No caso dos portugueses com rendimentos mais robustos, é ainda aplicada, porém, também uma taxa adicional, que varia entre 2,5% e 5%. Na visão de vários fiscalistas, empresários, sindicatos e políticos, o peso do IRS nos rendimentos dos portugueses é excessivo, absorvendo uma parcela demasiado expressiva dos salários e pensões, num país caracterizado por ordenados tendencialmente baixos e, consequentemente, por reformas magras.
Quanto à Costa do Marfim, ao NOVO, a analista independente especializada em assuntos económicos africanos Marisa Lourenço explica como o passado recente de instabilidade define esta opção política que se reflecte no peso fiscal. Depois de largos anos em guerra e sendo uma economia assente na exportação de matérias-primas com cotação internacional (cacau e ouro), a economia costa-marfinense “está exposta a flutuações e disrupções nas cadeias de valor globais”, diz. “Dado o passado turbulento do país, é plausível que queira assegurar fundos suficientes para amparar choques negativos, dado que a escassez de dinheiro para apoiar a população pode facilmente desencadear desagrado social e volatilidade política”, refere a analista.
Ainda assim, é uma das economias mais relevantes da África Ocidental, tendo bastante potencial para crescimento com o comércio externo e população jovem. Mais: detém algumas reservas de petróleo e de gás natural, que podem tornar-se relevantes, sobretudo “se a procura europeia por gás africano crescer”, completa Marisa Lourenço, mesmo considerando que os planos nacionais para se afirmar como uma potência energética naquela região têm resfriado. No entanto, “outros mercados devem beneficiar antes”, ressalva.
Há 11 países com IRS médio de pelo menos 50%
Além da Costa do Marfim, há mais quatro países onde o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares absorve mais de 55% desses salários e pensões: em segundo lugar no pódio mundial aparece a Finlândia, com um IRS de 56,95%. Segue-se o Japão, com 55,97%, e logo depois aparecem a Dinamarca (55,9%) e a Áustria (55%).
No caso finlandês, o guia da PwC informa que os rendimentos pessoais dos rendimentos são sujeitos a um imposto nacional, que é progressivo (há cinco escalões de rendimento e as taxas chegam aos 44%), bem como a um imposto municipal, que tem um valor fixo entre os vários níveis de rendimento, mas varia de município para município. Já no Japão, além de um imposto nacional sobre os rendimentos – que tem sete escalões, variando as taxas de 5% a 45% –, são ainda aplicados aos residentes impostos municipais, que têm uma taxa fixa de 10%.
Além dos países já mencionados, há mais cinco onde metade dos rendimentos são absorvidos por impostos: Aruba (52%), Suécia (52%), Bélgica (50%), Israel (50%) e Eslovénia (50%).
Já no outro lado da tabela aparecem dez países onde não há impostos sobre os rendimentos, entre os quais a Arábia Saudita, as Baamas, a Bermuda, os Emirados Árabes Unidos e as Ilhas Caimão. Entre aqueles que taxam efetivamente os rendimentos, Guatemala (7%) e Montenegro (9%) destacam-se como países que menos pressão colocam sobre o rendimento dos seus residentes.
Pódio de relações comerciais distantes
Longe de ser dos parceiros comerciais mais relevantes para Portugal, a Costa do Marfim ocupou a 59.ª posição, em 2021, na lista de trocas internacionais portuguesas. Com as exportações nacionais para o país africano em queda e as importações a subir, a balança comercial com aquele país manteve-se positiva em 12 milhões de euros há dois anos. No entanto, 2022 trouxe a inversão deste saldo,
A balança comercial foi positiva entre 2015 e 2021 para o lado português, tendo resultado num défice de 4,5 milhões de euros em 2022, dado o disparo nas importações da Costa do Marfim: de 37,7 milhões em 2021, o indicador saltou para 86 milhões de euros em 2022.
Apesar da importância do cacau na economia costa-marfinense, foram os plásticos e borrachas que, com 44,3% das importações, dominaram a relação comercial com Portugal, superando os produtos alimentares, que representaram 37,9%. Em sentido inverso, o nosso país exportou sobretudo máquinas e aparelhos, com 27,3% do total, seguindo-se minerais e minérios (14,8%), produtos alimentares (13,9%), metais comuns (13,9%) e plásticos e borracha (9,0%).
Olhando para o resto do pódio, as outras duas economias estão bastante mais interligadas com a portuguesa. O país nórdico foi, em 2021, o 20.º destino mais comum das exportações portuguesas, com 0,7% do total, ao passo que as importações representaram 0,3% do bolo de compras ao exterior, ou seja, ocupando o 33.º lugar. As vendas à Finlândia cresceram de forma assinalável nos últimos anos, saltando 20,1% desde 2017 até 2021 e contribuindo para uma balança comercial que tem sido favorável a Portugal no mesmo período, que fechou com um excedente de 202 milhões de euros.
As vendas à economia finlandesa focam-se sobretudo em minerais e minérios, que pesam mais de dois terços do total exportado. Em sentido inverso, as importações são dominadas por máquinas e aparelhos, com 24,5%, e metais comuns, com 22,2%.
Analisando a relação comercial com o Japão, uma das economias mais avançadas do mundo, o poderio tecnológico nipónico tem significado uma balança comercial desfavorável nos últimos cinco anos, culminando num défice de 341 milhões de euros em 2022.
A economia do Extremo Oriente é a 34.ª cliente das exportações nacionais, dominadas por veículos e materiais de transporte, em 36,2% dos casos, e pelos produtos alimentares, com 22,8% do total. Já no lado das importações, o Japão representou 0,5% do total, ocupando a 28.ª posição. Os bens nipónicos mais comprados foram os veículos e outro material de transporte, com 29,3%, e as máquinas e aparelhos, com 28,5%.
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