Artigo originalmente publicado no caderno NOVO Economia de 1 de julho, com a edição impressa do Semanário NOVO.
Um dos sectores que melhor resistiram durante a pandemia em Portugal foi a construção, que manteve a generalidade dos projetos, e o ambiente de subida expressiva dos juros veio colocar novo entrave a este ramo. A indústria metalomecânica e metalúrgica acompanha de próximo a construção, embora tenha outros motores a estimular a sua atividade, e, apesar de o aperto constituir uma dificuldade, o vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP) fala num segmento bem capitalizado, com oportunidades de crescimento e numa rota de afirmação internacional. A execução dos fundos europeus não deixa, no entanto, de ser crítica.
Primeiro, a pandemia, depois, a crise das matérias-primas e, agora, juros em alta: as dificuldades na zona euro têm sido consecutivas, sobretudo para sectores mais intensivos de capital, mas a indústria do metal nacional tem-se mantido com força e vitalidade. Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP, explica que “o sector está bastante mais capitalizado do que a média nacional” e, sendo fortemente investidor, tal amortece um pouco os efeitos da subida dos juros numa economia altamente endividada como a portuguesa. Ainda assim, é inegável que o aperto monetário começa a ter sinais na actividade das empresas.
“Neste momento começa-se a verificar alguma retracção que poderia e deveria ser compensada por uma maior execução de todos os planos de apoio que existem, nomeadamente o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o Portugal 2030”, alerta o responsável do sector. Os atrasos na execução destes fundos criam dúvidas quanto ao seu impacto na economia real, com a generalidade dos analistas a afastarem-se da ideia de uma “bazuca” transformadora, dado o ambiente de subida de custos e as dificuldades nacionais no pagamento das tranches.
O desenho do programa é, mais uma vez, visado. Para o vice-presidente da AIMMAP, a “excessiva concentração de fundos para a parte pública” traduz-se numa “negligência às empresas”. Mais: os critérios de atribuição estão mal definidos, priorizando a criação de emprego à de valor.
“Os investimentos [aprovados] não estão a ser os mais apropriados nesta altura”, critica, dando um exemplo: ao abrigo do Portugal 2030, um projecto que duplique os postos de trabalho “será certamente mais bem avaliado do que outro que aumente para o dobro o valor acrescentado bruto”. Este é um critério ainda mais incompreensível considerando as dificuldades na contratação vividas por tantos sectores da economia nacional nos últimos trimestres.
“Neste momento temos uma conjuntura de pleno emprego, pelo que não conseguimos encontrar recursos humanos para as nossas empresas. Portanto, faz muito mais sentido que as políticas públicas contribuam para que as empresas aumentem o seu valor acrescentado e aumentem os seus salários”, advoga Rafael Campos Pereira. Num contexto de aumento dos custos de financiamento, a falta de agilidade do sector público na aprovação destes apoios é ainda mais penalizadora, acrescenta.
Relocalização irá ajudar sector
A verdade é que, mesmo com uma conjuntura difícil, o sector continuou a crescer, sobretudo fora de portas. A afirmação da indústria metalomecânica portuguesa é clara, com um crescimento de 16,1% nas exportações em 2022 – o melhor ano de sempre do sector, quando foram vendidos ao exterior 23.080 milhões de euros. E a tendência de relocalização pode beneficiar o país, dada a sua proximidade a mercados apetecíveis, como o alemão.
Depois do melhor ano da história do ramo, o primeiro trimestre de 2023 marcou os melhores três meses da metalomecânica e afins nacional: um aumento homólogo de 19,7%, resultando em 2.524 milhões de euros; só em Março, o crescimento chegou a 27,2%, depois de avanços de 13,7% em Janeiro e 15,6% em Fevereiro.
Rafael Campos Pereira fala num “muito bom trimestre, o que permite uma maior margem e também mais disponibilidade para apostar de uma forma mais efectiva nos campeonatos de valor acrescentado”, onde a afirmação é fulcral. Além do crescimento em termos gerais, os principais mercados para as exportações nacionais também registaram crescimentos interessantes.
A UE continuou a representar, no primeiro trimestre, três quartos da exportação nacional, que teve aumentos absolutos na relação com Alemanha, Espanha e França, os principais destinos enunciados pelo vice-presidente da AIMMAP, mas também em Itália ou no Reino Unido.
“As nossas empresas têm estado presentes em muitas feiras, como em muitas iniciativas na internacionalização, têm aumentado as encomendas, preços e mercados e, portanto, estamos optimistas”, resume.
Olhando precisamente para o apetite que a Europa tem vindo a mostrar por uma relocalização de indústrias-chave para a segurança e independência económica do bloco, o sector da metalomecânica portuguesa pode ser um dos grandes beneficiários. A produção nacional tem “provado aos nossos grandes compradores que está em condições de continuar a fornecer” com a qualidade que a caracteriza, pelo que a aposta será no crescimento da vertente internacional.
Um motor fulcral, que resulta também da qualidade mostrada pela exportação nacional, foi a presença na Hannover Messe, a maior feira industrial do mundo.
“Estavam lá empresas como a Bosch, a Volkswagen, a Continental, grandes empresas – algumas, até já somos tradicionais fornecedores delas. Assim, conseguimos mostrar à Alemanha e a outras empresas de grande dimensão do norte da Europa […] que os fornecedores portugueses estão aptos para trabalhar com gigantes”, remata.
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